AMÉRICA LATINA: A MÍDIA É A PAUTA DA VEZ

Por Marcelo Salles, 27.10.2010 (Reproduzido do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz)

Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.

Em 2007, o Brasil cria a Empresa Brasileira de Comunicação, que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente para incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.

No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.

A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.

Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro, o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.

Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.

A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.

Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.

Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.

O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.

Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.

(*) Artigo publicado originalmente no blog Escrevinhador.

Reproduzo alguns dos comentários feitos no Fazendo Media:

Comentário de Sturt
Em 27/10/2010 às 8:53

Sobre a mídia, acho que o governo Lula tinha como fazer mais pela democratização da mídia. Mas não pode ser partindo do governo, tem que partir da sociedade e dos movimentos sociais, de uma forma mais direta. Pq se não, já viu, os vilões viram mocinhos…
Outro ponto importante durante esse período foi a confecon, que vc não citou…
Por outro lado, a continuação da proibição das rádios comunitárias e Hélio Costa no ministério foram atrasos…

Comentário de Jadson Oliveira
Em 27/10/2010 às 11:24

Marcelo, muito oportuno seu artigo, vou reproduzi-lo no meu blog.
Reforço comentário acima sobre a falta de menção à Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) e também sobre a perseguição às rádios comunitárias no governo Lula.
Creio que Lula, no que pese os pontos positivos de seu governo, optou pela desmobilização popular. Então, ficou refém da velha média, da qual apanha o tempo todo e com a qual concilia. Só nas eleições, quando a campanha suja exagera, ele esboça alguma reação mais forte.
A perseguição às rádios comunitárias é um extremado desserviço ao povo. Já publiquei matéria no meu blog falando do apoio que o governo de Chávez dá aos meios de comunicação comunitários. Aliás, não esqueçamos que tais meios foram fundamentais para mobilizar os venezuelanos no contra-golpe de abril/2002.
Outro detalhe: como vc dá a entender, democratização dos meios de comunicação deveria ser pauta de reivindicação de todos os movimentos sociais e partidos políticos afinados com a esquerda.

Comentário de celso
Em 28/10/2010 às 0:44

Enfrentar as oligarquias no campo da comunicação será "A MÃE DE TODAS AS BATALHAS” no Governo Dilma, como disse uma vez o Rodrigo Vianna.

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