O mundo à beira do caos
Por Miguel Urbano Rodrigues, jornalista e escritor português (Reproduzido de Vi o Mundo, postagem de 25/08/2011)
Evitar que os cidadãos, formatados pela engrenagem do poder, pensem, é uma tarefa permanente da mídia.
As crônicas de cinema, de televisão, a música, a crítica literária refletem bem a atmosfera apodrecida do tipo de sociedade definida como civilizada e democrática por aqueles que, colocados na cúpula do sistema de poder, se propõem como aspiração suprema a multiplicar o capital.
Em Portugal surgiu como inovação grotesca um clube de pensadores; os debates, mesas redondas e entrevistas com dóceis comentadores, mascarados de «analistas», são insuportáveis pela ignorância, hipocrisia e mediocridade da quase totalidade desses serventuários do capital. Contra-revolucionários como Mario Soares, António Barreto, Medina Carreira, Júdice; formadores de opinião como Marcelo Rebelo de Sousa, um intoxicador de mentes influenciáveis que explica o presente e prevê o futuro como se fora o oráculo de Delfos; jornalistas his master voice, como Nuno Rogeiro e Teresa de Sousa; colunistas arrogantes que odeiam o povo português e a humanidade, como Vasco Pulido Valente, pontificam na mídia imitando bruxos medievais, servindo o sistema em exercícios de verborreia que ofendem a inteligência.
O terrorismo de Estado emerge como componente fundamental da estratégia de poder dos EUA
O primeiro-ministro e o seu lugar-tenente Portas, exibindo posturas napoleônicas, pedem «sacrifícios» e compreensão aos trabalhadores enquanto, submissos, aplicam o projeto do grande capital e cumprem exigências do imperialismo.
Desde o início do primeiro governo Sócrates, o que restava da herança revolucionaria de Abril foi mais golpeado e destruído do que no quarto de século anterior.
Ao Portugal em crise exige-se o pagamento de uma fatura enorme da crise maior em que se afunda o capitalismo.
Nos EUA, polo hegemônico do sistema, o discurso do presidente Obama, despojado das lantejoulas dos primeiros meses de governo, aparece agora como o de um político disposto a todas as concessões para permanecer na Casa Branca. A sua última capitulação perante o Congresso estilhaçou o que sobrava da máscara de humanista reformador. Para que o Partido Republicano permitisse aumentar de dois bilhões de dólares o teto de uma dívida pública astronômica - já superior ao Produto Interno Bruto do país –, aceitou manter intocáveis os privilégios indecorosos usufruídos por uma classe dominante que paga impostos ridículos e golpear duramente um serviço de saúde que já era um dos piores do mundo capitalista. A contrapartida da debilidade interior é uma agressividade crescente no exterior.
Centenas de instalações militares estadunidenses foram semeadas pela Ásia, Europa, América Latina e África.
Mas «a cruzada contra o terrorismo» não produziu os resultados esperados. As agressões americanas aos povos do Iraque e do Afeganistão promoveram o terrorismo em escala mundial em vez de o erradicar. Crimes monstruosos foram cometidos pela soldadesca americana no Iraque e no Afeganistão. O Congresso legalizou a tortura de prisioneiros. A «pacificação do Iraque», onde a resistência do povo à ocupação é uma realidade, não passa de um slogan de propaganda. No Afeganistão, apesar da presença de 140.000 soldados dos EUA e da NATO, a guerra está perdida.
Os bombardeamentos de aldeias do noroeste do Paquistão por aviões sem piloto, comandados dos EUA por computadores, semeiam a morte e a destruição, provocando a indignação do povo daquele país.
O bombardeamento da Somália (onde a fome mata diariamente milhares de pessoas) por aviões da USAF, e de tribos do Iémen que lutam contra o despotismo medieval do presidente Saleh, tornou-se rotineiro. Como sempre, Washington acusa as vítimas de ligações à Al Qaeda.
Na África, a instalação do AFRICOM, um exército americano permanente, e a agressão da NATO ao povo da Líbia confirmam a mundialização de uma estratégia imperial.
O terrorismo de Estado emerge como componente fundamental da estratégia de poder dos EUA.
O capitalismo, pela sua própria essência, não é humanizável. Terá de ser destruído
Obviamente, Washington e os seus aliados da União Europeia tentam transformar o crime em virtude. Os patriotas que no Iraque, no Afeganistão, na Líbia resistem às agressões imperiais são qualificados de terroristas; os governos fantoches de Bagdad e Kabul estariam a encaminhar os povos iraquiano e afegão para a democracia e o progresso; o Irã, vítima de sanções, é ameaçado de destruição; o aliado neofascista israelense apresentado como uma democracia moderna.
A perversa falsificação da História é hoje um instrumento imprescindível ao funcionamento de uma estratégia de poder monstruosa que, essa sim, ameaça a Humanidade e a própria continuidade da vida na Terra.
O imperialismo acumula, porém, derrotas, e os sintomas do agravamento da crise estrutural do capitalismo são inocultáveis.
O capitalismo, pela sua própria essência, não é humanizável. Terá de ser destruído. A única alternativa que desponta no horizonte é o socialismo. O desfecho pode tardar. Mas a resistência dos povos à engrenagem do capital que os oprime cresce na Ásia, na Europa, na América Latina, na África. Eles são o sujeito da História e a vitória final será sua.
Vila Nova de Gaia, 15 de Agosto de 2011
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