De Curitiba(PR) – No momento em que os movimentos sociais se articulam para participar da Conferência Nacional de Comunicação, já convocada pelo governo federal para dezembro, é importante se conhecer a experiência de países latino-americanos onde o sistema político está mais avançado, caracterizando-se pelo que podemos chamar de democracia participativa.
É o caso, por exemplo, da Venezuela, onde há uma rica experiência da atuação das rádios e TVs comunitárias, apontadas como ferramentas fundamentais no contragolpe de abril de 2002, quando o presidente Hugo Chávez foi deposto e voltou dois dias depois nos braços do povo (falo disto, no meu blog, em pelo menos duas matérias escritas quando lá estive no ano passado: Papel das rádios e Tv's comunitárias , abril/2008, e Vacina contra manipulação da informação , junho/2008)।
QUASE 500 VEÍCULOS ALTERNATIVOS - Até maio de 2008, quando eu estava em Caracas, o governo venezuelano dava apoio a 35 emissoras de TV, 231 rádios, 201 meios impressos e 18 páginas da web। São números oficiais – provável que sejam maiores hoje - da Diretoria Geral dos Meios de Comunicação Alternativos e Comunitários, setor do Ministério de Comunicação e Informação (Minci).
Em 2003, quando o Ministério começou a funcionar, tal apoio restringia-se a cerca de 50 veículos। Em 2008, havia a estimativa de gasto de 4,6 milhões de dólares (com base na cotação da época), para sustentação tecnológica de meios alternativos e comunitários, segundo informações oficiais do governo.
Tais informações dão conta de que o número de veículos atuando pelo interior do país poderia ser até maior, já que os dados acima sobre rádios e TVs referem-se apenas aos meios habilitados pela Comissão Nacional de Telecomunicações। “Sabe-se que existem pelo menos 70 emissoras comunitárias não habilitadas no ar e em pleno funcionamento pelo país”, diz o texto informativo do Minci em resposta a minhas indagações।
"Além disso – acrescenta -, à categoria de página web temos que somar os blogs, que se converteram em espaços alternativos de informação e consulta, dos quais não temos clareza quanto ao número”।
EM QUE CONSISTE REALMENTE O APOIO DO GOVERNO? - A esta pergunta, o Ministério informa que o apoio tecnológico para emissoras de rádio e TV comunitárias consiste no fornecimento de estúdio de transmissão completo।
Aí o texto detalha os equipamentos incluídos (como está em espanhol, pode haver alguma incorreção na tradução, já que são nomes técnicos; em alguns casos, vou citar como está no original, entre aspas. Pra quem é do ramo, não deve haver problema):
Para as emissoras de radiodifusão: transmissor, antena, mesa de mistura (“mesa de mezcla”), microfones, computador com software especializado para rádio, unidades de reprodução de CD e cassete, monitores de áudio, híbrido telefônico e “audífonos”.Para as de TV: câmeras filmadoras profissionais com seus respectivos “trípodes”, kit de iluminação (móvel e para teto), misturadora (“mezcladora”) de vídeo, reprodutor de SVHS, leitor de DVD e DivX, estação (PC) de edição não linear, estação (PC) automatizada de continuidade, matriz de 8 saídas e 8 entradas, gerador de “sincros”, transmissor e antenas.Para ambos os casos: as mesas, racks, “cableado” e acessórios necessários para sua instalação, disponibilizando inclusive o pessoal técnico para fazê-lo.
Além disso, o Minci informou que “entregou em 2008 14 kits de dotação tecnológica complementar às televisões, beneficiando com esses materiais 69 Equipamentos Comunitários de Produção Audiovisual Independente (mais conhecidos como ECPAI) que funcionam nessas televisões”.
Também – continua o texto informativo do Minci – está prevista a entrega de 50 kits de equipamentos técnicos aos meios de comunicação impressos alternativos e comunitários, sendo que os materiais incluem, entre outros, unidades de armazenamento USB extraíveis e gravadores digitais.
PREPARATIVOS NO PARANÁ VISANDO A CONFERÊNCIA – A convocação da I Conferência Nacional de Comunicação é uma reivindicação antiga dos movimentos sociais e nela, certamente, se dará um capítulo importante da luta contra os escandalosos latifúndios da mídia no Brasil।
(Não sei em que pé está a movimentação em Salvador. Sei da atuação nesse sentido do professor Jonicael Cedraz, através da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço-Bahia, uma das entidades que vêm lutando pela conferência há algum tempo. Sei também do trabalho de Heitor Reis, de Belo Horizonte, pela democratização da comunicação e outras batalhas. Encontrei ambos em Belém quando do Fórum Social Mundial).
Nos dias 24 a 27 de abril último, integrantes de movimentos sociais paranaenses, organizados na Comissão Pró-Conferência, promoveram diversos eventos em Curitiba dentro dos preparativos em busca de uma participação efetiva nos debates e nas decisões. Houve treinamento para o pessoal de rádios comunitárias, debate sobre o uso das produções artísticas na Internet e a instalação da comissão que vai coordenar as atividades da Abraço no Paraná। Também uma audiência pública na Assembléia Legislativa discutiu sobre o projeto de lei na Câmara dos Deputados (já aprovado no Senado), especialmente o chamado substitutivo Azeredo (do senador mineiro Eduardo Azeredo, do PSDB
AI-5 DA INTERNET - Conforme os participantes da audiência, o substitutivo aprovado no Senado vale-se da alardeada necessidade de se coibir crimes na Internet, como casos de pedofilia, etc, para avançar na institucionalização de uma mordaça na rede mundial de computadores, até agora um território livre e cheio de perspectivas। Alguns chegam a falar em AI-5 da Internet. Na ocasião, a Comissão Pró-Conferência divulgou uma nota de repúdio ao projeto.
Houve ainda na TV Paraná Educativa, no programa Brasil Nação, apresentado por Beto Almeida, presidente da TV Comunitária de Brasília, um debate envolvendo questões relacionadas com a conferência de comunicação। Participaram José Torves, da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), Rachel Bragatto, de Intervozes, representando a Comissão Pró-Conferência, Josué Franco Lopes, da coordenação nacional da Abraço, e Everton Rodrigues, do Projeto Software Livre.
Os representantes dos movimentos alertam para o risco das grandes corporações da mídia dominar o debate e impor suas posições, buscando manter os conhecidos feudos existentes nos meios de comunicação do país। Outro risco, segundo eles, está em se concentrar a discussão em torno de aspectos tecnológicos, quando o debate é essencialmente político, como dizem no slogan “democratizar as comunicações é democratizar o Brasil”।
A Comissão Pró-Conferência é formada por membros de mais de 20 entidades e tem o apoio do governo estadual e de deputados do PT. Mantém o site (ou sítio) proconferenciaparana.com.br . (Na Agência Carta Maior há bom material sobre o assunto, inclusive o projeto atualmente em discussão na Argentina, visando romper o monopólio da grande imprensa privada, a chamada “mídia gorda”, como diz Mylton Severiano, da revista Caros Amigos).
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