De Buenos Aires (Argentina) – Bem, resolvi aprender a “trabalhar” com vídeo, é meu novo xodó. Depois do primeiro, com a passeata do Partido Obrero (logo abaixo), olha outro aí, agora com o repórter falando. Que tal? Uma merda, dirão com razão. Mas prometo tentar melhorar. Na verdade, fiz pensando somente em treinar, não pensava em postar. Porém, quando ouvi minha fala, achei que estava muito melhor do que imaginava. Então, tai.
Algumas observações para ajudar a fala hesitante do repórter:
25 de maio de 1810 é quando estourou o processo de independência da Argentina do jugo espanhol, com a destituição do último vice-rei. Foi a chamada Revolução de Maio, daí o nome Praça de Maio. Há poucos meses houve aqui a festa do Bicentenário da Independência.
A praça ficou muito conhecida devido ao movimento Madres y Abuelas de Plaza de Mayo (Mães e Avós da Praça de Maio), iniciado em 1977, segundo ano da última ditadura militar. Mães e avós lutavam e lutam ainda para identificar e recuperar filhos e netos roubados pelos repressores dos presos políticos. É um dos temas mais dramáticos da ditadura argentina.
Sobre Cris (Cristina Kirchner), eu falo “presidente”, mas por aqui (no espanhol de modo geral, pelo que conheço), se usa mesmo é “presidenta”, na faixa que mostro pelo verso, está lá: “presidenta”. (Com a eleição de Dilma Rousseff, creio que deveríamos adotar esta forma, sem purismos bestas).
Falo em sexta-feira, dia 25, na verdade é dia 26.
Gaguejo na faixa dos veteranos de guerra (da Guerra das Malvinas, em 1982, Argentina x Inglaterra). Está escrito (traduzindo): memória, justiça, sem esquecimento. Falo em um ano de acampamento, está errado, há uma faixa falando de mil dias (o acampamento iniciou-se em 25/02/2008).
Há uma bandeira do Sindicato de Guincheros (são operários dos portos, nossos portuários ou estivadores).
Os organizadores do show distribuíram um panfletinho assumido por uma Frente Transversal Juventude e Cultura. O texto, bem curtinho, fazia o chamamento aos jovens para adesão ao Projeto Nacional e Popular, dentro da proposta política da "presidenta" Cristina Kirchner. Repetia em cada uma das cinco frases: "Ahora más que nunK" (agora mais do que nunca), assim com o "K" grande e em negrito. Bem sugestivo, coisa de jovens...
sábado, 27 de novembro de 2010
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
VÍDEO: OPERÁRIOS ARGENTINOS COBRAM PUNIÇÃO PELO ASSASSINATO DE MARIANO FERREYRA
De Buenos Aires (Argentina) – O vídeo mostra a chegada, por volta das 19:30 horas (já está escurecendo), na sexta-feira, dia 19, da passeata do Partido Operário (“Obrero”) à Praça de Maio (“Plaza de Mayo”), desembocando da rua Diagonal Sul.
Os militantes cantam falando contra “a burocracia sindical”, referência à União Ferroviária, entidade da estrutura sindical oficial acusada de responsável pelo crime. Ouve-se falar, através do serviço de som, da chegada à praça “para exigir o julgamento e punição dos responsáveis políticos e materiais do crime de Mariano...” Há menção a Elsa Rodriguez e outros feridos e à luta contra a manutenção de “patotas (gangues) sindicais”, que agem na repressão aos militantes populares. E anuncia-se a leitura de documento pedindo a prisão dos responsáveis.
Matéria sobre o mesmo assunto está postada logo abaixo.
Os militantes cantam falando contra “a burocracia sindical”, referência à União Ferroviária, entidade da estrutura sindical oficial acusada de responsável pelo crime. Ouve-se falar, através do serviço de som, da chegada à praça “para exigir o julgamento e punição dos responsáveis políticos e materiais do crime de Mariano...” Há menção a Elsa Rodriguez e outros feridos e à luta contra a manutenção de “patotas (gangues) sindicais”, que agem na repressão aos militantes populares. E anuncia-se a leitura de documento pedindo a prisão dos responsáveis.
Matéria sobre o mesmo assunto está postada logo abaixo.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
OPERÁRIOS ARGENTINOS COBRAM PUNIÇÃO PELO ASSASSINATO DE MARIANO FERREYRA
![]() |
Dirigentes do movimento operário e socialista durante a concentração na Praça de Maio (Plaza de Mayo). No alto, três fotos de Mariano Ferreyra |
![]() |
Milhares de pessoas foram às ruas exigindo a prisão dos responsáveis pela morte do militante do Partido Operário ("Obrero") |
Durante a concentração, foi lido um documento assinado por dezenas de partidos, sindicatos, entidades do movimento popular, parlamentares, políticos e personalidades, onde se pedia a punição dos “responsáveis” pelo assassinato. De acordo com as investigações, cujos resultados aparecem como consenso no noticiário da imprensa argentina, os autores da “emboscada” contra os manifestantes faziam parte de uma gangue (a imprensa daqui chama de “patota” e seus integrantes de “barrabravas”) recrutada e dirigida pela União Ferroviária (UF), entidade sindical oficial dos ferroviários, que é alinhada com o governo e é contra a atuação dos terceirizados e contratados, os quais lutam para ter sua situação trabalhista regularizada.
Sete estão presos, mas o Partido Operário quer a prisão dos “responsáveis políticos”
Sete pessoas apontadas como autores materiais do crime estão presas, incluindo Pablo Díaz, que é delegado da UF e que teria monitorado a gangue durante a “emboscada”. Mais três manifestantes foram feridos a tiros, dentre eles Elsa Rodriguez, que levou um tiro na cabeça e está em estado grave. Os dirigentes do Partido Obrero (PO) cobram a prisão dos “responsáveis políticos”, referindo-se explicitamente ao secretário geral da UF, José Pedraza, e acusam a polícia de ter facilitado a ação da gangue. A “presidenta” Cristina Kirchner declarou que os responsáveis serão punidos e reafirmou a posição de seu governo contra qualquer repressão aos movimentos populares. Nos protestos de rua na sexta-feira, de fato, não se viu nenhum tipo de cerceamento policial.
![]() |
Integrantes do Movimento Tereza Rodriguez (MTR) aguardam, numa área da Plaza de Mayo, a chegada da passeata do Partido Obrero |
Outros eventos marcaram o primeiro mês da morte do militante socialista. Depois da concentração na Plaza de Mayo, houve uma “marcha de antorchas” (tochas) até o local onde Mariano foi morto, no bairro de Barracas, onde foi feita uma vigília até o meio-dia de sábado e inaugurada uma placa. Em seguida, os manifestantes foram até o hospital onde está internada Elsa Rodriguez. Foram realizadas mobilizações também em outras cidades do país. Para esta terça-feira, dia 23, está previsto um festival na Plaza de Mayo, organizado pela Federação Universitária de Buenos Aires.
(Somente para ilustração: o jornal Clarín, do maior grupo empresarial de comunicação da Argentina, que está em guerra com o governo Kirchner, dedicou a cabeça da página 6 de sua edição de sábado, dia 20, à manifestação do PO, com direito à foto na cabeça da página. O título: “Críticas ao Governo em marcha por Mariano Ferreyra”. Na página seguinte, outra matéria falando das investigações sobre o crime. O governo Kirchner, depois de longa luta no Congresso e, depois, na Justiça, emplacou uma Ley de los Medios, que atinge em cheio o monopólio do grupo Clarín. É considerada uma lei avançada, em relação ao tremendo atraso da legislação brasileira, no tocante à democratização dos meios de comunicação).
Repressão do Estado em tempos de democracia
![]() |
Militantes de esquerda, ligados à Correpi, protestam na Plaza de Mayo contra a matança de jovens. Ao fundo, a Casa Rosada, palácio do governo |
Os representantes da Correpi fazem questão de esclarecer que se trata de repressão do Estado em tempos de democracia, inclusive no “governo dos Kirchner, que tanto gosta de se auto-proclamar como governo dos direitos humanos”. No balanço total, eles registram 3.093 pessoas assassinadas desde dezembro/83 até hoje (a última ditadura argentina foi de 1976 a 1983).
domingo, 21 de novembro de 2010
RAMONET: JORNALISMO ATRAVESSA GRAVE CRISE DE IDENTIDADE
O jornalista Ignácio Ramonet (foto), ao receber o Prêmio Antonio Asensio, em Barcelona, criticou aqueles que fazem “entretenimento domesticado” ao invés de fazer jornalismo. “A imprensa escrita”, assinalou, “vive um dos momentos mais difíceis, e o jornalismo atravessa uma grave crise de identidade. O importante se dilui no trivial e o sensacionalismo substitui a explicação. A informação é algo muito sério, pois de sua qualidade depende a qualidade da democracia. Para ele, ainda há muitas injustiças no mundo que justificam uma concepção do jornalismo a favor de mais liberdade, justiça e democracia”.
El Periódico (Espanha) – (Reproduzido de Carta Maior, de 02/11/10)
No dia 27 de agosto, Ignácio Ramonet desafiou, desde a tribuna do Pequeno Palácio da Música, em Barcelona, a todos aqueles que defendem que o jornalismo – e o jornalista – já não são necessários, e que afirmam que a informação circula mais livre, mais abundante e mais transparente do que nunca. Frente a estes, sentenciou que não: que “a massa de informação oculta supera o imaginável em muitos temas“, que “na democracia a batalha pela liberdade de expressão nunca está definitivamente terminada”, e que os jornalistas devem existir porque uma de suas tarefas é “ampliar os limites dessa liberdade”.
A entrega do oitavo prêmio Antonio Asensio de Jornalismo, homenagem concedida pelo grupo Zeta em memória de seu fundador, foi – e provavelmente muitos antecipavam que, sendo Ramonet o premiado, seria assim – reivindicativa: uma tranqüila, mas robusta, reivindicação do jornalismo.
Ramonet é diretor da edição espanhola do Le Monde Diplomatique e figura proeminente da esquerda. Em seu discurso, o presidente do grupo Zeta, José Montilla, lembrou que o prêmio foi outorgado a ele “enquanto jornalista e ativista, por seu trabalho no Le Monde Diplomatique, mas também por suas iniciativas sociais”. Ramonet citou a divulgação de documentos do Pentágono feito pelo Wikileaks como exemplo do jornalismo com rótulo: o rótulo do necessário. “Ultimamente alguns grandes conglomerados de comunicação de dimensão continental e mesmo planetária querem converter o jornalismo em um entretenimento domesticado, em uma tediosa simplificação da realidade. O importante se dilui no trivial e o sensacionalismo substitui a explicação. Felizmente, mesmo neste novo contexto, podem surgir forças resistentes, como o Wikileaks está demonstrando”.
Sem dizê-lo, porém, Ramonet insinuou que Wikileaks é mais a exceção e menos a regra. “A imprensa escrita”, assinalou, “vive um dos momentos mais difíceis, e o jornalismo atravessa uma grave crise de identidade. Digo isso sem nostalgia, porque não creio que tenha existido uma idade de ouro do jornalismo. Fazer jornalismo de qualidade jamais foi fácil, sempre comportou riscos e ameaças: o poder político e o poder do dinheiro, e freqüentemente os dois, sempre trataram de coagir sua liberdade”.
Frente a este estado de coisas, “o jornalista deve reafirmar sua vontade de saber e compreender para poder transmitir”, disse ainda Ramonet. “Quando todos os meios se deixam arrastar pela velocidade e pela instantaneidade, o jornalista deve considerar que o importante é frear, desacelerar, conceder-se tempo para a dúvida, a análise e a reflexão. A informação é algo muito sério, porque de sua qualidade depende a qualidade da democracia”. E fez um último chamamento: “Ainda existem muitas injustiças no mundo que justificam uma concepção do jornalismo a favor de mais liberdade, justiça e democracia”.
A fala de Ramonet não foi um discurso isolado. O seu diagnóstico sobre o estado das coisas no jornalismo coincidiu, em termos gerais, com as palavras de Montilla, que disse que “as novas tecnologias não deveriam supor a desaparição da profissão jornalística” e defendeu profissionais rigorosos e com independência de critérios. Na mesma linha, o presidente da comissão executiva do grupo Zeta, Juan Llopart, falou dos “momentos incertos e confusos que vive o jornalismo” (provocados, em parte, para ele, pela “vertiginosa revolução tecnológica”) e reivindicou o rigor intelectual, o profissionalismo e o compromisso nas salas de redação. Valores que, concluiu, Ramonet representa.
Tradução: Katarina Peixoto
El Periódico (Espanha) – (Reproduzido de Carta Maior, de 02/11/10)
No dia 27 de agosto, Ignácio Ramonet desafiou, desde a tribuna do Pequeno Palácio da Música, em Barcelona, a todos aqueles que defendem que o jornalismo – e o jornalista – já não são necessários, e que afirmam que a informação circula mais livre, mais abundante e mais transparente do que nunca. Frente a estes, sentenciou que não: que “a massa de informação oculta supera o imaginável em muitos temas“, que “na democracia a batalha pela liberdade de expressão nunca está definitivamente terminada”, e que os jornalistas devem existir porque uma de suas tarefas é “ampliar os limites dessa liberdade”.
A entrega do oitavo prêmio Antonio Asensio de Jornalismo, homenagem concedida pelo grupo Zeta em memória de seu fundador, foi – e provavelmente muitos antecipavam que, sendo Ramonet o premiado, seria assim – reivindicativa: uma tranqüila, mas robusta, reivindicação do jornalismo.
Ramonet é diretor da edição espanhola do Le Monde Diplomatique e figura proeminente da esquerda. Em seu discurso, o presidente do grupo Zeta, José Montilla, lembrou que o prêmio foi outorgado a ele “enquanto jornalista e ativista, por seu trabalho no Le Monde Diplomatique, mas também por suas iniciativas sociais”. Ramonet citou a divulgação de documentos do Pentágono feito pelo Wikileaks como exemplo do jornalismo com rótulo: o rótulo do necessário. “Ultimamente alguns grandes conglomerados de comunicação de dimensão continental e mesmo planetária querem converter o jornalismo em um entretenimento domesticado, em uma tediosa simplificação da realidade. O importante se dilui no trivial e o sensacionalismo substitui a explicação. Felizmente, mesmo neste novo contexto, podem surgir forças resistentes, como o Wikileaks está demonstrando”.
Sem dizê-lo, porém, Ramonet insinuou que Wikileaks é mais a exceção e menos a regra. “A imprensa escrita”, assinalou, “vive um dos momentos mais difíceis, e o jornalismo atravessa uma grave crise de identidade. Digo isso sem nostalgia, porque não creio que tenha existido uma idade de ouro do jornalismo. Fazer jornalismo de qualidade jamais foi fácil, sempre comportou riscos e ameaças: o poder político e o poder do dinheiro, e freqüentemente os dois, sempre trataram de coagir sua liberdade”.
Frente a este estado de coisas, “o jornalista deve reafirmar sua vontade de saber e compreender para poder transmitir”, disse ainda Ramonet. “Quando todos os meios se deixam arrastar pela velocidade e pela instantaneidade, o jornalista deve considerar que o importante é frear, desacelerar, conceder-se tempo para a dúvida, a análise e a reflexão. A informação é algo muito sério, porque de sua qualidade depende a qualidade da democracia”. E fez um último chamamento: “Ainda existem muitas injustiças no mundo que justificam uma concepção do jornalismo a favor de mais liberdade, justiça e democracia”.
A fala de Ramonet não foi um discurso isolado. O seu diagnóstico sobre o estado das coisas no jornalismo coincidiu, em termos gerais, com as palavras de Montilla, que disse que “as novas tecnologias não deveriam supor a desaparição da profissão jornalística” e defendeu profissionais rigorosos e com independência de critérios. Na mesma linha, o presidente da comissão executiva do grupo Zeta, Juan Llopart, falou dos “momentos incertos e confusos que vive o jornalismo” (provocados, em parte, para ele, pela “vertiginosa revolução tecnológica”) e reivindicou o rigor intelectual, o profissionalismo e o compromisso nas salas de redação. Valores que, concluiu, Ramonet representa.
Tradução: Katarina Peixoto
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
A ARTE EM BUSCA DE UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA
(Enquanto resolvo os problemas burocráticos da chegada e tento me adaptar a uma nova cidade, desta vez Buenos Aires, reproduzo para meus leitores a entrevista abaixo, publicada em 27/07/2010 pelo blog Fazendo Media: a média que a mídia faz. Mudei somente o título: COLETIVO LUTARMADA LANÇA NOVO CD. As fotos são também do Fazendo Media).
Por Alexandre Braz
Gas-PA além de rapper é militante político, usa a arte para a conscientização em busca de uma sociedade mais justa. Por meio do Coletivo LUTARMADA desenvolve trabalhos de base com projetos políticos e cursos de formação na periferia do Rio de Janeiro, em paralelo à produção musical. Em entrevista ao Fazendo Media, ele fala sobre o seu mais novo CD, analisa as corporações de mídia e comenta sobre o hip hop brasileiro nos dias de hoje.
Quantos CDs O Levante já lançou? As letras do disco são todas de sua autoria?
Dois CDs: O Temeremos mais a miséria do que a morte, e agora o Estado de direito. Estado de direira. No primeiro, tirando uma letra que tem coautoria do K-Lot (um MC da velha escola fluminense, que também acaba de lançar um CD), todas as outras são de minha autoria, e o Mimil só interpretava as músicas. Mas no Estado de direito. Estado de direita, não. Esse é até um papo que me emociona, pois me faz lembrar que há 4 anos eu fui lá na favela que ele mora e levei o primeiro livro. Depois ofereci outro. O terceiro eu já nem precisei levar. Mimil, que tinha uns 25 cm menos do que tem hoje, foi lá em casa buscar. Hoje, ele que no começo era apenas um fã, é autor de duas letras desse disco. Fiz uma parte da Meu Estilo de Vida, já a Combativo e Internacionalista, foi o contrário. Ele apareceu com uma letra pronta, sem refrão. Daí eu fiz o refrão, botei mais meia dúzia de versos, e a música ficou daquele jeito. O nome disso é trabalho de base.
Queria que você falasse da escolha do nome do disco.
Estado de direito. Estado de direita, é por que sabemos que o Direito é só uma forma de legitimar a dominação, já que a propriedade privada dos meios de produção é assegurada no Estado burguês. E todos os outros “direitos” são apenas uma conseqüência desse, por isso até que nós o conquistemos ele será de direita.
E as fotos da capa e contra-capa (uma foto histórica do Luiz Morier) do cd?
A capa é pra mostrar qual o direito que nós temos nesse Estado. Nela mostramos dois momentos de uma mesma instituição: no escravismo e no capitalismo. Antes, sob o nome de Capitão do Mato, ela caçava, prendia e matava pretos e pretas. Hoje, mais de um século de república, com o nome de polícia, ela caça, prende e mata pretos e pretas. E as duas fotos, mostrando pessoas pretas amarradas, umas às outras pelo pescoço, tanto no escravismo, quanto no capitalismo, é para mostrar o “quanto que esse país mudou”, de lá pra cá.
Você acha que a mídia contribui para a criminalização da pobreza no Rio?
Lógico. Fizemos dois eventos em uma casa noturna tradicionalmente roqueira, mas que nos abriu as portas. Demos o serviço para todos os jornais, e alguns divulgaram o nosso evento. Tentamos a mesma coisa quando fizemos o 1º Hip Hop ao Trabalho, que é nosso evento anual, nos 1º de Maio, em alguma das favelas de Costa Barros. Nenhum veículo divulgou.
Mas por quê? Nesse dia se apresentaram o B Negão e a atriz/DJ Gisele Frade, duas pessoas com nomes já projetados no mercado cultural. Mesmo assim, nenhuma linha. Porra, nós estávamos levando cultura pro bagulho. Se ao invés de caixas de som, microfones, pick ups, discos, nós estivéssemos entrando de granada, fuzil, pistola… nossos nomes estariam em todos os jornais. A mídia burguesa só gosta de repercutir o que as favelas têm de ruim, ou algo de bom mas que não seja de iniciativa da própria favela. Tem que ter a impressão digital de Celso Ataíde, José Junior, Rubens Cesar Fernandes, ou outro antropófago social qualquer.
Às vezes ela faz pior, pega algo de positivo e transforma em ameaça à sociedade. E isso não é por acaso, tem intencionalidade política. Quem só tem acesso à “realidade” via mídia burguesa, vai acabar acreditando que na favela só tem crime e violência. Que a violência é a única língua que a favela conhece. Assim sendo, nada mais legítimo que a violência com a qual o Estado trata a favela. Afinal, se for de outro jeito a favela não entende.
E essas pessoas que crêem nessa “verdade” estão aptas a crer também que, se não é a policia, tem que ser as ONGs, afinal, um povo que só entende a língua da violência não é capaz de estabelecer nenhuma forma de organização pacífica para produzir cultura, atividades esportivas e superar os seus problemas.
Vocês usam muito o termo “revolução”. Como você imagina essa revolução numa sociedade tão despolitizada e com os jovens tão desinteressados pelos caminhos e pelo futuro do nosso país?
Tem que haver um trabalho árduo de educação da militância de esquerda, e ela parece que tem nojo de favela e periferia. A esquerda partidária, então, só pisa lá de 2 em 2 anos, ou para faturar em cima dos corpos do desabamento ou da chacina policial. Por isso nos atos o que se vê são as mesmas caras. Até em ato contra a criminalização da pobreza, da qual são vítimas os favelados, a favela está ausente. Por quê?
A favela e a periferia são os terrenos mais férteis para o senso comum. Quem deveria combater esse senso comum - que faz naturalizar a violência do Estado contra o povo preto e pobre - se viciou em centro da cidade. O único ano em que o Grito dos Excluídos não aconteceu no centro, ele foi para Zona Sul! Pro asfalto!
Estamos passando por um descenso das massas, e essa situação não vai se alterar sozinha. Ou essa militância se oferece ao trabalho de base, onde estão as bases da sociedade, ou vai ficar o resto dos dias reclamando que a juventude está despolitizada. A Globo está todo dia lá fazendo o seu trabalho de base. As ONGs, também. Engana-se quem diz que o único braço do Estado a entrar na favela é a polícia. O Estado está lá diariamente. Vai lá e veja o esgoto a céu aberto, a escola com 2, 3 turmas em cada sala, o posto médico sem médico nem remédio, o crack, a coca, o fuzil, a granada, a TV tela-plana financiada… isso é ou não é a presença do ”Estado de direita”?
Outro equívoco é achar que a juventude está despreocupada com o futuro, desmobilizada. Veja quantos jovens estão envolvidos em projetos do 3º setor. É muita gente preocupada com o futuro, mas dentro de uma perspectiva neoliberal. Fazer o quê? Tem quase ninguém para disputar essas consciências com o inimigo! É preciso chegar nesses espaços antes do desabamento e antes da chacina, mas para isso temos que educar a esquerda.
Na música “A verdadeira mulher da minha vida” você expressa a preocupação de um pai em relação ao futuro da filha. Como você sonha o mundo para estas novas gerações que virão?
Um mundo onde o alimento exista pra matar a fome, e não pra enriquecer ninguém; onde medicina exista pra salvar vidas, prevenir e curar enfermidades, e não pra enriquecer ninguém; onde a arte e o esporte existam pra trazer prazer e saúde física e mental, e não pra enriquecer ninguém; onde a solidariedade não seja uma mercadoria vendida nas prateleiras das ONGs; onde a informação não seja uma mercadoria e nem uma ferramenta de manipular as mentes; onde a educação sirva para se formar seres humanos dignos e plenos, e não para enriquecer ninguém; onde não exista mais dominados e dominantes, por razão nenhuma. Mas isso eu sei que só com muita luta.
Um alvo das suas letras é a televisão, especialmente a Rede Globo. Qual a dimensão do desserviço que esta emissora causa na nossa sociedade?
Desserviço dependendo do ponto de vista, pois para a burguesia ela cumpre o papel que se espera. Ela elege presidente, depois faz derrubar o presidente que elegeu. Ela faz o povo clamar por um ataque contra a Bolívia, quando seu presidente resolve pôr fim à exploração das suas riquezas por uma transnacional. Ela faz o povo ter medo do Chávez, achando que ele, e não os EUA, quer dominar o mundo. Ela joga no lixo a auto-estima da mulher preta, fazendo ela acreditar que só pode ser bonita se se aproximar de um padrão estético que não é o seu. Ela faz o povo repudiar movimentos legítimos como o MST. Consegue deformar outros movimentos, como o Hip Hop, que através das suas telas é um movimento inofensivo, ostensivo, e acéfalo.
O que é o Hip Hop pra você? E qual o poder de transformação social que ele tem?
Ele é meio que minha vida, eu sou um apaixonado por ele. Como eu sou um cara sensível, meus olhos se enchem d’água quando ouço alguma música do Facção Central, ou a Corpo em evidência, do grupo Visão de Rua; quando eu vejo algum moleque ou mina de uma oficina nossa fazendo um movimento com maior grau de dificuldade, no Break; quando eu vejo um graffiti bem feito provocando reflexão sobre o nosso cotidiano; quando eu vejo uma performance bem criativa e bem elaborada nos toca-discos; quando eu vejo alguém fazendo um beat-box, que se tu fechar os olhos, tu vai pensar que tem uma banda tocando. Eu amo o Hip Hop, ele mudou a minha vida. Não só a minha, mas a de uma porrada de gente. Pra melhor, e, nos últimos tempos, pra pior.
Hoje, no Brasil, tem rap fazendo apologia às drogas e ao crime. Ouvi um som um dia desses em que o cara se vangloriava de andar voado numa moto na [Avenida]Brasil sem capacete. Conheço muita gente pelo Brasil afora que disse que a música Voz ativa, dos Racionais, mudou suas vidas. Conheci gente que abandonou o crime por causa deles. Hoje, sei de gente que entrou pro crime por causa deles. As músicas dos caras parece um intervalo comercial. Faz propaganda da Audi, Citroen, Baush & Lomb (que eu só vim saber o que era por causa das músicas deles), “cordão de elite 18 quilates”, modelos e outros supérfluos. A maioria dos que escutam Os Racionais, e vê neles uma referência, ainda são pobres. Como essa gente pobre irá responder a todos esses estímulos? Que tipo de transformação essas músicas podem causar? Então, falar que o Hip Hop transforma, ou não, é muito complexo. Não existe Hip Hop, e sim Hip Hops.Vários.
Em “Rimador Radical” você diz: “e fazer um disco inteiro falando de maconha”, é uma crítica a Marcelo D2? Como você vê estes artistas como ele e MV Bill?
É uma crítica a todos os aproveitadores. Levamos um camarada da Marcha da Maconha para fazer um debate numa atividade nossa, para dar a chance de essa garotada ter acesso a uma discussão mais qualificada sobre a questão da criminalização das drogas. Isso tem, de fato, uma intencionalidade política. Mas quem gasta uma faixa do disco dizendo “se eu fumo ninguém tem nada com isso”, está querendo só vender disco e shows. E isso vale pra qualquer gênero musical, qualquer expressão artística. Mas quem entra na luta tem que estar preparado para isso tudo. O inimigo não vai ficar parado olhando a nossa reação. Ele vai tentar minar nossas forças, e em alguns casos, as armas que eles têm são a nossa própria gente.
Como fazer para mudar a imagem do Rap para quem o conhece através de MTV e MultiShow, naqueles clips em que o discurso são os carrões, as mulheres gostosas e os cordões de ouro?
Você mesmo na pergunta identificou nessas músicas: machismo, ostentação de bens de consumo e eu ainda acrescento apologia à violência e ao regionalismo. Veja que eu estou falando de 1991 e de propagar valores capitalistas. Esse era o momento crucial pra o inimigo lançar mão dessa tática. Foi nessa ocasião em que a União Soviética acabou. O capital tinha que mostrar pras novas gerações por que motivos o “comunismo perdeu pro capitalismo”. Se a direita enxerga a força que o Hip Hop tem pra mobilizar o povo para as suas causas, por que a esquerda também não vê isso? É míope?
Hoje a TV ataca mais a nós do que ao MST. Quantas vezes o MST aparece na televisão? Quantas vezes aparece o Hip Hop? Mas vê só como o Hip Hop aparece. Aquilo que a TV faz com a gente é um ataque. disfarçado, mas é um ataque. E quando não é esse Hip Hop deformado, cheio de vícios, é o Hip Hop domesticado da CUFA. A esquerda tinha que investir boa parte do que tem em recursos financeiros, logística e tudo o mais pra fazer a nossa arte chegar ao maior número de pessoas. É isso que a juventude está ouvindo nas periferias. Quer dizer, é algo meio parecido com isso.
Mas a cegueira chega a irritar, a emputecer. 50 cent vem aqui, fala um monte de merda, maior galera paga uma fortuna pra ver e ouvir isso, e a esquerda não faz nada pra fazer essa disputa com a burguesia.Gramsci tratou disso com o conceito de Guerra de Posição. Aliás, pra além de investir na música, investir também nas outras artes do Hip Hop. Investir principalmente na formação de novos atores nas favelas e periferias. As ONGs fazem isso o tempo todo. Das oficinas que as ONGs realizam saem bons artistas que vão graffitar painel pra Coca Cola, dançar no palco do Criança Esperança e fazer músicas que atendam às demandas do mercado numa disputa insana por prestígio e o dinheiro sujo da alienação. Sobre o cenário internacional, para mim é foda. Conheço muito pouco, mas já vi umas entrevistas do Dead Prez, mesmo assim prefiro não botar minha mão no fogo.
Quem foi ou é uma referência pra você no Rap?
Public Enemy foi fundamental e necessário pra eu ser o que sou hoje. Por eles eu entendi que o rap era algo mais que uma música, mas sim um instrumento de luta racial/classista. Os Racionais também, naquele momento (que se frise bem isso) também foi muito importante. Contar a minha história sem falar neles, é mentira. Agora, pro meu trânsito de artista-comprometido-com-a-luta, para militante orgânico, teve um cara chamado Preto Ghoez, que foi tudo pra mim, inclusive um amigo. Uma amizade cheia de problemas, admito, porém fundamental para minha história na luta revolucionária.
Serviço: O cd “Estado de direito – Estado de direita” está à venda por R$ 5,00 na Produto do Morro, que fica no camelódromo da Uruguaiana, Quadra D, N° 478 (acesso pela Rua da Alfândega); na livraria KITABU, Rua Joaquim Silva 17, Lapa; na Lojinha da Escola Nacional Florestan Fernandes, em SP, ou na mão dos companheiros do LUTARMADA.
Para quem está fora do Rio, é só depositar R$ 15 no Banco do Brasil ag 1508-3, conta poupança 28130-1, Gaspar F C Souza, e mandar o endereço postal com o comprovante de depósito escanneado para o_levante@yahoo.com.br, que o CD chega via PAC.
Por Alexandre Braz
![]() |
"Eu amo o Hip Hop, ele mudou a minha vida. Não só a minha, mas a de uma porrada de gente. Pra melhor, e, nos últimos tempos, pra pior", diz Gas-PA. (Foto: Arquivo pessoal) |
Quantos CDs O Levante já lançou? As letras do disco são todas de sua autoria?
Dois CDs: O Temeremos mais a miséria do que a morte, e agora o Estado de direito. Estado de direira. No primeiro, tirando uma letra que tem coautoria do K-Lot (um MC da velha escola fluminense, que também acaba de lançar um CD), todas as outras são de minha autoria, e o Mimil só interpretava as músicas. Mas no Estado de direito. Estado de direita, não. Esse é até um papo que me emociona, pois me faz lembrar que há 4 anos eu fui lá na favela que ele mora e levei o primeiro livro. Depois ofereci outro. O terceiro eu já nem precisei levar. Mimil, que tinha uns 25 cm menos do que tem hoje, foi lá em casa buscar. Hoje, ele que no começo era apenas um fã, é autor de duas letras desse disco. Fiz uma parte da Meu Estilo de Vida, já a Combativo e Internacionalista, foi o contrário. Ele apareceu com uma letra pronta, sem refrão. Daí eu fiz o refrão, botei mais meia dúzia de versos, e a música ficou daquele jeito. O nome disso é trabalho de base.
Queria que você falasse da escolha do nome do disco.
Estado de direito. Estado de direita, é por que sabemos que o Direito é só uma forma de legitimar a dominação, já que a propriedade privada dos meios de produção é assegurada no Estado burguês. E todos os outros “direitos” são apenas uma conseqüência desse, por isso até que nós o conquistemos ele será de direita.
![]() |
Capa e contra-capa do CD |
A capa é pra mostrar qual o direito que nós temos nesse Estado. Nela mostramos dois momentos de uma mesma instituição: no escravismo e no capitalismo. Antes, sob o nome de Capitão do Mato, ela caçava, prendia e matava pretos e pretas. Hoje, mais de um século de república, com o nome de polícia, ela caça, prende e mata pretos e pretas. E as duas fotos, mostrando pessoas pretas amarradas, umas às outras pelo pescoço, tanto no escravismo, quanto no capitalismo, é para mostrar o “quanto que esse país mudou”, de lá pra cá.
Você acha que a mídia contribui para a criminalização da pobreza no Rio?
Lógico. Fizemos dois eventos em uma casa noturna tradicionalmente roqueira, mas que nos abriu as portas. Demos o serviço para todos os jornais, e alguns divulgaram o nosso evento. Tentamos a mesma coisa quando fizemos o 1º Hip Hop ao Trabalho, que é nosso evento anual, nos 1º de Maio, em alguma das favelas de Costa Barros. Nenhum veículo divulgou.
Mas por quê? Nesse dia se apresentaram o B Negão e a atriz/DJ Gisele Frade, duas pessoas com nomes já projetados no mercado cultural. Mesmo assim, nenhuma linha. Porra, nós estávamos levando cultura pro bagulho. Se ao invés de caixas de som, microfones, pick ups, discos, nós estivéssemos entrando de granada, fuzil, pistola… nossos nomes estariam em todos os jornais. A mídia burguesa só gosta de repercutir o que as favelas têm de ruim, ou algo de bom mas que não seja de iniciativa da própria favela. Tem que ter a impressão digital de Celso Ataíde, José Junior, Rubens Cesar Fernandes, ou outro antropófago social qualquer.
Às vezes ela faz pior, pega algo de positivo e transforma em ameaça à sociedade. E isso não é por acaso, tem intencionalidade política. Quem só tem acesso à “realidade” via mídia burguesa, vai acabar acreditando que na favela só tem crime e violência. Que a violência é a única língua que a favela conhece. Assim sendo, nada mais legítimo que a violência com a qual o Estado trata a favela. Afinal, se for de outro jeito a favela não entende.
E essas pessoas que crêem nessa “verdade” estão aptas a crer também que, se não é a policia, tem que ser as ONGs, afinal, um povo que só entende a língua da violência não é capaz de estabelecer nenhuma forma de organização pacífica para produzir cultura, atividades esportivas e superar os seus problemas.
Vocês usam muito o termo “revolução”. Como você imagina essa revolução numa sociedade tão despolitizada e com os jovens tão desinteressados pelos caminhos e pelo futuro do nosso país?
Tem que haver um trabalho árduo de educação da militância de esquerda, e ela parece que tem nojo de favela e periferia. A esquerda partidária, então, só pisa lá de 2 em 2 anos, ou para faturar em cima dos corpos do desabamento ou da chacina policial. Por isso nos atos o que se vê são as mesmas caras. Até em ato contra a criminalização da pobreza, da qual são vítimas os favelados, a favela está ausente. Por quê?
A favela e a periferia são os terrenos mais férteis para o senso comum. Quem deveria combater esse senso comum - que faz naturalizar a violência do Estado contra o povo preto e pobre - se viciou em centro da cidade. O único ano em que o Grito dos Excluídos não aconteceu no centro, ele foi para Zona Sul! Pro asfalto!
Estamos passando por um descenso das massas, e essa situação não vai se alterar sozinha. Ou essa militância se oferece ao trabalho de base, onde estão as bases da sociedade, ou vai ficar o resto dos dias reclamando que a juventude está despolitizada. A Globo está todo dia lá fazendo o seu trabalho de base. As ONGs, também. Engana-se quem diz que o único braço do Estado a entrar na favela é a polícia. O Estado está lá diariamente. Vai lá e veja o esgoto a céu aberto, a escola com 2, 3 turmas em cada sala, o posto médico sem médico nem remédio, o crack, a coca, o fuzil, a granada, a TV tela-plana financiada… isso é ou não é a presença do ”Estado de direita”?
Outro equívoco é achar que a juventude está despreocupada com o futuro, desmobilizada. Veja quantos jovens estão envolvidos em projetos do 3º setor. É muita gente preocupada com o futuro, mas dentro de uma perspectiva neoliberal. Fazer o quê? Tem quase ninguém para disputar essas consciências com o inimigo! É preciso chegar nesses espaços antes do desabamento e antes da chacina, mas para isso temos que educar a esquerda.
Na música “A verdadeira mulher da minha vida” você expressa a preocupação de um pai em relação ao futuro da filha. Como você sonha o mundo para estas novas gerações que virão?
Um mundo onde o alimento exista pra matar a fome, e não pra enriquecer ninguém; onde medicina exista pra salvar vidas, prevenir e curar enfermidades, e não pra enriquecer ninguém; onde a arte e o esporte existam pra trazer prazer e saúde física e mental, e não pra enriquecer ninguém; onde a solidariedade não seja uma mercadoria vendida nas prateleiras das ONGs; onde a informação não seja uma mercadoria e nem uma ferramenta de manipular as mentes; onde a educação sirva para se formar seres humanos dignos e plenos, e não para enriquecer ninguém; onde não exista mais dominados e dominantes, por razão nenhuma. Mas isso eu sei que só com muita luta.
Um alvo das suas letras é a televisão, especialmente a Rede Globo. Qual a dimensão do desserviço que esta emissora causa na nossa sociedade?
Desserviço dependendo do ponto de vista, pois para a burguesia ela cumpre o papel que se espera. Ela elege presidente, depois faz derrubar o presidente que elegeu. Ela faz o povo clamar por um ataque contra a Bolívia, quando seu presidente resolve pôr fim à exploração das suas riquezas por uma transnacional. Ela faz o povo ter medo do Chávez, achando que ele, e não os EUA, quer dominar o mundo. Ela joga no lixo a auto-estima da mulher preta, fazendo ela acreditar que só pode ser bonita se se aproximar de um padrão estético que não é o seu. Ela faz o povo repudiar movimentos legítimos como o MST. Consegue deformar outros movimentos, como o Hip Hop, que através das suas telas é um movimento inofensivo, ostensivo, e acéfalo.
O que é o Hip Hop pra você? E qual o poder de transformação social que ele tem?
Ele é meio que minha vida, eu sou um apaixonado por ele. Como eu sou um cara sensível, meus olhos se enchem d’água quando ouço alguma música do Facção Central, ou a Corpo em evidência, do grupo Visão de Rua; quando eu vejo algum moleque ou mina de uma oficina nossa fazendo um movimento com maior grau de dificuldade, no Break; quando eu vejo um graffiti bem feito provocando reflexão sobre o nosso cotidiano; quando eu vejo uma performance bem criativa e bem elaborada nos toca-discos; quando eu vejo alguém fazendo um beat-box, que se tu fechar os olhos, tu vai pensar que tem uma banda tocando. Eu amo o Hip Hop, ele mudou a minha vida. Não só a minha, mas a de uma porrada de gente. Pra melhor, e, nos últimos tempos, pra pior.
Hoje, no Brasil, tem rap fazendo apologia às drogas e ao crime. Ouvi um som um dia desses em que o cara se vangloriava de andar voado numa moto na [Avenida]Brasil sem capacete. Conheço muita gente pelo Brasil afora que disse que a música Voz ativa, dos Racionais, mudou suas vidas. Conheci gente que abandonou o crime por causa deles. Hoje, sei de gente que entrou pro crime por causa deles. As músicas dos caras parece um intervalo comercial. Faz propaganda da Audi, Citroen, Baush & Lomb (que eu só vim saber o que era por causa das músicas deles), “cordão de elite 18 quilates”, modelos e outros supérfluos. A maioria dos que escutam Os Racionais, e vê neles uma referência, ainda são pobres. Como essa gente pobre irá responder a todos esses estímulos? Que tipo de transformação essas músicas podem causar? Então, falar que o Hip Hop transforma, ou não, é muito complexo. Não existe Hip Hop, e sim Hip Hops.Vários.
Em “Rimador Radical” você diz: “e fazer um disco inteiro falando de maconha”, é uma crítica a Marcelo D2? Como você vê estes artistas como ele e MV Bill?
É uma crítica a todos os aproveitadores. Levamos um camarada da Marcha da Maconha para fazer um debate numa atividade nossa, para dar a chance de essa garotada ter acesso a uma discussão mais qualificada sobre a questão da criminalização das drogas. Isso tem, de fato, uma intencionalidade política. Mas quem gasta uma faixa do disco dizendo “se eu fumo ninguém tem nada com isso”, está querendo só vender disco e shows. E isso vale pra qualquer gênero musical, qualquer expressão artística. Mas quem entra na luta tem que estar preparado para isso tudo. O inimigo não vai ficar parado olhando a nossa reação. Ele vai tentar minar nossas forças, e em alguns casos, as armas que eles têm são a nossa própria gente.
Como fazer para mudar a imagem do Rap para quem o conhece através de MTV e MultiShow, naqueles clips em que o discurso são os carrões, as mulheres gostosas e os cordões de ouro?
Você mesmo na pergunta identificou nessas músicas: machismo, ostentação de bens de consumo e eu ainda acrescento apologia à violência e ao regionalismo. Veja que eu estou falando de 1991 e de propagar valores capitalistas. Esse era o momento crucial pra o inimigo lançar mão dessa tática. Foi nessa ocasião em que a União Soviética acabou. O capital tinha que mostrar pras novas gerações por que motivos o “comunismo perdeu pro capitalismo”. Se a direita enxerga a força que o Hip Hop tem pra mobilizar o povo para as suas causas, por que a esquerda também não vê isso? É míope?
Hoje a TV ataca mais a nós do que ao MST. Quantas vezes o MST aparece na televisão? Quantas vezes aparece o Hip Hop? Mas vê só como o Hip Hop aparece. Aquilo que a TV faz com a gente é um ataque. disfarçado, mas é um ataque. E quando não é esse Hip Hop deformado, cheio de vícios, é o Hip Hop domesticado da CUFA. A esquerda tinha que investir boa parte do que tem em recursos financeiros, logística e tudo o mais pra fazer a nossa arte chegar ao maior número de pessoas. É isso que a juventude está ouvindo nas periferias. Quer dizer, é algo meio parecido com isso.
Mas a cegueira chega a irritar, a emputecer. 50 cent vem aqui, fala um monte de merda, maior galera paga uma fortuna pra ver e ouvir isso, e a esquerda não faz nada pra fazer essa disputa com a burguesia.Gramsci tratou disso com o conceito de Guerra de Posição. Aliás, pra além de investir na música, investir também nas outras artes do Hip Hop. Investir principalmente na formação de novos atores nas favelas e periferias. As ONGs fazem isso o tempo todo. Das oficinas que as ONGs realizam saem bons artistas que vão graffitar painel pra Coca Cola, dançar no palco do Criança Esperança e fazer músicas que atendam às demandas do mercado numa disputa insana por prestígio e o dinheiro sujo da alienação. Sobre o cenário internacional, para mim é foda. Conheço muito pouco, mas já vi umas entrevistas do Dead Prez, mesmo assim prefiro não botar minha mão no fogo.
Quem foi ou é uma referência pra você no Rap?
Public Enemy foi fundamental e necessário pra eu ser o que sou hoje. Por eles eu entendi que o rap era algo mais que uma música, mas sim um instrumento de luta racial/classista. Os Racionais também, naquele momento (que se frise bem isso) também foi muito importante. Contar a minha história sem falar neles, é mentira. Agora, pro meu trânsito de artista-comprometido-com-a-luta, para militante orgânico, teve um cara chamado Preto Ghoez, que foi tudo pra mim, inclusive um amigo. Uma amizade cheia de problemas, admito, porém fundamental para minha história na luta revolucionária.
Serviço: O cd “Estado de direito – Estado de direita” está à venda por R$ 5,00 na Produto do Morro, que fica no camelódromo da Uruguaiana, Quadra D, N° 478 (acesso pela Rua da Alfândega); na livraria KITABU, Rua Joaquim Silva 17, Lapa; na Lojinha da Escola Nacional Florestan Fernandes, em SP, ou na mão dos companheiros do LUTARMADA.
Para quem está fora do Rio, é só depositar R$ 15 no Banco do Brasil ag 1508-3, conta poupança 28130-1, Gaspar F C Souza, e mandar o endereço postal com o comprovante de depósito escanneado para o_levante@yahoo.com.br, que o CD chega via PAC.
domingo, 14 de novembro de 2010
SAKAMOTO: COMO CULTIVAR A EXCLUSÃO SOCIAL EM SP
(Reproduzo este artigo de acordo com postagem de hoje, 14/11/10, do Vi o Mundo, blog de Luiz Carlos Azenha. Trata de sem-teto/morador de rua, tema relacionado com três matérias recentes deste Evidentemente. Estou em fase de dispersão mental, devido aos preparativos de viagem e principalmente às farras das despedidas. Depois de cinco meses por aqui, estou deixando São Paulo, terra da qual vou levar muitas saudades. Com certeza, se o imponderável não meter o bedelho, retornarei outras vezes. Espero voltar a escrever em Buenos Aires).
Do Blog do Sakamoto
Daqui a uma geração, quando estudarem a arquitetura de nossa época, além dos prédios em forma de melancia e dos espigões de aço e vidro azul, outra coisa, menos bonita por certo, chamará a atenção. Temos gasto muito tempo e inventividade para criar formas de excluir do convívio da cidade aqueles para os quais nunca abrimos as portas dos direitos econômicos – e isso não passará despercebido.
Reuni alguns desses métodos informais em forma de manual. Apesar de não estarem publicados e não seguirem padrões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), existem e fazem vítimas diariamente, ainda mais em noites frias e chuvosas como essas pelas quais estamos passando. Registrar isso serve para lembrar o quanto somos ridículos e ajudar o pessoal que vai nos julgar amanhã. Espero que não tenham dó ou piedade.
1) Áreas cobertas em viadutos, pontes, túneis ou quaisquer locais públicos que possam receber casas imaginárias do povo de rua devem ser preenchidas com concreto. A face superior não deve ficar paralela à rua, mas com inclinação suficiente para que um corpo sem-teto nela estendido e prostrado de cansaço e sono role feito um pacote de carne velha até o chão.
1.1) Outra opção, caso seja impossível uma inclinação acentuada, é o uso de floreiras, cacos de vidro ou lanças de metal. É menos discreto, mas tem o mesmo resultado.
2) Prédios novos devem ser construídos sem marquises para impossibilitar o acúmulo de sem-teto em noites chuvosas.
2.1) Caso seja impossível por determinações estéticas do arquiteto, a alternativa é murar o edifício ou cercá-lo. A colocação de seguranças armados é outra possibilidade, caso haja recursos para tanto.
2.2) Em caso de prédios mais antigos, uma saída encontrada por um edifício na região central de São Paulo e que pode ser tomada como modelo é a colocação de uma mangueira furada no teto, emulando a função de sprinklers. Acionada de tempos em tempos, expulsa desocupados e usuários de drogas. Além disso, como deixa o chão da calçada constantemente molhado, espanta também possíveis moradores de rua que queiram tirar uma soneca por lá.
3) Bancos de praça devem receber estruturas que os separem em três assentos independentes. Apesar disso impossibilitar a vida de casais apaixonados ou de reencontros de amigos distantes, fará com que sem-teto não durmam nesses aparelhos públicos.
4) Em regiões com alta incidência de seres indesejáveis, recomenda-se o avanço de grades e muros para além do limite registrado na prefeitura, diminuindo ao máximo o tamanho da calçada. Como é uma questão de segurança, o fiscal pode “se fazer entender” da importância de manter a estrutura como está.
5) Cloro deve ser lançado nos locais de permanência de sem-teto, principalmente nas noites frias, para garantir que eles não façam suas necessidades básicas no local. Caso não seja suficiente, talvez seja necessária a utilização de produtos químicos mais fortes vendidos em lojas do ramo, como vem fazendo algumas lojas no Centro da cidade. A sugestão é o uso de um aspersor conforme o item 2.2, mas instalado no chão.
Já que não se encontra solução para um problema, encobre-se. É mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma urbana que pegue as centenas de milhares de imóveis fechados para especulação e destine a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para usuários de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e exclusão e, portanto, ineficaz. Muitos vêem os dependentes químicos como lixo da sociedade e estorvo ao invés de entender que lá há um problema de saúde pública. As obras que estão revitalizando (sic) a região chamada de Cracolândia, têm expulsado os moradores da região – para outros locais, como a Barra Funda e Santa Cecília. Contanto que fiquem longe dos concertos da Sala São Paulo, do acervo do Museu da Língua Portuguesa e das exposições Estação Pinacoteca uó-te-mo.
Melhor tirar da vista do que aceitar que, se há pessoas que querem viver no espaço público por algum motivo, elas têm direito a isso. A cidade também é deles, por mais que doa ao senso estético ou moral de alguém. Ou crie pânico para quem acha que isso é uma afronta à segurança pública e aos bons costumes. Em vez disso, são enxotados ou mortos a pauladas (sem que ninguém nunca seja punido por isso) para limpar a urbe para os cidadãos de bem.
PS: Recado à turma que entalou um “tá com dó leva para casa” na garganta: cresçam.
Do Blog do Sakamoto
Daqui a uma geração, quando estudarem a arquitetura de nossa época, além dos prédios em forma de melancia e dos espigões de aço e vidro azul, outra coisa, menos bonita por certo, chamará a atenção. Temos gasto muito tempo e inventividade para criar formas de excluir do convívio da cidade aqueles para os quais nunca abrimos as portas dos direitos econômicos – e isso não passará despercebido.
Reuni alguns desses métodos informais em forma de manual. Apesar de não estarem publicados e não seguirem padrões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), existem e fazem vítimas diariamente, ainda mais em noites frias e chuvosas como essas pelas quais estamos passando. Registrar isso serve para lembrar o quanto somos ridículos e ajudar o pessoal que vai nos julgar amanhã. Espero que não tenham dó ou piedade.
1) Áreas cobertas em viadutos, pontes, túneis ou quaisquer locais públicos que possam receber casas imaginárias do povo de rua devem ser preenchidas com concreto. A face superior não deve ficar paralela à rua, mas com inclinação suficiente para que um corpo sem-teto nela estendido e prostrado de cansaço e sono role feito um pacote de carne velha até o chão.
1.1) Outra opção, caso seja impossível uma inclinação acentuada, é o uso de floreiras, cacos de vidro ou lanças de metal. É menos discreto, mas tem o mesmo resultado.
2) Prédios novos devem ser construídos sem marquises para impossibilitar o acúmulo de sem-teto em noites chuvosas.
2.1) Caso seja impossível por determinações estéticas do arquiteto, a alternativa é murar o edifício ou cercá-lo. A colocação de seguranças armados é outra possibilidade, caso haja recursos para tanto.
2.2) Em caso de prédios mais antigos, uma saída encontrada por um edifício na região central de São Paulo e que pode ser tomada como modelo é a colocação de uma mangueira furada no teto, emulando a função de sprinklers. Acionada de tempos em tempos, expulsa desocupados e usuários de drogas. Além disso, como deixa o chão da calçada constantemente molhado, espanta também possíveis moradores de rua que queiram tirar uma soneca por lá.
3) Bancos de praça devem receber estruturas que os separem em três assentos independentes. Apesar disso impossibilitar a vida de casais apaixonados ou de reencontros de amigos distantes, fará com que sem-teto não durmam nesses aparelhos públicos.
4) Em regiões com alta incidência de seres indesejáveis, recomenda-se o avanço de grades e muros para além do limite registrado na prefeitura, diminuindo ao máximo o tamanho da calçada. Como é uma questão de segurança, o fiscal pode “se fazer entender” da importância de manter a estrutura como está.
5) Cloro deve ser lançado nos locais de permanência de sem-teto, principalmente nas noites frias, para garantir que eles não façam suas necessidades básicas no local. Caso não seja suficiente, talvez seja necessária a utilização de produtos químicos mais fortes vendidos em lojas do ramo, como vem fazendo algumas lojas no Centro da cidade. A sugestão é o uso de um aspersor conforme o item 2.2, mas instalado no chão.
Já que não se encontra solução para um problema, encobre-se. É mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma urbana que pegue as centenas de milhares de imóveis fechados para especulação e destine a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para usuários de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e exclusão e, portanto, ineficaz. Muitos vêem os dependentes químicos como lixo da sociedade e estorvo ao invés de entender que lá há um problema de saúde pública. As obras que estão revitalizando (sic) a região chamada de Cracolândia, têm expulsado os moradores da região – para outros locais, como a Barra Funda e Santa Cecília. Contanto que fiquem longe dos concertos da Sala São Paulo, do acervo do Museu da Língua Portuguesa e das exposições Estação Pinacoteca uó-te-mo.
Melhor tirar da vista do que aceitar que, se há pessoas que querem viver no espaço público por algum motivo, elas têm direito a isso. A cidade também é deles, por mais que doa ao senso estético ou moral de alguém. Ou crie pânico para quem acha que isso é uma afronta à segurança pública e aos bons costumes. Em vez disso, são enxotados ou mortos a pauladas (sem que ninguém nunca seja punido por isso) para limpar a urbe para os cidadãos de bem.
PS: Recado à turma que entalou um “tá com dó leva para casa” na garganta: cresçam.
sábado, 13 de novembro de 2010
CONSELHOS FORTALECEM A DEMOCRACIA
(Reproduzo postagem do sítio do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Lembro que a Bahia é um dos estados onde já existem conselhos de comunicação, mas a grita dos veículos da velha mídia, como é o caso da Folha, começou a partir da aprovação do órgão na Assembleia Legislativa do Ceará, ainda dependendo de sanção ou veto do governador Cid Gomes).
Confira o artigo de integrantes do Intervozes publicado no dia 30 de outubro na seção Tendências/Debates do jornal Folha de São Paulo, em resposta à questão "A criação de conselhos de comunicação estaduais é uma forma de restrição da mídia?"
A aprovação do Conselho Estadual de Comunicação pela Assembleia Legislativa do Ceará foi a senha para uma nova ofensiva da mídia comercial contra a regulamentação do setor e iniciativas análogas em debate em outros Estados.
O argumento é o de que os conselhos seriam órgãos de censura da mídia pelo governo.
A afirmação confunde e esconde o objetivo real dessas estruturas, que já existem em áreas vitais para o desenvolvimento, como saúde e educação, garantindo a participação da população na elaboração das políticas públicas para tais setores e a fiscalização da prestação do serviço público de acordo com a legislação.
Ao contrário do que bradam os grupos de comunicação, e até mesmo a OAB, os conselhos visam a ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição; portanto, nada têm de inconstitucionais. Não se trata de censurar conteúdos, muito menos de definir a atuação da imprensa.
Ao criá-los, os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV.
Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente.
Em parceria com o Poder Executivo federal, podem ainda, por exemplo, fazer audiências para ouvir a população no momento de renovação de uma outorga de TV. Ou encaminhar ao Ministério Público denúncias de discriminação, que se multiplicam em programas policialescos exibidos à luz do dia.
Assim, os conselhos nada mais são do que espaços para a sociedade brasileira, representada em sua diversidade, participar da construção de políticas públicas de comunicação, acompanhar a prestação desse serviço e cobrar das devidas instâncias a responsabilização por violações das regras do setor.
Tratar a legítima reivindicação da população de se fazer ouvir nesses processos como ameaça à liberdade de imprensa é movimento daqueles que, pouco afeitos à sua responsabilidade social, querem manter privilégios em um campo marcado pela concentração de propriedade, homogeneização cultural e desrespeito à legislação.
O que a sociedade reivindica é justamente o exercício direto da liberdade de expressão por todos os segmentos, e não apenas pelos poucos que detêm o controle dos meios e impõem suas ideias à opinião pública como se fossem porta-vozes de uma diversidade que ignoram e omitem. Essa é a real censura à liberdade de expressão no país.
Ao questionar esse modelo, a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu milhares de representantes de organizações sociais, governos (não apenas o federal) e empresários que compreenderam a importância do debate democrático com a população, aprovou, em votação quase unânime, a criação de um conselho nacional e de conselhos estaduais.
Infelizmente, a cobertura sobre o tema tem distorcido as propostas e censurado visões favoráveis aos conselhos, o que comprova que setores dos meios de comunicação interditam o debate quando ele toca em seus interesses comerciais.
É sintomático que aqueles que se arvoram no papel de informar censurem o contraditório e defendam um ambiente desprovido de obrigações legais e mecanismos de fiscalização. A regulação da comunicação está consolidada em todas as democracias como baliza de Estados efetivamente plurais.
Se nesses países, com sistemas de comunicação mais desenvolvidos, iniciativas como essa não são consideradas ameaças à liberdade de expressão, por que aqui deveriam ser?
*Bia Barbosa, 33, Jonas Valente, 29, Pedro Caribé, 27, e João Brant, 31, são integrantes do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Confira o artigo de integrantes do Intervozes publicado no dia 30 de outubro na seção Tendências/Debates do jornal Folha de São Paulo, em resposta à questão "A criação de conselhos de comunicação estaduais é uma forma de restrição da mídia?"
A aprovação do Conselho Estadual de Comunicação pela Assembleia Legislativa do Ceará foi a senha para uma nova ofensiva da mídia comercial contra a regulamentação do setor e iniciativas análogas em debate em outros Estados.
O argumento é o de que os conselhos seriam órgãos de censura da mídia pelo governo.
A afirmação confunde e esconde o objetivo real dessas estruturas, que já existem em áreas vitais para o desenvolvimento, como saúde e educação, garantindo a participação da população na elaboração das políticas públicas para tais setores e a fiscalização da prestação do serviço público de acordo com a legislação.
Ao contrário do que bradam os grupos de comunicação, e até mesmo a OAB, os conselhos visam a ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição; portanto, nada têm de inconstitucionais. Não se trata de censurar conteúdos, muito menos de definir a atuação da imprensa.
Ao criá-los, os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV.
Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente.
Em parceria com o Poder Executivo federal, podem ainda, por exemplo, fazer audiências para ouvir a população no momento de renovação de uma outorga de TV. Ou encaminhar ao Ministério Público denúncias de discriminação, que se multiplicam em programas policialescos exibidos à luz do dia.
Assim, os conselhos nada mais são do que espaços para a sociedade brasileira, representada em sua diversidade, participar da construção de políticas públicas de comunicação, acompanhar a prestação desse serviço e cobrar das devidas instâncias a responsabilização por violações das regras do setor.
Tratar a legítima reivindicação da população de se fazer ouvir nesses processos como ameaça à liberdade de imprensa é movimento daqueles que, pouco afeitos à sua responsabilidade social, querem manter privilégios em um campo marcado pela concentração de propriedade, homogeneização cultural e desrespeito à legislação.
O que a sociedade reivindica é justamente o exercício direto da liberdade de expressão por todos os segmentos, e não apenas pelos poucos que detêm o controle dos meios e impõem suas ideias à opinião pública como se fossem porta-vozes de uma diversidade que ignoram e omitem. Essa é a real censura à liberdade de expressão no país.
Ao questionar esse modelo, a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu milhares de representantes de organizações sociais, governos (não apenas o federal) e empresários que compreenderam a importância do debate democrático com a população, aprovou, em votação quase unânime, a criação de um conselho nacional e de conselhos estaduais.
Infelizmente, a cobertura sobre o tema tem distorcido as propostas e censurado visões favoráveis aos conselhos, o que comprova que setores dos meios de comunicação interditam o debate quando ele toca em seus interesses comerciais.
É sintomático que aqueles que se arvoram no papel de informar censurem o contraditório e defendam um ambiente desprovido de obrigações legais e mecanismos de fiscalização. A regulação da comunicação está consolidada em todas as democracias como baliza de Estados efetivamente plurais.
Se nesses países, com sistemas de comunicação mais desenvolvidos, iniciativas como essa não são consideradas ameaças à liberdade de expressão, por que aqui deveriam ser?
*Bia Barbosa, 33, Jonas Valente, 29, Pedro Caribé, 27, e João Brant, 31, são integrantes do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
COMUNICAÇÃO DEVE SER ÁREA ESTRATÉGICA PARA GOVERNO DILMA
Em seminário em Brasília, organizado para discutir experiências internacionais de regulação da mídia, o ministro Franklin Martins (foto), da Secretaria de Comunicação da Presidência, deixou clara a urgência de um novo marco regulatório para o setor no país, que deve ser construído num debate público e transparente com toda a sociedade, deixando “fantasmas no porão”. Para Unesco, a legislação da radiodifusão brasileira é atrasada e pouco sustentada no interesse público. (Reproduzido de Carta Maior, de 10/11/10. Este blog fez apenas alguns acréscimos nos intertítulos e trocou a foto).
Por Bia Barbosa, de Brasília
Num processo que envolveu mais de 30 mil pessoas em todo o país, a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) teve como uma de suas principais resoluções, aprovada por representantes do governo, da sociedade civil e do empresariado, a necessidade da construção de um novo marco regulatório para o país. Ultrapassada – da década de 60 – e pouco democrática, a legislação que hoje rege o setor tem se mostrado um entrave não apenas para o desenvolvimento da própria mídia no país como também um obstáculo considerável para a consolidação da democracia brasileira. A um mês de completar o aniversário de um ano da I Confecom, o governo Lula dá um passo significativo para transformar essa realidade e sinaliza: o governo Dilma deve tratar as mudanças nessa área como prioritárias.
Foi este o tom do discurso, corajoso, do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, nesta terça (09) durante a abertura do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em Brasília. Para uma platéia repleta de empresários, organizações da sociedade civil, acadêmicos e convidados estrangeiros, Franklin colocou o dedo numa ferida que, pelo menos publicamente, já tinha sido reconhecida pelo Executivo Federal desde a Confecom, mas que até este momento deixava dúvidas sobre quando e o quanto seria de fato enfrentada. Depois de viajar por diversos países para conhecer como outras democracias estão lidando com o processo de convergência tecnológica, foi hora de trazer especialistas internacionais para Brasília e dar o pontapé público neste debate, “olhando pra frente”, como ele deixou claro.
“Cada vez mais as fronteiras entre radiodifusão e telecomunicação vão se diluindo. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal que recebe no celular ou no computador vem da radiodifusão ou das teles. A convergência de mídia é um processo que está em curso e ninguém vai detê-lo. Por isso é bom olhar pra frente, este é o futuro. E regular esta questão será um desafio, porque sem isso não há segurança jurídica nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.
O governo reconheceu que, aqui, o desafio se mostra maior do que em outros países, porque, além da legislação atrasada, “acumularam-se problemas imensos, que foram sendo encostado ao longo do tempo”. Para o ministro, a legislação brasileira é um cipoal de gambiarras, que não enfrenta as questões de fundo, e que inclusive não responde aos princípios estabelecidos pela própria Constituição Federal.
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém”
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada. A discussão foi sendo evitada. E a oportunidade é discutir tudo isso agora, legislando de uma forma mais permanente, integradora, cidadã e democrática”, disse Franklin Martins.
A pretensão do governo é fazer as mudanças no marco regulatório através de um processo público, aberto e transparente, para que a sociedade brasileira como um todo – e não apenas um grupo ou outro – decida seu caminho. Até o final da gestão Lula, um ante-projeto de lei, que vem sendo elaborado por um grupo de trabalho interministerial, será apresentado à equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, que então decidirá quando e como apresentá-lo ao Congresso Nacional. É neste debate público que o grupo de trabalho deve basear suas proposições.
Um dos maiores desafios nessa jornada, no entanto, parece ir além da própria convergência tecnológica e suas inúmeras inovações. Trata-se de, exatamente, criar as condições para que o debate público de fato aconteça, de forma plural e participativa. Foi este o desejo da I Conferência de Comunicação, que agora parece contar com a vontade política do governo Lula para ser colocado em marcha.
Fantasmas no sótão: “Essa agenda será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”
“O problema é grande. Os fantasmas passeiam por aí arrastando correntes, impedindo que a gente ouça o que tem que ouvir. Se formos capazes de nos livrar dos fantasmas e não os deixarmos controlar nossa discussão, avançaremos. Isso interessa à sociedade como um todo, não é uma discussão apenas econômica. A comunicação diz respeito à cidadania, à participação política e à produção cultural, e por isso a sociedade deve participar diretamente”, afirmou Franklin Martins. E deu o recado: “convido a todos então a deixar seus fantasmas no sótão, que é onde eles se sentem melhor. Vamos nos desarmar dos preconceitos. Essa agenda está na mesa e será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”.
Dentre os fantasmas que precisam ser deixados no porão está a tese – tão difundida pelos grandes meios de comunicação – de que regulação é sinônimo de censura à imprensa. Na abertura do seminário internacional, foi necessário afirmar mais uma vez, para quem já deveria estar convencido disso, que o Brasil goza de absoluta liberdade de imprensa.
“Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor. Vocês verão relatos neste evento de diversas democracias, e verão que em todas elas há regulação, o que não significa nada que haja censura”, repetiu.
Sem explicitar, o governo Lula acabou admitindo que deixou a desejar no campo das comunicações. E para os participantes da sociedade civil que vieram a Brasília conhecer as experiências de outros países, talvez esta tenha sido a mensagem mais alentadora: esta área deve ser tratada com prioridade no governo Dilma.
“Estou convencido de que a área de comunicação terá, no próximo governo, o mesmo tratamento que teve a energia no governo Lula. Algo estratégico para o crescimento. Ou se produz um novo marco regulatório ou vamos perder o bonde. Em 2008, a radiodifusão faturou R$ 11,5 bilhões; e as empresas de telecomunicações, R$ 130 bilhões. Em 2009, os números foram R$ 13 bilhões e R$ 180 bilhões respectivamente. É evidente que, se não houver regulação, a radiodifusão será atropelada por uma jamanta. E se não houver o debate, quem vai regular é o mercado. E quando o mercado regula, quem ganha é o mais forte”, avisou Franklin.
“É necessário regular, criar políticas públicas e gerar um ambiente para que a sociedade se sinta não só usuária dos serviços de comunicação, mas cidadã. Se formos capazes de entender isso, teremos mais vozes falando, mais opiniões se expressando no debate público. É “mais” e não “menos” o que está em jogo neste processo”, concluiu.
Mais interesse público: “Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido”
Também em sintonia com o que apontou a I Confecom e com a linha política manifestada pela Secretaria de Comunicação, uma das primeiras participações internacionais no seminário expôs objetivamente os pontos nevrálgicos da legislação brasileira que precisam avançar para que o setor, de fato, permita a expressão dessa multiplicidade de vozes. O canadense Toby Mendel, diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, a liberdade de expressão e o direito de participação, apresentou o resultado de um estudo encomendado pela Unesco sobre o marco regulatório em 10 grandes democracias, incluindo o Brasil. E, a partir de padrões internacionais, fez recomendações para o processo que se inicia em território nacional.
Uma delas é a de ampliar a transparência e garantir o interesse público nos processos de renovação das concessões de rádio e TV. “Em muitos países, este momento é uma oportunidade para avaliar mudanças que precisam ser feitas pelo concessionário, para apontar eventuais regras que não tenham sido respeitadas. No Brasil, esta avaliação não acontece”, disse Toby Mendel.
A prática reforça outros problemas da legislação não enfrentados pelo Estado brasileiro: a regulação da propriedade privada dos meios – com medidas como a proibição da propriedade cruzada – e a garantia da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão vai além do direito do emissor dizer o que pensa. É também o direito do receptor, do telespectador, do leitor, receber uma variedade de informações e de pontos de vista. Se a propriedade dos meios não é regulada, isso pode até ser ok do ponto de vista do emissor, mas o direito do receptor de receber idéias plurais começa a ser reduzido. Ou seja, o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir”, afirmou o consultor da Unesco.
Na mesma linha, Mendel apontou a importância de regras para a difusão de conteúdo na radiodifusão, como a proteção de crianças, o combate a discursos que violem os direitos humanos e a promoção do jornalismo imparcial. É preciso ainda regulamentar o artigo da Constituição que garante percentuais para a difusão de conteúdos regionais e independentes nas emissoras de rádio e TV e garantir o direito de resposta.
“Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido. Também é preciso haver um sistema que receba queixas neste sentido, um órgão regulador independente que pode aplicar sanções diante do descumprimento dessas regras”, explicou Mendel, que defendeu ainda a importância do fortalecimento do sistema público de comunicação e da comunicação comunitária brasileira.
A lista é grande, e foi sendo recheada com outras sugestões vindas dos representantes dos demais países presentes ao seminário – o que apenas reforça e confirma o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente se quiser mesmo mexer neste vespeiro.
Por Bia Barbosa, de Brasília
Num processo que envolveu mais de 30 mil pessoas em todo o país, a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) teve como uma de suas principais resoluções, aprovada por representantes do governo, da sociedade civil e do empresariado, a necessidade da construção de um novo marco regulatório para o país. Ultrapassada – da década de 60 – e pouco democrática, a legislação que hoje rege o setor tem se mostrado um entrave não apenas para o desenvolvimento da própria mídia no país como também um obstáculo considerável para a consolidação da democracia brasileira. A um mês de completar o aniversário de um ano da I Confecom, o governo Lula dá um passo significativo para transformar essa realidade e sinaliza: o governo Dilma deve tratar as mudanças nessa área como prioritárias.
Foi este o tom do discurso, corajoso, do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, nesta terça (09) durante a abertura do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em Brasília. Para uma platéia repleta de empresários, organizações da sociedade civil, acadêmicos e convidados estrangeiros, Franklin colocou o dedo numa ferida que, pelo menos publicamente, já tinha sido reconhecida pelo Executivo Federal desde a Confecom, mas que até este momento deixava dúvidas sobre quando e o quanto seria de fato enfrentada. Depois de viajar por diversos países para conhecer como outras democracias estão lidando com o processo de convergência tecnológica, foi hora de trazer especialistas internacionais para Brasília e dar o pontapé público neste debate, “olhando pra frente”, como ele deixou claro.
“Cada vez mais as fronteiras entre radiodifusão e telecomunicação vão se diluindo. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal que recebe no celular ou no computador vem da radiodifusão ou das teles. A convergência de mídia é um processo que está em curso e ninguém vai detê-lo. Por isso é bom olhar pra frente, este é o futuro. E regular esta questão será um desafio, porque sem isso não há segurança jurídica nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.
O governo reconheceu que, aqui, o desafio se mostra maior do que em outros países, porque, além da legislação atrasada, “acumularam-se problemas imensos, que foram sendo encostado ao longo do tempo”. Para o ministro, a legislação brasileira é um cipoal de gambiarras, que não enfrenta as questões de fundo, e que inclusive não responde aos princípios estabelecidos pela própria Constituição Federal.
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém”
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada. A discussão foi sendo evitada. E a oportunidade é discutir tudo isso agora, legislando de uma forma mais permanente, integradora, cidadã e democrática”, disse Franklin Martins.
A pretensão do governo é fazer as mudanças no marco regulatório através de um processo público, aberto e transparente, para que a sociedade brasileira como um todo – e não apenas um grupo ou outro – decida seu caminho. Até o final da gestão Lula, um ante-projeto de lei, que vem sendo elaborado por um grupo de trabalho interministerial, será apresentado à equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, que então decidirá quando e como apresentá-lo ao Congresso Nacional. É neste debate público que o grupo de trabalho deve basear suas proposições.
Um dos maiores desafios nessa jornada, no entanto, parece ir além da própria convergência tecnológica e suas inúmeras inovações. Trata-se de, exatamente, criar as condições para que o debate público de fato aconteça, de forma plural e participativa. Foi este o desejo da I Conferência de Comunicação, que agora parece contar com a vontade política do governo Lula para ser colocado em marcha.
Fantasmas no sótão: “Essa agenda será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”
“O problema é grande. Os fantasmas passeiam por aí arrastando correntes, impedindo que a gente ouça o que tem que ouvir. Se formos capazes de nos livrar dos fantasmas e não os deixarmos controlar nossa discussão, avançaremos. Isso interessa à sociedade como um todo, não é uma discussão apenas econômica. A comunicação diz respeito à cidadania, à participação política e à produção cultural, e por isso a sociedade deve participar diretamente”, afirmou Franklin Martins. E deu o recado: “convido a todos então a deixar seus fantasmas no sótão, que é onde eles se sentem melhor. Vamos nos desarmar dos preconceitos. Essa agenda está na mesa e será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”.
Dentre os fantasmas que precisam ser deixados no porão está a tese – tão difundida pelos grandes meios de comunicação – de que regulação é sinônimo de censura à imprensa. Na abertura do seminário internacional, foi necessário afirmar mais uma vez, para quem já deveria estar convencido disso, que o Brasil goza de absoluta liberdade de imprensa.
“Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor. Vocês verão relatos neste evento de diversas democracias, e verão que em todas elas há regulação, o que não significa nada que haja censura”, repetiu.
Sem explicitar, o governo Lula acabou admitindo que deixou a desejar no campo das comunicações. E para os participantes da sociedade civil que vieram a Brasília conhecer as experiências de outros países, talvez esta tenha sido a mensagem mais alentadora: esta área deve ser tratada com prioridade no governo Dilma.
“Estou convencido de que a área de comunicação terá, no próximo governo, o mesmo tratamento que teve a energia no governo Lula. Algo estratégico para o crescimento. Ou se produz um novo marco regulatório ou vamos perder o bonde. Em 2008, a radiodifusão faturou R$ 11,5 bilhões; e as empresas de telecomunicações, R$ 130 bilhões. Em 2009, os números foram R$ 13 bilhões e R$ 180 bilhões respectivamente. É evidente que, se não houver regulação, a radiodifusão será atropelada por uma jamanta. E se não houver o debate, quem vai regular é o mercado. E quando o mercado regula, quem ganha é o mais forte”, avisou Franklin.
“É necessário regular, criar políticas públicas e gerar um ambiente para que a sociedade se sinta não só usuária dos serviços de comunicação, mas cidadã. Se formos capazes de entender isso, teremos mais vozes falando, mais opiniões se expressando no debate público. É “mais” e não “menos” o que está em jogo neste processo”, concluiu.
Mais interesse público: “Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido”
Também em sintonia com o que apontou a I Confecom e com a linha política manifestada pela Secretaria de Comunicação, uma das primeiras participações internacionais no seminário expôs objetivamente os pontos nevrálgicos da legislação brasileira que precisam avançar para que o setor, de fato, permita a expressão dessa multiplicidade de vozes. O canadense Toby Mendel, diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, a liberdade de expressão e o direito de participação, apresentou o resultado de um estudo encomendado pela Unesco sobre o marco regulatório em 10 grandes democracias, incluindo o Brasil. E, a partir de padrões internacionais, fez recomendações para o processo que se inicia em território nacional.
Uma delas é a de ampliar a transparência e garantir o interesse público nos processos de renovação das concessões de rádio e TV. “Em muitos países, este momento é uma oportunidade para avaliar mudanças que precisam ser feitas pelo concessionário, para apontar eventuais regras que não tenham sido respeitadas. No Brasil, esta avaliação não acontece”, disse Toby Mendel.
A prática reforça outros problemas da legislação não enfrentados pelo Estado brasileiro: a regulação da propriedade privada dos meios – com medidas como a proibição da propriedade cruzada – e a garantia da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão vai além do direito do emissor dizer o que pensa. É também o direito do receptor, do telespectador, do leitor, receber uma variedade de informações e de pontos de vista. Se a propriedade dos meios não é regulada, isso pode até ser ok do ponto de vista do emissor, mas o direito do receptor de receber idéias plurais começa a ser reduzido. Ou seja, o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir”, afirmou o consultor da Unesco.
Na mesma linha, Mendel apontou a importância de regras para a difusão de conteúdo na radiodifusão, como a proteção de crianças, o combate a discursos que violem os direitos humanos e a promoção do jornalismo imparcial. É preciso ainda regulamentar o artigo da Constituição que garante percentuais para a difusão de conteúdos regionais e independentes nas emissoras de rádio e TV e garantir o direito de resposta.
“Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido. Também é preciso haver um sistema que receba queixas neste sentido, um órgão regulador independente que pode aplicar sanções diante do descumprimento dessas regras”, explicou Mendel, que defendeu ainda a importância do fortalecimento do sistema público de comunicação e da comunicação comunitária brasileira.
A lista é grande, e foi sendo recheada com outras sugestões vindas dos representantes dos demais países presentes ao seminário – o que apenas reforça e confirma o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente se quiser mesmo mexer neste vespeiro.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
COPA/2014 E OLIMPÍADAS/2016: "ESTADO DE EXCEÇÃO" À VISTA
![]() |
Raquel Rolnik, relatora especial da ONU desde 2008: "O governo formaliza o 'regime legal especial', de acordo com as exigências da FIFA" |
Pode-se dizer que a abertura desta matéria foi uma espécie de consenso a que chegaram os participantes do seminário Impactos Urbanos e Violações de Direitos Humanos em Megaeventos Esportivos, realizado na segunda e terça-feira, dias 8 e 9, em São Paulo, e organizado pela Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP (Universidade de São Paulo) e o Núcleo de Direito à Cidade do Departamento Jurídico XI de Agosto (do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP).
![]() |
Stavros Stavridis, Tatiane Passarini (tradutora), Alan Mabin, Raquel Rolnik e Guilherme Marques (Soninho) |
![]() |
Ativistas sociais, a maioria ligada a movimentos por moradia popular, no auditório da Faculdade de Direito da USP |
A chacina do Complexo do Alemão serviu de aviso
Guilherme Marques, conhecido como Soninho, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR, da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ), fez uma comparação para reforçar a ideia da situação excepcional instalada nas cidades, no seu caso no Rio, onde aconteceu o Pan-Americano: sabemos que uma embaixada de qualquer país é considerada como um território daquele país, então no caso das áreas relacionadas com o evento, elas passam a ser, da mesma forma, "território" da FIFA ou do COI. É o que vai ocorrer nas cidades brasileiras que hospedarão a Copa de 2014 e no Rio em 2016 com os Jogos Olímpicos (alarmado, ele lembrou que o Rio receberá ainda os Jogos Mundiais Militares, em 2011, Copa das Confederações, 2013, e Copa América, em 2015). No embalo de tantos eventos, os empresários do ramo hoteleiro conseguiram isenção fiscal até 2020, ressaltou Soninho. Contou um fato exemplar: poucos dias do início do Pan, em junho/2007, a polícia matou em torno de duas dezenas de pessoas (segundo ele, até hoje há controvérsias sobre o número exato) no Complexo do Alemão, o que serviu de alerta para as comunidades mais pobres de como eram as normas durante os jogos.
O legado deixado pelo Pan, conforme avaliação do pesquisador do IPPUR, foram as dívidas e as armas e equipamentos comprados para as forças policiais. Benefícios em setores como moradia, transporte, saúde e eduação, não houve - garantiu -, acrescentando que até representantes dos governos federal, estadual e municipal já reconheceram isso. Fez a ressalva: "Legado positivo, se existiu, foi o incremento das lutas urbanas, a experiência de resistência das comunidades populares, a articulação das redes de resistência".
O que há é "a ditadura direta do capital nacional e internacional"
Ainda sobre a supremacia das "leis" da FIFA e do COI, o professor Carlos Vainer, da UFRJ, fez uma palestra, de caráter mais teórico, recheada de ironias e bom-humor, destacando a suspensão das leis para que os negócios prosperem. Falou da "cidade de exceção", do predomínio da "flexibilidade", das "normas especiais para os acordos com as conveniências do momento", "não há partidos, não há democracia representativa burguesa, não há parlamento", o que há são as PPPs (Parcerias Público Privado), o que há é "a ditadura direta do capital nacional e internacional". Para concluir que "quanto à luta democrática, parece que estamos apenas começando". Antes da conclusão, mencionou, sempre irônico, a "grande obra" do ex-prefeito do Rio, César Maia, autor do Plano Diretor da cidade, dando luz verde para os grandes negócios.
![]() |
Inalva Brito (da Vila Autódromo-Rio), Carlos Vainer, Raquel, Rodrigo Faria (mestrando da FAU), Priscila Neri (tradutora) e professor John Horne (da Universidade de Lancashire, Inglaterra) |
![]() |
Benedito Barbosa (Dito) prevê o aumento das remoções de moradias nas comunidades pobres de São Paulo |
Dito, representando São Paulo, participou de uma plenária, durante a tarde da segunda-feira, com militantes e dirigentes de movimentos sociais de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre e Rio de Janeiro, cidades que sediarão a Copa de 2014 (não estiveram presentes representantes de Recife e Salvador). Trocaram experiências, discutiram propostas e todos ressaltaram o empenho na resistência diante das ameaças contra as comunidades pobres, embora ficasse claro que em algumas das cidades a articulação está apenas começando. Realçaram a importância de apoio jurídico, do Ministério Público e das Defensorias Públicas, o que, em alguns casos, já vem funcionando.
Como dizer ao povo que os megaeventos esportivos pioram sua vida?
Na verdade, foi uma maratona de palestras e discurssões na segunda-feira, das 10 horas da manhã até as 10 da noite, no Auditório Pinheiro Neto da Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco, centro da capital paulista). Houve mais duas plenárias, uma pela manhã e outra à noite. Umas 100 pessoas estavam presentes. No segundo dia, terça, dia 9, houve reunião pela manhã para que os militantes "amarrassem" mais os encaminhamentos das propostas. A palavra de ordem é tentar resistir, mesmo porque não há outra saída: segundo ficou claro nos debates, as cidades são pensadas e planejadas para os negócios e a exclusão dos pobres faz parte dos negócios, a maioria deles feitos com financiamento público, através, por exemplo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - muitos lembraram este agravante. Os megaeventos esportivos são apenas uma espécie de pretexto, um momento especial, quando tal orientação é incrementada. Como ocorre também, por exemplo, nas calamidades provocadas por enchentes, quando o poder público aponta rapidamente as "áreas de risco" e toca a remover famílias pobres.
Um difícil problema foi discutido por muitos dos participantes e pareceu angustiar parte deles. A Copa e os Jogos Olímpicos são ruins ou bons, são eventos positivos ou negativos? O professor Stavros Stavridis, da Universidade Nacional de Atenas, que falou da experiência da Olimpíada na Grécia, não tem dúvidas: são ruins, "não melhoram em nada a vida do povo, ao contrário, pioram", principalmente, claro, no ítem moradia. Aí é que está o dilema: mesmo reconhecendo melhorias pontuais, como pode acontecer com os transportes públicos, para os ativistas e estudiosos que participaram do encontro, os grandes eventos do esporte terminam prejudicando os mais pobres. Mas como dizer isso para a maioria, incluindo os pobres? Afinal, os governos, os empresários, os meios de comunicação, a nação inteira (ou quase toda) estão a aplaudir tais eventos e seus atletas, todos (ou quase todos) estufando o peito de entusiasmo e patriotismo: "Pra frente, Brasil, salve a Seleção!" Então, que fazer? Os defensores da moradia popular buscam a resposta.
sábado, 6 de novembro de 2010
AMÉRICA LATINA: A MÍDIA É A PAUTA DA VEZ
Por Marcelo Salles, 27.10.2010 (Reproduzido do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz)
Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.
Em 2007, o Brasil cria a Empresa Brasileira de Comunicação, que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente para incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.
No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.
A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.
Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro, o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.
Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.
A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.
Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.
Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.
O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.
Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.
(*) Artigo publicado originalmente no blog Escrevinhador.
Reproduzo alguns dos comentários feitos no Fazendo Media:
Comentário de Sturt
Em 27/10/2010 às 8:53
Sobre a mídia, acho que o governo Lula tinha como fazer mais pela democratização da mídia. Mas não pode ser partindo do governo, tem que partir da sociedade e dos movimentos sociais, de uma forma mais direta. Pq se não, já viu, os vilões viram mocinhos…
Outro ponto importante durante esse período foi a confecon, que vc não citou…
Por outro lado, a continuação da proibição das rádios comunitárias e Hélio Costa no ministério foram atrasos…
Comentário de Jadson Oliveira
Em 27/10/2010 às 11:24
Marcelo, muito oportuno seu artigo, vou reproduzi-lo no meu blog.
Reforço comentário acima sobre a falta de menção à Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) e também sobre a perseguição às rádios comunitárias no governo Lula.
Creio que Lula, no que pese os pontos positivos de seu governo, optou pela desmobilização popular. Então, ficou refém da velha média, da qual apanha o tempo todo e com a qual concilia. Só nas eleições, quando a campanha suja exagera, ele esboça alguma reação mais forte.
A perseguição às rádios comunitárias é um extremado desserviço ao povo. Já publiquei matéria no meu blog falando do apoio que o governo de Chávez dá aos meios de comunicação comunitários. Aliás, não esqueçamos que tais meios foram fundamentais para mobilizar os venezuelanos no contra-golpe de abril/2002.
Outro detalhe: como vc dá a entender, democratização dos meios de comunicação deveria ser pauta de reivindicação de todos os movimentos sociais e partidos políticos afinados com a esquerda.
Comentário de celso
Em 28/10/2010 às 0:44
Enfrentar as oligarquias no campo da comunicação será "A MÃE DE TODAS AS BATALHAS” no Governo Dilma, como disse uma vez o Rodrigo Vianna.
Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.
Em 2007, o Brasil cria a Empresa Brasileira de Comunicação, que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente para incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.
No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.
A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.
Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro, o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.
Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.
A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.
Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.
Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.
O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.
Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.
(*) Artigo publicado originalmente no blog Escrevinhador.
Reproduzo alguns dos comentários feitos no Fazendo Media:
Comentário de Sturt
Em 27/10/2010 às 8:53
Sobre a mídia, acho que o governo Lula tinha como fazer mais pela democratização da mídia. Mas não pode ser partindo do governo, tem que partir da sociedade e dos movimentos sociais, de uma forma mais direta. Pq se não, já viu, os vilões viram mocinhos…
Outro ponto importante durante esse período foi a confecon, que vc não citou…
Por outro lado, a continuação da proibição das rádios comunitárias e Hélio Costa no ministério foram atrasos…
Comentário de Jadson Oliveira
Em 27/10/2010 às 11:24
Marcelo, muito oportuno seu artigo, vou reproduzi-lo no meu blog.
Reforço comentário acima sobre a falta de menção à Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) e também sobre a perseguição às rádios comunitárias no governo Lula.
Creio que Lula, no que pese os pontos positivos de seu governo, optou pela desmobilização popular. Então, ficou refém da velha média, da qual apanha o tempo todo e com a qual concilia. Só nas eleições, quando a campanha suja exagera, ele esboça alguma reação mais forte.
A perseguição às rádios comunitárias é um extremado desserviço ao povo. Já publiquei matéria no meu blog falando do apoio que o governo de Chávez dá aos meios de comunicação comunitários. Aliás, não esqueçamos que tais meios foram fundamentais para mobilizar os venezuelanos no contra-golpe de abril/2002.
Outro detalhe: como vc dá a entender, democratização dos meios de comunicação deveria ser pauta de reivindicação de todos os movimentos sociais e partidos políticos afinados com a esquerda.
Comentário de celso
Em 28/10/2010 às 0:44
Enfrentar as oligarquias no campo da comunicação será "A MÃE DE TODAS AS BATALHAS” no Governo Dilma, como disse uma vez o Rodrigo Vianna.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
O ESTRANHO MUNDO DOS MORADORES DE RUA
![]() |
Debaixo do Viaduto do Glicério, eles fazem "festa" para as fotos, um exibe o pedaço de pão como se fosse um troféu |
![]() |
No batente/porta da agência da Caixa Econômica/Liberdade |
Lana e Cesar posaram para uma foto como a festejar mais uma jornada cumprida. Todo domingo à noite, a partir das 7 horas, os dois têm uma missão: saem por ruas, geralmente do Centro Velho de São Paulo, puxando carrinhos carregados de pães, sanduíches, frutas e sucos e vão distribuindo pelas calçadas e pelos socavões escuros da grande cidade, onde transita e/ou se abriga uma gente um tanto diferente, pelo menos para olhos habituados a ver outras paragens, mais turísticas, vamos dizer assim. Fazem isso há um ano e meio. Os alimentos são doações que conseguem de pequenos comerciantes de bom coração, às vezes eles próprios compram algum ingrediente, a manteiga ou o açúcar, por exemplo.
Um mundo, de fato, clandestino, feio, obscuro
Desta vez, eles estavam sem carro e decidiram por um itinerário nas proximidades de Aclimação, onde residem. Desceram a Rua Bueno de Andrade e concentraram a distribuição dos pães e suco embaixo do Viaduto do Glicério, área onde “se esconde” muita gente, muito mais gente do que os passantes distraídos possam imaginar. Gente que está sempre por ali, que faz ponto por ali, que trabalha, geralmente coletando coisas pelas ruas, latinhas, papelão, metais, objetos que vão pra o lixo, saem do lixo e viram de novo mercadoria, de valor, às vezes até valor “agregado”, para usar o jargão do economês. Um mundo, de fato, clandestino, feio, obscuro, para nós, “bem nascidos” e/ou “bem sucedidos” nesta nossa emergente potência capitalista.
Um que diz viver da coleta e reciclagem de tais objetos conta uma incrível história: ele e mais quatro companheiros juntam peças de roupa e calçados e, de quando em quando, despacham, pelo Correio, para pessoas necessitadas do Norte e Nordeste. Diz que é paulista, é um trabalho voluntário, não ganham nada com isso. Mas vocês fazem parte de alguma entidade? Fazemos sim, o nome é Amigos e Amigas. E quem paga a despesa do Correio? Nós mesmos pagamos. Mas vocês despacham pra quem? Pras prefeituras. Prefeituras das cidades nordestinas? Sim, do Norte e Nordeste, repete.
![]() |
Cesar dá o suco, enquanto Lana é encarregada de dar o pão |
No lugar do suco de maracujá, por que não uma pinga?
Faltaram as fotos para ilustrar a “riqueza” do ambiente, Lana e Cesar avisaram não ser conveniente fotografar ali. Muitos estavam deitados, embaixo de cobertores e mantas, não era uma noite muita fria, mas sempre há uma pequena fogueira por ali, para esquentar, para alumiar. Uns se levantam para tomar seu lanche, outros se erguem e comem sentados na cama (não sei se escrevo “cama” com ou sem aspas). Um senhor idoso recusa o suco, pede uma pinga, “ah, pinga não temos, só suco”. Um outro pede ajuda a Lana para voltar pra casa, conta que é militar reformado, sua família o jogou na rua, tomou conta de sua pensão e ele vive agora abandonado.
![]() |
Os cachorros fazem a vigilância |
Em seguida tomamos o rumo do bairro da Liberdade, pelas ruas Conselheiro Furtado e da Glória. Depois retornamos ao nosso mundo “normal”. Lana e Cesar voltarão lá outros domingos. Quanto a mim, deixei só num canto da lembrança (e agora na blogosfera) o estranho mundo dos moradores de rua.
ENFRENTANDO OS PROBLEMAS SOCIAIS
![]() |
Lana e Cesar posam para foto depois de cumprida mais uma missão dos domingos à noite |
terça-feira, 2 de novembro de 2010
"TODOS OS QUADROS DE INTELIGÊNCIA TRABALHAVAM PARA A CIA"
Por Blanche Petrich, do jornal La Jornada (México)
O presidente Rafael Correa (foto) chega com um pouco de atraso a seu escritório no Palácio de Carondelet, onde havia marcado com o La Jornada, porque tinha ido visitar, no hospital infantil, um menino de 11 anos que, no dia 30 de setembro, entre o caos e a violência desatada, recebeu um disparo de bala expansiva na perna. O menino sofreu duas paradas cardíacas, mas, finalmente, quase um mês depois dos acontecimentos, se restabelece satisfatoriamente.
Durante a entrevista, Correa se expressa, algumas vezes, com uma franqueza pouco comum em chefes de Estado: “estamos cegos, zerados, em matéria de inteligência para a segurança interna”. Mostra-se indignado com os setores que participaram na conspiração, incluídas as organizações indígenas que, diz ele, agora fazem política em aliança com a oposição de direita. E cauteloso antes de avalizar a lealdade das Forças Armadas a seu governo: “se portaram profissionalmente. Não todos, mas em geral. Lá também há infiltração”. Leia, a seguir, a entrevista:
Depois do golpe contra Manuel Zelaya, em Honduras, o senhor declarou: “eu sou o próximo”. Quais sinais o senhor via na ocasião?
Rafael Correa – Desde o primeiro dia de meu governo, vivemos uma conspiração permanente, como todos os governos da mudança na América Latina. Que casualidade que fomos nós – Venezuela, em 2002; Bolívia, em 2008; Honduras, em 2009: e Equador, em 2010 – que sofremos tentativas de golpe. A possibilidade de que isso seja casualidade é nula. Por que? Porque estamos mudando as coisas.
Surpreende a forma com que o senhor reconhece que as estruturas de inteligência foram penetradas pela CIA.
É que isso é verdade. Quando cheguei ao governo, sinceramente, por minha origem acadêmica, esse tema não era sequer prioridade. Foi meu grande erro. O que me devolveu à realidade? O dia 1° de março de 2008, quando tivemos evidências de que as instâncias de segurança do Estado equatoriano tomaram conhecimento, com antecipação, do ataque colombiano a Angostura e não nos informaram. Avisaram a Embaixada dos Estados Unidos. Então, nos demos conta de que essas unidades recebiam recursos dos EUA. Formou-se uma comissão, que passou a investigar, e, entre suas recomendações, está o desmantelamento dessas instâncias. Temos evidências de que seu chefe, o coronel Mario Pazmiño, era funcionário da CIA. Quando o despedi e decidimos que nós que iríamos nomear a diretoria da unidade, a Embaixada dos EUA decidiu levar embora os equipamentos que havia doado. Mas os diretores não lhes deram apenas os equipamentos, suas caminhonetes, seus computadores, mas, também, a informação dos computadores! Veja que servilismo dessa gente.
Qual o tamanho do estrago que foi feito na segurança interna?
Ficamos zerados. Todos os quadros de inteligência trabalhavam para a CIA. Tivemos que buscar quadros alternativos, algo que não se forma da noite para o dia. Em 2009, conseguimos aprovar a lei do sistema nacional de inteligência.
Essa debilidade foi o que se manifestou no dia 30 de setembro?
Claro. Houve traição de certos setores de inteligência da polícia.
E das Forças Armadas?
Também. O Partido Sociedad Patriótica esteve envolvido. Sua origem é militar. Há núcleos duros que, segundo consta no informe da Comissão da Verdade, atentaram contra os direitos humanos e se sentem identificados com esses partidos.
Você confia na lealdade das Forças Armadas?
Bem, eles se portaram profissionalmente. Não todos. Em geral, eles têm uma gratidão por este governo, já que duplicamos seus salários, os equipamos. Quando chegamos, os encontramos em um estado de impotência. Apenas 7 mil policiais, de 42 mil, tinham armas. Os dotamos de patrulhas, munições, equipamentos de telecomunicações. O mesmo aconteceu na Força Aérea. No princípio, não tínhamos praticamente nada, nem helicópteros. Agora, já temos 14 Super Tucanos. Mas há grupos duros, com vinculação política, que não se interessam nem pela Força Aérea nem pela democracia, e sim por manter seus privilégios e condutas repressivas.
Quais os mecanismos que a cidadania possui para se defender de conspirações desse tipo?
Nisso, Hugo Chávez e Evo Morales levam vantagem sobre nós. Chávez tem uma formação militar, conhece disso e transformou o imenso capital político que tem em estruturas organizadas. Evo vem dos movimentos sociais, de uma longa luta, e tem o apoio de todas essas bases. No Equador, o projeto da Alianza País [partido governista] é uma reação da cidadania diante de tanto desastre e saques. E, sinceramente, não sou especialista em questões militares ou policiais. O desafio da Revolução Cidadã é transformar o apoio popular que temos em estruturas mobilizadas como a melhor maneira de dissuadir essas tentativas.
O senhor vem da academia, mas da mão de um movimento popular. O Equador, nos anos 1990, foi pioneiro na participação do movimento indígena. Essa já não é a base de seu governo?
Temos o apoio de muitos movimentos sociais, mas, cuidado: tem-se usado muito o nome de movimento social. Agora, qualquer coisa é movimento social, quando muitos de seus dirigentes são, na verdade, políticos fracassados que perderam as eleições e fazem política a partir de suas estruturas, para impor sua agenda. Há um movimento social e indígena que está com o status quo, com a direita. Deve-se separar o joio do trigo. A senhora tem razão quando diz que o despertar do movimento indígena do Equador nos anos 1990 foi o movimento social mais importante da América Latina. E nós estamos com eles. Mas essa pureza inicial tem sido muito distorcida. Esse movimento fez um partido político, o Pachakutik. Sua diretoria está tomada por certos líderes que votam com a direita, e no dia 30 de setembro pediam a renúncia do presidente. É uma pena enorme. A Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) e o Pachakutik perderam totalmente o norte.
O primeiro pronunciamento do Conaie foi de rechaço ao golpe.
Depois se retrataram. Os assembleístas do Pachakutik estiveram e estão com os golpistas. Há alguns dias, Lourdes Tibán [uma das assembleístas do movimento] usou expressões muito grosseiras. Disse que se o presidente tivesse morrido, não seria por ser corajoso, e sim por ser imbecil. Seu irmão, por acaso, é policial, e está preso.
O senhor descarta um reencontro com esses setores?
Não. Estou aberto a isso. Mas, atenção: movimento indígena como processo histórico de emancipação, nisso estamos totalmente de acordo. Nosso governo é dos indígenas. Nas eleições passadas, nossa maior votação foi na província de Embaburo, que tem a maior população indígena do país. Com os dirigentes da Conaie, com sua miopia, com as barbaridades que disseram – me chamaram de genocida, xenófobo, etnocida –, com eles, vai ser muito difícil.
O senhor fala da penetração da CIA, mas não do governo estadunidense. Qual foi seu papel nesse episódio?
Como governo, eu acredito que os EUA, dessa vez, não intervieram. Não excluímos a participação de certos setores que atuam, inclusive, contra o presidente Barack Obama. Não tenho nenhuma prova, mas não excluo a possibilidade de que tenham intervindo de algum modo. Quem eu excluo, pela confiança que tenho neles, é Hillary Clinton e o presidente Obama.
Então sua relação com Obama é de confiança?
Ele me ligou duas vezes depois do dia 30 de setembro. Muito cortês, preocupado pelo que se dizia em certas publicações. Assegurou-me que não teve nada a ver. Respondi-lhe que ele não tinha que me dar explicações. É uma boa pessoa, mas não conseguiu mudar a inércia de grande parte do aparato político dos EUA.
A versão de que no dia 30 de setembro não houve uma tentativa de golpe encontrou muito eco. O que se pretende com a negação das evidências?
A ignorância da direita e de certos meios de comunicação é tal que nem sequer conhecem que uma das categorias básicas de sociologia política latino-americano diz que qualquer levante de força pública já é considerado um golpe de Estado. O que houve foi uma agenda política posta em marcha desde o momento em que eu cheguei ao Regimento Quito e cercaram a caravana presidencial. Lá estava o lugar-tenente do coronel Lucio Gutiérrez [ex-presidente golpista e derrocado ao mesmo tempo, fundador do partido opositor Sociedad Patriótica], Fidel Araujo, com colete à prova de balas, dirigindo a operação [Araujo foi detido sem direito a fiança no dia 5 de outubro]. Em suas declarações, ele disse que estava lá porque havia ido visitar sua mamãezinha, que estava perto.
Por que essa estratégia?
Porque tentam nos desacreditar. Negam a tentativa de assassinato, que estive sequestrado. Aí estão as provas, os mortos, os registros das telecomunicações das rádio-patrulhas com a ordem “matem o Correa”. Em um protesto policial por melhorias salariais, você tenta tomar as antenas de televisão, a televisão oficial, você fecha o aeroporto? Acho que, com essas mentiras, estão caindo no ridículo. Enfim.
Esses dias, a propósito do plano B, o do magnicídio, há quem tenha lembrado o livro La hoguera bárbara, sobre o brutal assassinato, há um século, de Eloy Alfaro.
Não vou me comparar a Eloy Alfaro, o único que fez uma verdadeira revolução neste país e que, para nós, é uma inspiração. Mas isso que aconteceu no dia 30 de setembro teve, sim, muito de bárbaro. Vim de uma visita a um menino que, a três quarteirões daqui, foi ferido nesse dia. Esses desalmados deram 17 tiros numa ambulância, feriram o motorista e o assistente, e, nisso, uma bala atravessou a perna do menor.
O que passou pela sua cabeça? Achou realmente que poderia morrer?
Sim, claro. Não em um, mas em vários momentos. Agora, sei que, quando me levavam ao hospital, entre os gases e os sublevados que me batiam, o diretor do Hospital da Polícia [César Carrión] mandou pôr cadeados para que não pudéssemos entrar. Minha equipe de segurança teve que rastrear a área, foi por outro lado, tirou os cadeados e abriram as portas. Depois, o diretor declarou à CNN que eu não estive sequestrado, mas que havia sido perfeitamente atendido. A verdade é que quando nos levaram para a sala de emergência, não nos deixaram sair. Tivemos que nos refugiar no terceiro andar, com a pouca segurança que havia naquele momento, e fechar a porta. Quiseram-na derrubar. Estivemos o tempo todo encurralados, até que chegou uma unidade de elite para nos dar resguardo. Houve três ou quatro momentos em que senti a morte muito próxima. Um deles foi quando esses selvagens batiam na porta do terceiro andar, para nos buscar. Não vinham dar um oi, não é? E, depois… [Correa se detém por alguns segundos, dá um grande suspiro. É notório que está revivendo momentos de grande intensidade. Repõe-se instantaneamente e continua] Depois veio meu segurança e diz que havia interceptado comunicações com a ordem de me matar, que já estavam vindo, que franco-atiradores estavam subindo. Ouvia-se o tiroteio. A única coisa que fiz foi rezar um pai-nosso e deitar no chão do cômodo onde estava. Outro momento foi durante o resgate. Balas por todos os lados. Chegaram a resgatar-me em uma cadeira de rodas… tenho 25 pontos no joelho da última operação. Não se podia sair pela porta principal. Tiveram que me esconder por uns dez minutos em um quartinho de limpeza, escuro. Deram a ordem de sair por trás, e lá também atiraram em nós. Sentíamos a morte muito próxima, mas houve muita serenidade.
Desculpe a pergunta, mas, o que sentiu?
Mais que medo, uma indignação enorme com a traição. E tristeza. Se eu morresse, deixaria este processo na metade, deixaria minha família, meus filhos. Houve cinco mortes e dezenas de feridos do meu lado. É um verdadeiro milagre que eu esteja vivo, porque… como atiraram em nós!
Politicamente, como o senhor se sente agora? Quais são as perspectivas de seu projeto?
Dizem que no dia 30 de setembro houve uma vitória, porque aumentou nosso índice de popularidade. Mas eu me sinto um perdedor. Renunciaria a esses pontos de popularidade se pudesse fazer voltar à vida esses jovens que morreram nesse dia infeliz. Um dos homens de minha escolta está em um hospital nos EUA. Deus queira que não fique paraplégico. Todos perdemos.
É hora de mudar, de frear a revolução, ou, pelo contrário, de radicalizar algumas medidas?
Claro que radicalizar. Mudar o quê, por que, se temos mais apoio do que nunca? Não podemos claudicar diante de balas assassinas. Seria trair os que morreram nesse dia, essa cidadania heroica que saiu desarmada a defender a democracia. Reconciliar com criminosos é impossível, isso seria permitir a impunidade. Vamos continuar. Mais ainda: radicalizaremos a revolução.
(Reproduzida, incluindo a foto, de acordo com a postagem de 28/10/10 do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, que informa que a entrevista foi republicada pelo jornal Brasil de Fato e a tradução é de Igor Ojeda).
O presidente Rafael Correa (foto) chega com um pouco de atraso a seu escritório no Palácio de Carondelet, onde havia marcado com o La Jornada, porque tinha ido visitar, no hospital infantil, um menino de 11 anos que, no dia 30 de setembro, entre o caos e a violência desatada, recebeu um disparo de bala expansiva na perna. O menino sofreu duas paradas cardíacas, mas, finalmente, quase um mês depois dos acontecimentos, se restabelece satisfatoriamente.
Durante a entrevista, Correa se expressa, algumas vezes, com uma franqueza pouco comum em chefes de Estado: “estamos cegos, zerados, em matéria de inteligência para a segurança interna”. Mostra-se indignado com os setores que participaram na conspiração, incluídas as organizações indígenas que, diz ele, agora fazem política em aliança com a oposição de direita. E cauteloso antes de avalizar a lealdade das Forças Armadas a seu governo: “se portaram profissionalmente. Não todos, mas em geral. Lá também há infiltração”. Leia, a seguir, a entrevista:
Depois do golpe contra Manuel Zelaya, em Honduras, o senhor declarou: “eu sou o próximo”. Quais sinais o senhor via na ocasião?
Rafael Correa – Desde o primeiro dia de meu governo, vivemos uma conspiração permanente, como todos os governos da mudança na América Latina. Que casualidade que fomos nós – Venezuela, em 2002; Bolívia, em 2008; Honduras, em 2009: e Equador, em 2010 – que sofremos tentativas de golpe. A possibilidade de que isso seja casualidade é nula. Por que? Porque estamos mudando as coisas.
Surpreende a forma com que o senhor reconhece que as estruturas de inteligência foram penetradas pela CIA.
É que isso é verdade. Quando cheguei ao governo, sinceramente, por minha origem acadêmica, esse tema não era sequer prioridade. Foi meu grande erro. O que me devolveu à realidade? O dia 1° de março de 2008, quando tivemos evidências de que as instâncias de segurança do Estado equatoriano tomaram conhecimento, com antecipação, do ataque colombiano a Angostura e não nos informaram. Avisaram a Embaixada dos Estados Unidos. Então, nos demos conta de que essas unidades recebiam recursos dos EUA. Formou-se uma comissão, que passou a investigar, e, entre suas recomendações, está o desmantelamento dessas instâncias. Temos evidências de que seu chefe, o coronel Mario Pazmiño, era funcionário da CIA. Quando o despedi e decidimos que nós que iríamos nomear a diretoria da unidade, a Embaixada dos EUA decidiu levar embora os equipamentos que havia doado. Mas os diretores não lhes deram apenas os equipamentos, suas caminhonetes, seus computadores, mas, também, a informação dos computadores! Veja que servilismo dessa gente.
Qual o tamanho do estrago que foi feito na segurança interna?
Ficamos zerados. Todos os quadros de inteligência trabalhavam para a CIA. Tivemos que buscar quadros alternativos, algo que não se forma da noite para o dia. Em 2009, conseguimos aprovar a lei do sistema nacional de inteligência.
Essa debilidade foi o que se manifestou no dia 30 de setembro?
Claro. Houve traição de certos setores de inteligência da polícia.
E das Forças Armadas?
Também. O Partido Sociedad Patriótica esteve envolvido. Sua origem é militar. Há núcleos duros que, segundo consta no informe da Comissão da Verdade, atentaram contra os direitos humanos e se sentem identificados com esses partidos.
Você confia na lealdade das Forças Armadas?
Bem, eles se portaram profissionalmente. Não todos. Em geral, eles têm uma gratidão por este governo, já que duplicamos seus salários, os equipamos. Quando chegamos, os encontramos em um estado de impotência. Apenas 7 mil policiais, de 42 mil, tinham armas. Os dotamos de patrulhas, munições, equipamentos de telecomunicações. O mesmo aconteceu na Força Aérea. No princípio, não tínhamos praticamente nada, nem helicópteros. Agora, já temos 14 Super Tucanos. Mas há grupos duros, com vinculação política, que não se interessam nem pela Força Aérea nem pela democracia, e sim por manter seus privilégios e condutas repressivas.
Quais os mecanismos que a cidadania possui para se defender de conspirações desse tipo?
Nisso, Hugo Chávez e Evo Morales levam vantagem sobre nós. Chávez tem uma formação militar, conhece disso e transformou o imenso capital político que tem em estruturas organizadas. Evo vem dos movimentos sociais, de uma longa luta, e tem o apoio de todas essas bases. No Equador, o projeto da Alianza País [partido governista] é uma reação da cidadania diante de tanto desastre e saques. E, sinceramente, não sou especialista em questões militares ou policiais. O desafio da Revolução Cidadã é transformar o apoio popular que temos em estruturas mobilizadas como a melhor maneira de dissuadir essas tentativas.
O senhor vem da academia, mas da mão de um movimento popular. O Equador, nos anos 1990, foi pioneiro na participação do movimento indígena. Essa já não é a base de seu governo?
Temos o apoio de muitos movimentos sociais, mas, cuidado: tem-se usado muito o nome de movimento social. Agora, qualquer coisa é movimento social, quando muitos de seus dirigentes são, na verdade, políticos fracassados que perderam as eleições e fazem política a partir de suas estruturas, para impor sua agenda. Há um movimento social e indígena que está com o status quo, com a direita. Deve-se separar o joio do trigo. A senhora tem razão quando diz que o despertar do movimento indígena do Equador nos anos 1990 foi o movimento social mais importante da América Latina. E nós estamos com eles. Mas essa pureza inicial tem sido muito distorcida. Esse movimento fez um partido político, o Pachakutik. Sua diretoria está tomada por certos líderes que votam com a direita, e no dia 30 de setembro pediam a renúncia do presidente. É uma pena enorme. A Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) e o Pachakutik perderam totalmente o norte.
O primeiro pronunciamento do Conaie foi de rechaço ao golpe.
Depois se retrataram. Os assembleístas do Pachakutik estiveram e estão com os golpistas. Há alguns dias, Lourdes Tibán [uma das assembleístas do movimento] usou expressões muito grosseiras. Disse que se o presidente tivesse morrido, não seria por ser corajoso, e sim por ser imbecil. Seu irmão, por acaso, é policial, e está preso.
O senhor descarta um reencontro com esses setores?
Não. Estou aberto a isso. Mas, atenção: movimento indígena como processo histórico de emancipação, nisso estamos totalmente de acordo. Nosso governo é dos indígenas. Nas eleições passadas, nossa maior votação foi na província de Embaburo, que tem a maior população indígena do país. Com os dirigentes da Conaie, com sua miopia, com as barbaridades que disseram – me chamaram de genocida, xenófobo, etnocida –, com eles, vai ser muito difícil.
O senhor fala da penetração da CIA, mas não do governo estadunidense. Qual foi seu papel nesse episódio?
Como governo, eu acredito que os EUA, dessa vez, não intervieram. Não excluímos a participação de certos setores que atuam, inclusive, contra o presidente Barack Obama. Não tenho nenhuma prova, mas não excluo a possibilidade de que tenham intervindo de algum modo. Quem eu excluo, pela confiança que tenho neles, é Hillary Clinton e o presidente Obama.
Então sua relação com Obama é de confiança?
Ele me ligou duas vezes depois do dia 30 de setembro. Muito cortês, preocupado pelo que se dizia em certas publicações. Assegurou-me que não teve nada a ver. Respondi-lhe que ele não tinha que me dar explicações. É uma boa pessoa, mas não conseguiu mudar a inércia de grande parte do aparato político dos EUA.
A versão de que no dia 30 de setembro não houve uma tentativa de golpe encontrou muito eco. O que se pretende com a negação das evidências?
A ignorância da direita e de certos meios de comunicação é tal que nem sequer conhecem que uma das categorias básicas de sociologia política latino-americano diz que qualquer levante de força pública já é considerado um golpe de Estado. O que houve foi uma agenda política posta em marcha desde o momento em que eu cheguei ao Regimento Quito e cercaram a caravana presidencial. Lá estava o lugar-tenente do coronel Lucio Gutiérrez [ex-presidente golpista e derrocado ao mesmo tempo, fundador do partido opositor Sociedad Patriótica], Fidel Araujo, com colete à prova de balas, dirigindo a operação [Araujo foi detido sem direito a fiança no dia 5 de outubro]. Em suas declarações, ele disse que estava lá porque havia ido visitar sua mamãezinha, que estava perto.
Por que essa estratégia?
Porque tentam nos desacreditar. Negam a tentativa de assassinato, que estive sequestrado. Aí estão as provas, os mortos, os registros das telecomunicações das rádio-patrulhas com a ordem “matem o Correa”. Em um protesto policial por melhorias salariais, você tenta tomar as antenas de televisão, a televisão oficial, você fecha o aeroporto? Acho que, com essas mentiras, estão caindo no ridículo. Enfim.
Esses dias, a propósito do plano B, o do magnicídio, há quem tenha lembrado o livro La hoguera bárbara, sobre o brutal assassinato, há um século, de Eloy Alfaro.
Não vou me comparar a Eloy Alfaro, o único que fez uma verdadeira revolução neste país e que, para nós, é uma inspiração. Mas isso que aconteceu no dia 30 de setembro teve, sim, muito de bárbaro. Vim de uma visita a um menino que, a três quarteirões daqui, foi ferido nesse dia. Esses desalmados deram 17 tiros numa ambulância, feriram o motorista e o assistente, e, nisso, uma bala atravessou a perna do menor.
O que passou pela sua cabeça? Achou realmente que poderia morrer?
Sim, claro. Não em um, mas em vários momentos. Agora, sei que, quando me levavam ao hospital, entre os gases e os sublevados que me batiam, o diretor do Hospital da Polícia [César Carrión] mandou pôr cadeados para que não pudéssemos entrar. Minha equipe de segurança teve que rastrear a área, foi por outro lado, tirou os cadeados e abriram as portas. Depois, o diretor declarou à CNN que eu não estive sequestrado, mas que havia sido perfeitamente atendido. A verdade é que quando nos levaram para a sala de emergência, não nos deixaram sair. Tivemos que nos refugiar no terceiro andar, com a pouca segurança que havia naquele momento, e fechar a porta. Quiseram-na derrubar. Estivemos o tempo todo encurralados, até que chegou uma unidade de elite para nos dar resguardo. Houve três ou quatro momentos em que senti a morte muito próxima. Um deles foi quando esses selvagens batiam na porta do terceiro andar, para nos buscar. Não vinham dar um oi, não é? E, depois… [Correa se detém por alguns segundos, dá um grande suspiro. É notório que está revivendo momentos de grande intensidade. Repõe-se instantaneamente e continua] Depois veio meu segurança e diz que havia interceptado comunicações com a ordem de me matar, que já estavam vindo, que franco-atiradores estavam subindo. Ouvia-se o tiroteio. A única coisa que fiz foi rezar um pai-nosso e deitar no chão do cômodo onde estava. Outro momento foi durante o resgate. Balas por todos os lados. Chegaram a resgatar-me em uma cadeira de rodas… tenho 25 pontos no joelho da última operação. Não se podia sair pela porta principal. Tiveram que me esconder por uns dez minutos em um quartinho de limpeza, escuro. Deram a ordem de sair por trás, e lá também atiraram em nós. Sentíamos a morte muito próxima, mas houve muita serenidade.
Desculpe a pergunta, mas, o que sentiu?
Mais que medo, uma indignação enorme com a traição. E tristeza. Se eu morresse, deixaria este processo na metade, deixaria minha família, meus filhos. Houve cinco mortes e dezenas de feridos do meu lado. É um verdadeiro milagre que eu esteja vivo, porque… como atiraram em nós!
Politicamente, como o senhor se sente agora? Quais são as perspectivas de seu projeto?
Dizem que no dia 30 de setembro houve uma vitória, porque aumentou nosso índice de popularidade. Mas eu me sinto um perdedor. Renunciaria a esses pontos de popularidade se pudesse fazer voltar à vida esses jovens que morreram nesse dia infeliz. Um dos homens de minha escolta está em um hospital nos EUA. Deus queira que não fique paraplégico. Todos perdemos.
É hora de mudar, de frear a revolução, ou, pelo contrário, de radicalizar algumas medidas?
Claro que radicalizar. Mudar o quê, por que, se temos mais apoio do que nunca? Não podemos claudicar diante de balas assassinas. Seria trair os que morreram nesse dia, essa cidadania heroica que saiu desarmada a defender a democracia. Reconciliar com criminosos é impossível, isso seria permitir a impunidade. Vamos continuar. Mais ainda: radicalizaremos a revolução.
(Reproduzida, incluindo a foto, de acordo com a postagem de 28/10/10 do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, que informa que a entrevista foi republicada pelo jornal Brasil de Fato e a tradução é de Igor Ojeda).
Assinar:
Postagens (Atom)