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Nicolás Maduro com a espada de Simón Bolívar (ao seu lado, batendo palmas, está Cilia Flores, sua mulher, procuradora geral da Venezuela) (Foto: VTV) |
Maduro e
30 chefes de Estado se despediram de Chávez num funeral de Estado cheio de
emoção: com palavras que comoveram a audiência, o herdeiro político de Chávez
jurou defender seu legado político diante do féretro em que jaziam os restos do
líder falecido e olhando os mandatários que fizeram a guarda de honra.
Por Mercedes López San Miguel (reproduzido
do jornal argentino Página/12,
edição de 09/03/2013)
De
Caracas - Tributo, homenagem, emoção. “Não houve em 200 anos um presidente mais
vilipendiado, injuriado e atacado vilmente do que o comandante”, disse Nicolás
Maduro, elevando a voz, durante o funeral de Estado de Hugo Chávez, ao meio-dia
de ontem (sexta-feira, dia 8). “Não puderam nem as mentiras nem o ódio, por que?
Porque nosso comandante tinha o escudo mais poderoso: sua verdade, sua pureza
de amor de Cristo”, continuou dizendo o herdeiro político de Chávez diante do
féretro em que jaziam os restos do líder falecido e olhando os mandatários que
se encontravam nas primeiras filas da câmara ardente na Academia Militar desta
cidade. Entre eles, aliados regionais como o presidente cubano Raúl Castro e seus
pares da Bolívia e Uruguai, Evo Morales e José Mujica.
Olhando Raúl Castro, o líder venezuelano falou do irmão do mandatário
cubano, Fidel, mentor e amigo do comandante bolivariano. Disse que Chávez contou
a Fidel histórias da Venezuela num avião presidencial. E que Fidel lhe respondeu:
“Tenha a certeza de que você e eu morreremos vitoriosos com nossos povos de pé”.
O salão explodiu em aplausos. Tomando a espada de Simón Bolívar, Maduro gritou:
“Quebramos o malefício da traição à pátria!”.
Antes de suas palavras, os 30 chefes de Estado que participaram do
funeral haviam passado diante da câmara ardente para rodear o féretro, formando
uma guarda de honra. Um a um, Sebastián Piñera, Michell Martelly, Ollanta
Humala e Rafael Correa passaram à frente. O mais aplaudido foi o presidente
iraniano Mahmud Ahmadinejad, que beijou o ataúde. O único que caminhou em meio
ao silêncio foi o herdeiro da coroa da Espanha, Felipe de Borbón. Não estiveram
presentes a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, nem seu antecessor Lula da
Silva, que haviam chegado a esta cidade na tarde de anteontem (dia 7). Justificaram,
segundo publicou a imprensa local, que tinham compromissos para o Dia Mundial
da Mulher (dia 8).
Como momento emotivo, a orquestra sinfônica tocou músicas que Chávez escutava
como “Marisanto”, cuja letra fala de seu avô, ou “Linda Barinas”, uma canção
que se refere à região natal do mandatário. Houve lugar também para a fé. O
ativista pelos direitos dos afro-descendentes, ex-candidato presidencial e
reverendo norte-americano Jesse Jackson pediu que os Estados Unidos e a
Venezuela possam estender novas pontes durante a breve oração que oficiou no
funeral. “Nos encomendamos a Deus porque esperamos que possa estender pontes
entre os EUA e a Venezuela... que possamos avançar juntos rumo a um território
mais elevado.”
As únicas presenças do governo norte-americano foram os legisladores
democratas Gregory Meeks e William Delahunt. Na terça-feira, dia 5, horas antes
do anúncio da morte de Chávez, Maduro havia denunciado o governo de Barack
Obama por querer colocar em marcha um plano desestabilizador e havia expulso dois
funcionários estadunidenses deste país.
Roy Chaderton, embaixador da Venezuela na OEA, que participou do
funeral, disse a esta enviada que era cético sobre esse vínculo. “É permanente o
plano de desestabilização dos Estados Unidos, como parte da rotina. Eles não querem
conviver com democracias que seguem outro caminho e ao adversário o consideram
um inimigo. Aqui se aplicou a sabotagem, a violência, e não puderam”. Chaderton
assinalou que existe um jogo duplo de Washington. “Eles querem por um lado
normalizar as relações diplomáticas e, pelo outro, andam desestabilizando. São
incuráveis.”
O embaixador na Organização dos Estados Americanos comparou o funeral de
Chávez com o de Eva Perón. “A morte de Eva como a de Chávez são fenômenos
políticos e sociais duma transcendência enorme.” E enfatizou o legado que deixa
o presidente bolivariano. “Chávez nos deixa com uma herança que vamos cumprir:
seguir adiante com a justiça social, a democracia, educação e saúde gratuitas,
direitos humanos e inclusão. Tenho o coração partido, mas a determinação
intacta.”
Umas poltronas mais atrás, o intelectual panamenho Nils Castro disse a
este diário que a ausência do líder venezuelano representa um novo começo
político. “É uma perda e também um relançamento. A enorme mobilização popular é
a primeira jornada das eleições que se avizinham.” (A nova eleição presidencial
será dia 14 de abril).
Ao mesmo tempo, Nils Castro destacou o papel de Chávez para a América Latina.
“Chávez mudou a maneira de fazer política para os latino-americanos, talvez
alguns demorarão a entender, mas o fato é que a partir da ofensiva iniciada por
ele há outro modo de enfrentar as relações internacionais por parte da nossa
região, há uma imensa cota de autodeterminação e soberania que se ganhou. Foi o
abre-caminhos, o primeiro que atravessou o muro e iniciou esta época.”
Ontem (dia 8), sob os raios dum sol implacável, milhares de venezuelanos
continuaram chegando ao Passeio dos Próceres onde as filas se bifurcavam e os ânimos
estavam mais calmos, depois que o governo anunciou mais sete dias de visitação
à câmara ardente. Uma garota com sapatos de salto alto parecia imune ao calor e
à espera, e disposta à reflexão. “Temos que seguir seu legado. O povo está vivo
e um povo doído pode mais do que uma pessoa.” A estudante de Direito de 23 anos,
Marinel Canizalez, disse que escutou as palavras do agora presidente interino.
“Vamos votar em Maduro porque é o homem escolhido para continuar a revolução.
Nunca tinha vindo a uma manifestação, mas pela primeira vez senti que devia
estar aqui.”
Uns metros mais atrás, Margarita Martínez, enfermeira, levava um boneco
de Chávez vestido com uniforme militar. “Este homem, meu presidente, deu a vida
por seu povo e pela revolução. Nós temos que dar a vida por ele!”. Enquanto
isso, na fila, as pessoas gritavam “Chávez não morreu, Chávez não morreu!”.
Ao sair do salão do velório Nely Manrique não parava de chorar. “Eu o vi
esta manhã, estava muito bonito”, soluçou. “Você sabe que não era muito bonito,
mas estava lindo, lindo.” A mulher tinha vindo de Barquisimeto, longe de
Caracas (é a capital do estado de Lara, região centro-ocidental).
Tradução:
Jadson Oliveira
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