Migus destrincha em seu livro os 1.237 artigos do programa verdadeiro de Capriles, o candidato da oposição (Foto: vtv.gob.ve) |
Os chavistas escancaram o programa neoliberal de Henrique
Capriles: estava “clandestino” e remete ao pacotão (“paquetazo”) do
ex-presidente Carlos Andrés Pérez que gerou a rebelião popular de 1989
De Caracas (Venezuela)
– Era para continuar escondido. Os líderes da oposição mandaram preparar um
plano de governo com as primeiras medidas econômicas a serem implementadas a
partir de 2013 caso a direita consiga derrotar o presidente Hugo Chávez em 7 de
outubro. Em 23 de janeiro último, época das primárias entre os oposicionistas
para escolher seu candidato, Henrique Capriles Radonski assinou o tal plano,
ele e os demais quatro concorrentes que perderam a disputa interna.
Mas as intenções neoliberais estavam
muito claras neste programa. Então, o comando da campanha preparou um resumo
que não fede nem cheira, o qual no dia primeiro de junho, quando da inscrição
da candidatura, foi entregue ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE, equivalente
ao brasileiro TSE). E a marca “não fede nem cheira” passou a ser a marca dos
seus discursos, bem curtos e repetitivos: “Há um caminho”, “Vote por seu
progresso” (dois dos seus slogans), diz ser o futuro, o “ônibus do progresso”,
promete uma Venezuela unida, o governo a serviço de todos sem discriminações, promete
acabar a violência, a insegurança pública, promete industrializar o país e não
depender somente das exportações de petróleo, acabar com a importação de
alimentos, etc, etc.
E claro, promete manter as chamadas
“missões”, o carro-chefe dos programas sociais do governo bolivariano, não só
mantê-las, mas melhorá-las, ampliá-las e criar outras, como a Missão Fome Zero,
por exemplo. Fica apenas no bla-bla-bla, generalidades. Enunciados ideológicos?
Nada. Conteúdo político, programático? Nada. Compromisso classista com as velhas
oligarquias e o imperialismo que lhe dão sustentação? Nem pensar. Óbvio que se
sabe o DNA da direita, suas digitais golpistas estão aí, mas uma coisa é o conhecimento
entre os chavistas e estudiosos, outra coisa é escancarar isso numa campanha
eleitoral.
O deputado William Ojeda foi afastado do partido opositor Um Novo Tempo após criticar a "agenda oculta" (Foto: AVN) |
Está lá “o veneno da serpente neoliberal capitalista”
Romaín Migus, socialista entusiasta
da revolução bolivariana, destrinchou tudinho do plano “clandestino” em sua
obra, mostrou todo “o veneno da serpente neoliberal capitalista”, como se
referiu o jornalista Ernesto Villegas, diretor do jornal Ciudad Caracas (editado pela prefeitura da capital), ao participar
do relançamento do livro, na semana passada, na Praça Bolívar, centro de
Caracas.
Está lá o aumento das tarifas de
transporte, no linguajar técnico: “Política de racionalização de custos e
ajuste gradual de tarifas do transporte público de massa. Para isto se propõem
incrementos trimestrais de 5% nos preços da passagem nos metrôs de Caracas,
Valência, Maracaibo (...) e outros sistemas de transporte público, até chegar
no mínimo a que as rendas operativas cubram os custos, gastos operativos,
capacitação de programas de recuperação e manutenção”.
Está lá o rebaixamento das pensões
dos idosos, como vem acontecendo atualmente em países como Grécia e Espanha:
“...para ir construindo a viabilidade deste novo sistema, é necessário congelar
o montante da pensão que recebe cada beneficiário (não indexá-lo ao salário
mínimo como atualmente se faz), e não incorporar mais pessoas que não hajam
completado a contribuição necessária para o benefício de dita pensão”.
Está lá o objetivo de minar as
“missões”: “Redução e transferência gradual aos estados e municípios, de todos
aqueles gastos que representam um peso importante dentro do gasto público total,
especialmente as missões que são percebidas pela população como competências
institucionais e não como programas sociais...”
Relançamento do livro em formato de tablóide, na Praça Bolívar: o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) vai discutir seu conteúdo por todo o país (Foto: AVN) |
São apenas três exemplos para se
sentir o clima. Em síntese, está no verdadeiro programa de Capriles o
amesquinhamento do papel do Estado, as privatizações e a volta do deus mercado.
"No decorrer das 166 páginas, dos 1.237 artigos, a oposição faz 103 referências
à 'necessária' participação do setor privado na vida econômica e social do
país", explicou o sociólogo francês em entrevista concedida à TV Telesur (Telesul). Disse se tratar de
um programa que "favorece uma pequena minoria, que não é mais que a grande
burguesia nacional e sobretudo favorece o capital transnacional".
Sobre a liberdade de expressão, o
autor de O Programa da MUD assinalou
que os planos para os meios de comunicação "são terríveis, criminalizam os
meios comunitários e alternativos. Há a proibição do uso político dum canal
público, quer dizer, o monopólio da opinião política será dado aos canais
comerciais".
Migus explicou ainda que o programa prevê que a Pdvsa (Petróleos de Venezuela S/A, a estatal do petróleo) não financie as “missões” sociais. O novo governo eliminaria o controle de câmbio, acabaria o controle de preços, aumentaria o preço da gasolina e, claro, reataria as relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Migus explicou ainda que o programa prevê que a Pdvsa (Petróleos de Venezuela S/A, a estatal do petróleo) não financie as “missões” sociais. O novo governo eliminaria o controle de câmbio, acabaria o controle de preços, aumentaria o preço da gasolina e, claro, reataria as relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
O que seria A Grande Virada foi a explosão da revolta
popular
Ou seja, seria a volta do sonho da
era neoliberal que devastou a maioria dos países da América Latina nas décadas
de 80 e 90, empobrecendo ainda mais seus povos. Alguns exemplos: a tragédia do
México de Salinas de Gortari, eleito em 1988; da Argentina de Carlos Menem, do
Brasil de Collor de Mello (depois Fernando Henrique Cardoso, em 1994) e da
Bolívia de Paz Zamora, eleitos em 1989; e do Peru de Alberto Fujimori, eleito em
1990.
E – ficou para o final – a Venezuela
de Carlos Andrés Pérez, eleito em 4 de dezembro de 1988, pela Ação Democrática
(AD), um dos partidos que fazem parte hoje da aliança pró Capriles. Foi eleito
fazendo uma campanha de bom-mocismo, sem nada dizer dos seus compromissos
neoliberais; quando da proclamação da vitória, mencionou, pela primeira vez
desde a campanha eleitoral, as dificuldades econômicas, “problemas de suma
gravidade”; na posse, em 4 de fevereiro de 1989, deu uma festa de arromba com
convidados ilustres internacionais.
E no dia 16 de fevereiro, veio a
bomba: o pacotão neoliberal (“paquetazo”, em espanhol), com as medidas
econômicas de praxe na época, baseadas na carta de intenção assinada com o FMI:
o Estado cedia sua soberania ao “mercado”, controle de preços e subsídios
desapareceriam, salários seriam congelados, redução de gastos públicos, privatizações
de empresas públicas e de serviços, aumento de gasolina e de tarifas de
transporte, etc, etc. Seria, na terminologia oficial, El Gran Viraje (A Grande
Virada).
Imagens disponíveis na Internet do "Caracazo":
Mas o que veio daí e ficou gravado
na história venezuelana com sangue - muito sangue - foi o "Caracazo" (aumentativo
de Caracas, pronuncia-se “Caracaço”), uma explosão da revolta popular nos dias
27 e 28 de fevereiro de 1989, com quebra-quebra generalizado pela cidade e
saques de casas comerciais. O Exército e organismos de segurança do Estado
foram chamados a massacrar o povo, resultando em centenas de pessoas
assassinadas, a maioria gente trabalhadora de bairros populares (os números são
incertos: cifras oficiais falam de 300 mortos e mais de mil feridos).
Não por acaso lideranças chavistas, e o próprio presidente, têm alertado nesses últimos dias para o “paquetazo” neoliberal em gestação pelas forças da direita, e que viria à tona no caso da vitória (improvável) de Capriles. Chávez inclusive foi até mais enfático, certamente de olho na história recente do país: em pelo menos uma ocasião alertou para o risco de guerra civil se, por alguma eventualidade, a oposição ganhar em 7 de outubro.
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