(Foto: Nodal - Notícias da América Latina e Caribe)
Tudo que foi alcançado até agora nas conversas de paz na
Colômbia esteve por um fio com o sequestro do general Rubén Darío Alzate
Mora.
Por Eric Nepomuceno, no portal Carta Maior, de 22/11/2014
Nunca antes qualquer tentativa de se chegar a um acordo de paz entre
governo e guerrilha chegou tão longe – e, portanto, tão perto de uma
solução – como o diálogo iniciado pelo presidente Juan Manuel Santos e o alto comando das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia, as FARC, há dois anos. E de repente, tudo
pareceu, uma vez mais, ir a pique: na tarde do domingo 16 de novembro, o
general Rubén Darío Alzate Mora foi seqüestrado, na companhia de um
cabo do Exército e de uma advogada, num povoado perdido nas margens do
rio Atrato, nos confins da selva, região onde atuam tanto as FARC como
remanescentes de outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação
Nacional (ELN), e várias quadrilhas de traficantes de droga.
Assim
que se soube do seqüestro, Juan Manuel Santos anunciou a imediata
suspensão das conversas de paz que se realizam em Havana. E sugiram
perguntas que não tiveram resposta.
A primeira delas: por que o
experiente general com nome de poeta se aventurou numa região
sabidamente de alto risco vestido em roupas civis, desarmado, e sem um
esquema mínimo de segurança? A segunda: por que razão, em pleno e tenso
diálogo buscando a paz, as FARC fariam tamanho desafio?
Poucos
dias depois a guerrilha admitiu que o general – o primeiro militar de
tal patente a ser seqüestrado em meio século de guerra civil – estava em
seu poder.
O que não se sabe, e certamente levará muito tempo
até que se saiba, é como uma guerrilha que atua sempre de maneira tão
rigorosamente disciplinada resolveu, justo agora, seqüestrar um general.
Pode ser que não soubessem de quem se tratava, pode ser que tenha sido
uma ação voluntariosa de um grupo desorientado, pode ser que quisessem
pressionar de maneira contundente o governo, pode ter sido qualquer
coisa. Mas algo é certo: tudo que foi alcançado até agora nas conversas
de paz esteve por um fio.
Passada uma semana,
as FARC anunciaram haver entregue ao governo as coordenadas indicando o
local onde o general, seus acompanhantes e outros militares em seu
poder serão entregues. Concluída a ação, o incidente – muito sério, por
certo – terá terminado. Mas deixa claro, seja do ponto de vista que for,
o instável e delicado equilíbrio que cercou e cerca as conversas e
negociações, e projeta dúvidas e questões sobre o que acontecerá quando –
e se – for alcançado um acordo final.
Até agora, chegou-se a um consenso sobre três dos seis pontos da agenda
de negociações entre guerrilha e governo. O primeiro deles se refere à
reforma agrária. O segundo, à participação de guerrilheiros
desmobilizados na vida política do país. Eles poderão inclusive formar
um partido nos moldes convencionais e disputar eleições. O terceiro
trata da questão do narcotráfico, e determina a implantação de um
programa especial para que os atuais cultivos usados para a produção de
drogas sejam substituídos.
Tanto a questão da reforma agrária como da reinserção dos guerrilheiros na vida política do país eram consideradas decisivas.
Restam,
porém, três outros pontos, dos quais dois são especialmente delicados. O
primeiro deles se refere à determinação de um processo paralelo e
coincidente para que o desarmamento da guerrilha ocorra ao mesmo tempo
em que se reestrutura as Forças Armadas do país. Ao mesmo tempo, seriam
suspensos os processos judiciais contra a guerrilha que estão em
andamento.
O segundo é igualmente complexo: como definir quem
pode ser considerado vítima da violência, e qual tipo de reparação será
aplicado? Para encerrar o processo, está prevista a realização de um
referendo nacional, que aprovará – ou não – o acordo alcançado.
Falta
muito caminho a ser percorrido, e ele é todo difícil. Por exemplo:
pesquisas recentes indicam que a imensa maioria da opinião pública é
contrária a uma anistia aos guerrilheiros. Isso significa que mesmo que
se chegue a um acordo satisfatório para os dois lados, ele pode ser
recusado pela maioria do eleitorado.
É inegável que se trata de
um quadro complicado e ainda obscuro. Mas também é inegável que nunca
antes se havia chegado tão perto de alcançar alguma luz.
Apesar da
tensa expectativa e da dificuldade de se manter algo mais que um
otimismo apenas relativo, há indícios de que se aposta forte na
possibilidade de chegar a bom porto. Agora mesmo, o governo de Juan
Manuel Santos começa a projetar cálculos referentes aos custos que o
governo terá de enfrentar para aplicar todos os pontos do acordo.
Calcula-se, por exemplo, quanto será necessário para implantar a reforma
agrária, a recuperação social das populações rurais afetadas pela
violência, a implantação de serviços elementares de educação e saúde. E
também quanto será requerido pela recuperação ambiental de vastas zonas
de florestas.
Ou seja: há quem planeje um futuro que será, se não
de paz total, pelo menos de uma normalidade que o país ignora há meio
século. Do lado da guerrilha, também se notam sinais de esforço para que
o acordo seja alcançado. Não há como apressar um processo
necessariamente intrincado e complexo, mas os negociadores das FARC têm
deixado clara sua disposição de serem flexíveis.
Isso tudo foi
posto em risco na tarde de um domingo, quando um general resolveu fazer
uma viagem de barco que ninguém consegue entender. Para onde ia, sem
escolta, sem segurança alguma? Fazer o quê? Por que não ouviu os alertas
do próprio barqueiro que o conduzia?
As respostas virão com o tempo. E, quanto antes, melhor.
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