(Foto: Viomundo) |
José Maria, do PSTU: “Ou estamos
contra o governo, dispostos a ajudar nossa classe a derrubá-lo (…) ou vamos
estar no campo deste governo com o argumento de que estamos lutando contra o
golpe de direita”.
É um simplismo monumental. A
derrubada de Dilma traz de imediato a liquidação do marco regulatório do
Pré-Sal e facilita a aprovação de medidas como a terceirização.
Por
Ignacio Godinho Delgado – no blog Viomundo – o que você não vê na mídia,
de 05/08/2015
Estamos
perto de um desfecho do processo iniciado desde a proclamação dos resultados
das eleições de 2014, caracterizado pela disposição de setores da direita
brasileira em interromper o curso normal do governo Dilma.
No
momento, tal disposição está concentrada nas Organizações Globo, em setores do
PSDB ligados a Aécio Neves, em segmentos ultra-reacionários da oposição
parlamentar (Caiado et caterva), nas hordas fascistas gestadas e
embaladas pela mídia e nos braços do aparato policial e judicial da direita
política, representados por grupos da Polícia Federal, jovens procuradores com
inclinações salvacionistas e o juiz Moro.
O
epicentro da conspiração está radicado nas Organizações Globo. Setores do PSDB
ligados a José Serra e Geraldo Alckmin estão reticentes, em meio a especulações
sobre o melhor cenário para seus propósitos eleitorais. O PMDB observa, com
suas tradicionais divisões, com segmentos ligados a Cunha e/ou ressentidos com
Dilma cogitando (se é que já não se decidiram) qual a saída que pode lhe
garantir o melhor prêmio.
No meio
empresarial, o temor é o aprofundamento de um quadro de conturbação que seja,
digamos, ruim para os negócios.
Setores
mais tradicionais aspiram a retomada da perspectiva alentada na década de 1990
de nuclear o desenvolvimento na redução do Custo Brasil,
notadamente o custo do trabalho, que hoje se expressa na batalha
pela terceirização.
É
significativo lembrar que Dilma rechaçou energicamente tal perspectiva no seu
primeiro governo, reafirmando o propósito de manter a política de valorização
do salário mínimo e vetando o projeto que extinguia a cobrança do adicional de 10% na
multa do FGTS pago pelas empresas em caso de demissão sem justa causa. As
medidas associadas ao ajuste fiscal, incidentes sobre o seguro-desemprego, o
abono salarial e as aposentadorias não afetam diretamente o custo do
trabalho para os empresários, vinculando-se, antes, a preocupações
fiscais. Conquanto controversas, é um grande equívoco colocá-las no mesmo saco.
Há,
também, o interesse de investidores estrangeiros na mudança do marco
regulatório do Pré-Sal e na ocupação do espaço a ser eventualmente aberto nos
setores de energia e construção, na esteira da Operação Lava Jato.
Não
necessariamente o alcance dos objetivos dos empresários dos setores intensivos
em trabalho e dos entreguistas exigiriam a remoção de Dilma, podendo ser
efetivado com o enfraquecimento de seu governo e com arranjos no parlamento.
Todavia,
tal como ocorre com os setores políticos da oposição hoje reticentes com o
objetivo do impeachment, o alinhamento definitivo numa mesma direção – a
remoção de Dilma – vai depender do andamento das ações previstas no Congresso e
nas ruas. Esta é a expectativa das Organizações Globo: criar um ambiente que torne
a alternativa do impeachment inevitável e acolhida por todos os setores de
direita.
Boa parte
do cenário atual foi gerado pela inabilidade do governo, pela proposição e
condução desastradas do ajuste fiscal, pelo recrudescimento da inflação e pela
letargia do PT, que erodiram de forma expressiva sua base de sustentação
popular.
Não
obstante, é uma ilusão perigosa a perspectiva da extrema esquerda de assistir
ou colaborar para a derrubada do governo, na expectativa de que assim os
interesses dos trabalhadores poderiam ser melhor defendidos. José Maria, do
PSTU, disse em entrevista recente que “ou estamos contra o governo, dispostos a
ajudar nossa classe a derrubá-lo (…) ou vamos estar no campo deste governo com
o argumento de que estamos lutando contra o golpe de direita” (ver vídeo em
anexo, aos 12 minutos – http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/pstu-chama-derrubada-governo-de-dilma-roussef/).
É um
simplismo monumental. A derrubada de Dilma traz de imediato a liquidação do
marco regulatório do Pré-Sal e facilita a aprovação de medidas como a
terceirização. Ademais, por que imaginar que os trabalhadores não têm interesse
no respeito pela democracia e a normalidade institucional? Por que tomá-las
apenas como um instrumento, não obstante as duras réplicas e ineficiências da
história?
Em 1954,
o PCB, às vésperas da morte de Vargas, alcunhava-o um “aliado do imperialismo”.
Sua remoção, ainda que tenha firmado o trabalhismo como identidade política dos
trabalhadores, facilitou a consolidação de um modelo de desenvolvimento
subordinado ao capital externo. Em 1963, diante do Plano Trienal de Celso
Furtado, o combate sem tréguas da esquerda colaborou para minar o governo
Goulart, facilitando o caminho do golpe. É possível combater o ajuste fiscal,
estar na oposição à esquerda do governo e condenar o golpe que se avizinha. Não
fazer isso, pode deixar aliviada a consciência revolucionária em sua infantil
expressão, mas serve claramente aos propósitos entreguistas e à erosão dos
direitos dos trabalhadores.
Ignacio Godinho Delgado
é professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).
Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em 1999, e foi Visiting
Senior Fellow na London School of Economics and Political Science
(LSE), entre 2011 e 2012.
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