Foto: Reuters/Henry Nicholls |
Ao aprovar a extradição de Assange, o governo britânico avança na consumação de um ataque à liberdade de imprensa em escala mundial.
"Que crime Assange cometeu?", perguntou Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, durante um evento em Maceió. Lula prosseguiu: "É o crime de falar a verdade..."
Por Paulo Moreira Leite (jornalista) - Reproduzido do site Brasil 247, com o título Depois de Assange, a próxima vítima pode ser você, datado de 18/junho/2022.
Não é difícil compreender o que está em jogo na perseguição inclemente do governo dos Estados Unidos a Julian Assange, que já completa mais de dez anos, numa ação de Estado, que une republicanos e democratas num mesmo processo.
"Que crime Assange cometeu?", perguntou Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, durante um evento em Maceió. Lula prosseguiu: "É o crime de falar a verdade, mostrar que os Estados Unidos, estavam grampeando muitos países do mundo, inclusive grampeando a presidente Dilma Rousseff".
A reação
de Lula está em linha com entidades democráticas do planeta, a começar pela
Anistia Internacional, celebrada há décadas. "Permitir que Assange seja
extraditado para os EUA o colocaria em grande risco, numa mensagem assustadora
para jornalistas de todo mundo", denunciou a entidade. Fundador do
Wikileaks, Julian Assange utilizou as modernas tecnologias de informação para
desvendar bastidores jamais investigados do império norte-americano, que
puderam ser retratados em sua intimidade e crueza, inclusive momentos de crime
e horror. Divulgou informações chocantes, diálogos vergonhosos e mesmo cenas
repulsivas de tortura de prisioneiros sempre apoiado em documentos -- vídeos,
fotos, gravações -- cuja autenticidade jamais seria negada. Num cotidiano onde
jornalistas do mundo inteiro costumam ser processados e condenados pela
divulgação de notícias falsas, ou relatos que não podem ser sustentados em
provas, a situação aqui é outra. Assange é processado em função de informações verdadeiras
e comprovadas. A tentativa é condená-lo por divulgar a verdade. A cada passo
destinado a conduzir Assange aos Estados Unidos, onde o aguarda um julgamento
em corte militar, o direito de cada um de nós ter conhecimento real a respeito
de verdades ocultas sobre as forças que governam o planeta fica diminuído e até
ameaçado. Não se trata de um caso individual.
Em 1971,
quando o New York Times divulgou documentos ultra-secretos sobre a atuação do
governo Richard Nixon na guerra do Vietnã, o caso virou um escândalo universal
mas foi tratado na esfera adequada, como liberdade de expressão.
Responsável pelo vazamento, o analista militar Daniel Ellsberg foi
julgado pela Suprema Corte, onde enfrentou uma acusação que pretendia
condená-lo a 115 anos.
Apoiado
pela juventude que fora as ruas lutar contra a guerra, Ellsberg assumiu suas
responsabilidades pela divulgação dos papéis, alegando que, "como cidadão
americano, não poderia manter essas informações escondidas do público".
Acabou absolvido.
Meio século depois, o debate mudou de lugar -- e de
sentido, obviamente. Num tratamento diferente daquele recebido por Daniel
Ellsberg, o civil australiano Julian Assange será julgado por denúncias que
envolvem a invasão do Iraque -- mas num tribunal militar, onde vigoram outras
regras, outra disciplina e, acima de tudo, outros princípios.
Para a humanidade, a questão é a mesma -- liberdade
de expressão -- mas o cenário é outro. O horizonte também. A militarização do
debate sobre a liberdade de imprensa não é uma iniciativa inocente. O custo é
pago pela democracia, isto é, por todos nós.
Alguma dúvida?
(Cabe observar que o Brasil de Bolsonaro já possui
-- todas as diferenças guardadas -- um caso semelhante. A anulação dos
julgamentos da Lava Jato, que trouxe Lula de volta à vida pública e à campanha
presidencial, só foi possível graças a Operação Spoofing, alimentada pelos
diálogos entre figurões da Lava Jato. As conversas foram grampeadas pelo hacker
Walter Delgatti Neto, fonte das denúncias do Intercept, que se tornaram
manchete mundial. Delgatti foi investigado por várias acusações, inclusive de
"organização criminosa". Nada se provou que contra ele mas segue
tratado como se tivesse feito alguma coisa errada).
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