PIAU X VAVÁ: O GRANDE CONFRONTO QUE NÃO HOUVE (ficção e realidade)


Piau e Vavá, que parece ter percebido o peso do oponente (cartaz com a foto de Martinha)
(Fotos: Lidjone Ribeiro)
De Salvador (Bahia) – Leitor amigo, te conto hoje uns polêmicos sucessos que se passaram lá na minha terra, em Seabra, na bela Chapada Diamantina, lá no “Barblioteca” da Fazenda Dona Elisa, roça do nosso querido Goiano, o anfitrião perfeito para o desafio entre dois cantadores/violeiros de reputação afamada. A expectativa era grande, a imprensa a postos – a equipe do Correio Chapada e da revista Noite & Dia estava lá -, os torcedores, os curiosos, as curiosas, aquele clima de final de campeonato de futebol... Porém, não houve o memorável confronto. Mas houve o que se pode contar e ouvir com gosto.

A versão predominante é que a provocação teria partido de Vavá, de sobrenome Garcia, outrora conhecido como especialista em financiamentos agrícolas do Banco do Brasil e também como militante das lides sindicais. Depois a fama foi se firmando mesmo foi como cantador. Começou pelas bandas de Mundo Novo e foi se espalhando pela Bahia e pelo vizinho Sergipe, mesmo porque o rapaz é sergipano de boa cepa. Não chegou a brilhar nos festivais de violeiros da Chapada, realizados com retumbante êxito em Seabra pelo Projeto Velame Vivo, porque, segundo se comenta, teria sido boicotado pelos organizadores e concorrentes, diante do suposto favoritismo.


Vavá, bom gosto no repertório: "Ôh Antonico, vou lhe pedir um favor..."
Piau, belas canções: "Lá em cima do telhado, meu sonho encantado era pertinho do céu...”
Já Piau, aparentemente, não tinha atrás e em torno de si credenciais tão reluzentes. Após sua carreira profissional na Petrobrás se aposentou e ficou ali por Seabra cuidando de uns bois e de uma rocinha, manejando uma velha camionete. Era dali mesmo, de Lagoa da Boa Vista, de origem humilde. Não se cansa de lembrar de quando era garoto e vinha no “comércio” (como o pessoal da roça chamava a cidade, a sede do município, no caso Seabra) no sábado, dia de feira: comprava uns pães na padaria de seo Diva e, já na estrada de volta, andando a pé, comia-os com grande felicidade. De nome Djalma Novaes, é filho do velho Romualdo, lendário caixeiro-viajante que criou numerosa prole percorrendo roças e povoados, de jegue, vendendo bugigangas à prestação a tudo que é gente.


Mas o rapaz - brancão, vermelho, a cara de um gringo – ultimamente tinha gravado um CD e vinha espantando a todos com a explosão de tanto talento na voz desassombrada, no violão e no repertório diversificado e genuíno.


Das alturas de sua fama – dizem os maledicentes -, Vavá se sentira incomodado. E Goiano, tido como amigo dos dois, botou fogo na fogueira e preparou o encontro. Segundo ele, Vavá fez uma única exigência: que Piau não cantasse nem “Antonico” (de Ismael Silva), nem “E agora, José?” (de Paulo Diniz e Drummond), que considerava canções exclusivas de seu repertório pessoal. Ainda segundo Goiano, Piau topava o desafio e cumpriria a exigência.


Chegou o momento. Começou a farra, com cerveja, vinho, uísque, cachaça especial da Encruzilhada (daquelas vendidas por Eudaldo em Seabra) e variados comes-e-bebes, tudo sob o manto inspirador da figura de Martinha, venerada militante política. Os tocadores/cantadores – além dos dois duelistas, estavam lá Palito e Lidjone, e o famoso percussionista Tibério - começaram a desfilar suas habilidades, assim devagar, como quem não quer nada. Piau tocou “lá em cima do telhado, meu sonho encantado era pertinho do céu...” (“Telha nua”, de Waltinho e Roberto Andrade) e atacou a vibrante “no terreiro lá de casa não se varre com vassoura, varre com ponta de sabre e bala de metralhadora...” (“Cantiga Brava”, de Geraldo Vandré). E Vavá cantou sua predileta “Ôh Antonico, vou lhe pedir um favor...” (“Antonico”) e “Fui ancorando nela, naquela ponta de mar...” (“Anabela”, de Renato Braz).


Goiano instigou, instigou, mas...
Era só uma espécie de aquecimento. Mas aí deu-se algo estranho, um tipo de consenso cruel e repentino, uma chispa reveladora a atingir corações e mentes: VAVÁ NÃO É PÁREO PARA PIAU. E o próprio Vavá parece ter sentido a pancada. Mas – dizem e ele contesta - tentou dissimular. Pediu ao dono da casa para lhe servir Jurubeba com gengibre, pois descobriu, assim de repente, que acabava de ser atacado por uma rouquidão. Não tinha Jurubeba, nem gengibre. “Assim é impossível”, lamentou. E ainda por cima disse que Piau tinha quebrado uma corda do violão: “É um covardo”, acusou.


Bem, para encurtar o causo, o terrível confronto anunciado ficou por aí, não houve. Foi como a famosa batalha de Itararé, em São Paulo, onde haveria (e não houve) o grande embate das tropas de Getúlio Vargas em marcha para a tomada do poder em 1930. Goiano instigava, instigava, mas a coisa empacou. A assistência foi se dissolvendo entre risonha e gozativa. Contam boas e más línguas que Vavá depois de tais sucessos sumiu. E algumas semanas mais tarde teria sido localizado namorando com uma bela professora, atrás da igreja, na cidade de Ipupiara (ou seria Brotas de Macaúbas?).

Comentários

Anônimo disse…
Companheiro Jadson Oliveira estou vendo a foto da companheira Marta, nessa post, queria saber notícias dela?
Rui Santana
Jadson disse…
Companheiro, infelizmente a notícia é ruim. Marta morreu em dezembro último, vítima do diabo do câncer.
Quem me informou foi nosso amigo Goiano, que, pelo visto, era muito ligado a ela. Aquela foto que aparece na postagem é um cartaz sempre à vista no "Barblioteca" da casa da roça de Goiano.
Ele manda um abraço pra vc.
Rapaz, que figura era Martinha, educada e firme nas suas posições políticas, lembro dela, e da nossa militância nos anos 80 na Bahia, e depois em São Paulo, sempre que a encontrava, mim vinha a cabeça a frase de Che, Ëndurecer sim, perder a ternura jamais" Marta era assim, posições firmes, voz delicada, militante que a história de hoje, não consegue contruir facíl. Dê um abração em Goiano, essa grande figura socialista e solidária, mando meus pêsames através dele a todos amigos e companheiros de Martinha.

Marta, Presente! no meu coração.
Dilton Aécio disse…
Nobre companheiro,

Sei da competência de Piau. Voz firme. Vasto repertório e violão melodioso, que fez lembrar Geraldo Azevedo, mas Vavá é vavalente. Nunca o vi perder uma parada. Certamente aconteceu algo estranho lá prás bandas do Sitio Dona Elisa. O sorriso do anfitrião (cumpadre dele) denuncia. Ele foi colocado numa fria. Literalmente. A mangas de camisa em Seabra à noite? Não tem garganta que aguente. Só pode ter sido isso.

Faz tempo que não encontro meus amigos Chico, João Carlos e Pedro Lima.

Fraterno abraço,

Dilton Aécio
goiano.goia disse…
Dilton, meu irmão, gostei da sua intervenção! Entretanto, posso lhe afirmar que não foi o frio de Seabra ou da roça Dona Eliza que deixou nosso amigo Vavá em maus lençois, foi o próprio, ele não aguentou ouvir o vozeiro do nosso Piau, mas, amigo, vou dar mais uma chance para o cumpadre Vavá, no seu próprio terreiro, no dia 01/12/2011 no Gibão de Couro, parte de cima, o nossos amigos Piau,Batata e a nossa querida Lidjone estarão tocando e desafiando o cumpadre Vavá mais uma vez. Vamos nos programar para mais essa etapa.
Abraços,
Goiano.
goiano.goia disse…
Querido Rui,
Obrigado pelas palavras encantadoras sobre a nossa querida Martinha, ela realmente foi tudo isso que você descreve dentro de uma visão revolucionária, amiga, irmã e eu que tive a oportunidade de conviver com ela tudo isso, sinto dores de saudades por ter perdido uma das poucas pessoas que mais enflueciaram na vida.
Amigo, quando vier a Salvador, vamos tomar umas, bater um bom papo e peço-lhe que traga uns bons cd´s como sempre fez.
Abraços,
goiano.
goiano.goia disse…
Bravo e Combativo Comandante em Chefe, Jadson. Sou meio arcaico em termo de internet. Tento postar comentários, clico em "publicar" mas acabo não efetivando. Vou tentar, agora, mais uma vez. Torna-se necessário relatar alguns acontecimentos estranhos naquela noite na Faz. Dona Elisa. Primeiro quero deixar claro que jamais fomentei qualquer embate violonistico com nosso amigo Piau. O que eu soube é que ele ficou indignado com comentários de amigos próximos que, algumas canções (JOSÉ, principalmente) selecionadas no CD que ele gravou, dispensam qualquer outra interpretação desde que, o aquí vosso humilde cantor, apresentou interpretações DEFINITIVAS (falaram até que Paulo Diniz havia chorado ao ouvir minha interpretação de JOSÉ. Eu acredito, modéstia à parte). Outra coisa que gostaria de esclarecer é que, se cantei "ANTONICO", foi para alertar que algo estranho estava acontecendo com minha voz ("...até muamba já fizeram pro rapaz, porque no samba ninguem faz o que ele faz...") ela simplesmente estava sumindo (comenta-se no breu das tocas que o outro contendor contratara feiteceiro solerte com o fito de calar minha voz através de bruxaria e outros sortilégios) e além de tudo, me deixou mudo, o violão (parafraseando Chico Buarque) quebrando a quarta corda não permitindo que meu violão plangente preenchesse a atmosfera da "barblioteca" com a sonoridade melodiosa de minhas canções. Mas tudo isso foi recompensado com o acalanto da suave voz da professorinha que conheci em Brotas de Macaúbas. Essa é outra história. Depois te conto, fora do blog. Ex-Cumpade Goiano (depois da fria que vc me submeteu, estornei a cumpadagem) minha vingança acontecerá então em 01.12.2011 no Gibão. Até Lá. Vavá.
Vavá Garcia disse…
Comandante Jadson,
É claro que o último comentário acerca do embate com Piau, é meu e não de Goiano (até porque o ex-cumpade encerrou sua carreira de músico pré-precocemente - ou seja: antes de iniciar) doando seu sax sem emitir sequer um único sopro. Fez bem, perdemos um músico medíocre (mediano, na acepção da palavra) e ganhamos um grande líder político (imagine a Bahia ser dividida e a Chapada ficar independente: Goiano Presidente!!). Aconteceu que não conseguia empostar meu comentário (analfabetismo de internauta ) e solicitei que o ex-cumpade o fizesse. Então fica assim: Onde se lê Goiano.goia disse, leia-se Vavá Garcia disse. Forte Abraço. Vavá.
Jadson disse…
Grande companheiro Vavá, graças ao "grande confronto que não houve" e outros causos, meu blog tá uma beleza, cheio de gente querida e bonita, cada um com sua versão, sua interpretação, sua verdade, receita de qualquer democracia que se respeita (apareceu inclusive o Dilton, de quem vcs falaram tanto).
É isso aí, vamos em frente, novos sucessos virão. E a amizade, a irmandade e a fraternidade continuam, e a cumpadagem também. Beijos e abraços.