É PRECISO COMPREENDER O PROCESSO HISTÓRICO PARA NELE INTERVIR

 

Ex-ministro Roberto Amaral

Cobra-se do Partido dos Trabalhadores um projeto revolucionário que não está no horizonte de seu programa

(Ironia da História: são os “subversivos” que, hoje, defendem a democracia no país, contra as ameaças totalitárias dos partidos da ordem.) 

O pior desatino comete o pretenso revolucionário que supõe poder alterar a realidade ignorando os limites de seu papel como sujeito histórico.

A urgência histórica é a questão democrática, que se materializará na derrota do projeto continuísta do bolsonarismo.

O programa fascistóide tem raízes em ponderáveis segmentos da sociedade brasileira, sua existência guarda coerência com nossa formação de sociedade

Por Roberto Amaral - cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia em 2003/2004 - 28/maio/2022 (Reproduzido do site Brasil 247)

Ponderáveis setores da esquerda brasileira, novos e antigos companheiros das lutas democráticas, cobram de Luiz Inácio Lula da Silva o anúncio de um projeto socialista para o Brasil de hoje – embora a revolução, sempre desejada, não esteja  posta pelo processo histórico. Lamentavelmente. De Lula, um dos mais avançados quadros da centro-esquerda brasileira, como certificam seus oito anos de governo, o que havemos de esperar é a construção e liderança de uma nova maioria política, fiadora da continuidade democrática, fundamental para a luta dos trabalhadores no Estado burguês. Não é um fim, em si, mas processo sem o qual não retomaremos o projeto de uma sociedade sem classes.

 

(Ironia da História: são os “subversivos” que, hoje, defendem a democracia no país, contra as ameaças totalitárias dos partidos da ordem.)    

Cobra-se do Partido dos Trabalhadores – o maior e o mais sólido partido da socialdemocracia brasileira – um projeto revolucionário que não está no horizonte de seu programa. Sob o comando de Lula, o PT lidera uma coalizão partidária de centro-esquerda, ampla, que mais e mais procura afastar-se das teses encampadas na saudosa campanha eleitoral de 1989, porque de lá para cá o mundo mudou, o país mudou e mudou o próprio PT, tanto quanto mudaram as perspectivas da esquerda brasileira, com a crise do “socialismo real” e as seguidas “diásporas”; e consequentemente as condições de luta pioraram. O PT mudou para vencer as eleições em 2002, e volta a mudar, desta feita para poder liderar uma frente ainda mais ampla, em condições de derrotar o projeto protofascista governante, que nos ameaça com anunciadas expectativas de continuidade.

O pior desatino comete o pretenso revolucionário que supõe poder alterar a realidade ignorando os limites de seu papel como sujeito histórico.

 

Como lembrava há mais de um século conhecido pensador alemão, o homem faz sua história, mas não a faz segundo os caprichos de sua vontade, de seus sonhos e de sua utopia; ele a faz segundo as circunstâncias com as quais se defronta (Cf. Marx, Karl. O 18 brumário de Luis Bonaparte). Dois mil anos antes, Sun Tzu recomendava aos generais em guerra conhecer previamente o inimigo e o terreno em que pretendiam lutar.

Mudando a conjuntura, as formas de luta também mudam.

Independentemente do PT e de seu líder, nos defrontamos com o recesso das lutas sociais, implicando o remanso da denúncia da luta de classes. A conjuntura internacional vê-se pontuada pela fragilização das organizações revolucionárias, socialistas e trabalhistas, pari passu com o crescimento de apoio popular a movimentos de direita e extrema-direita (vide França, Itália, EUA, Hungria, Polônia), como o que se revelou contundente nas eleições brasileiras de 2018. Entre nós a extrema-direita empalmou o poder cavalgando eleições livres, pela primeira vez. Não se trata de um fenômeno menosprezável, mas de um indicador do nível de consciência das massas.  

Cresce o imperialismo como força política, econômica e militar, e esse crescimento pesa sobre o processo social. A agudização do militarismo é uma de suas evidências. É seu o monopólio da informação, de que resulta a unipolaridade ideológica, uma modalidade de ditadura nas sociedades de massas. Limitada em suas opções revolucionárias, a esquerda optou pelo ingresso na institucionalidade, que, lhe dando sobrevida, congelou sua capacidade de intervir na realidade, visando a modificá-la. Perdida a revolução, seu projeto passou a ser modificar por dentro as estruturas, tornando-se, assim, inevitavelmente, um fator da ordem. É uma nova socialdemocracia, substituta daquela que transitou para a direita, no mundo e no Brasil.

Combater qualquer alteração do status quo, qualquer ameaça de mudança de rumo, mesmo dentro da legalidade, qualquer sugestão de reforma social, passou a ser o projeto retrógrado da casa-grande brasileira, que não convive com alterações, quaisquer, da ordem baseada na superexploração da classe trabalhadora. Daí o combate que travou contra os governos Lula e Dilma, daí seu apoio ao quadro político consequente, daí suas ameaças ao processo eleitoral de 2022, à posse e ao futuro governo Lula, quando o candidato promete colocar o pobre no Orçamento e os ricos no Imposto de Renda.  Essa resistência não conhece limite e explica o esforço do Lula candidato de construir, ainda no processo eleitoral, uma coalizão que lhe assegure, além da eleição e da posse, condições de governar, negadas a Jango e a Dilma Rousseff. 

Nesta quadra histórica, está reservado às classes populares, organizadas, garantir a continuidade democrática e uma governança que possibilite a retomada do desenvolvimento, a recuperação das conquistas sociais e a preeminência do interesse nacional. 

Para avançar, sempre a depender do que seremos e faremos no pós-2022, precisaremos alterar a atual correlação de forças, ampliando, para além de nosso campo, o arco político-social que garantirá a governabilidade a partir de 2023. Somente amparados em uma grande mobilização popular estaremos em condições de promover alterações significativas na estrutura do Estado brasileiro atual, sem as quais será impossível a um governo de raízes sociais descartar os entraves ao desenvolvimento nacional e remover a viciada, para além de nociva, ingerência da caserna atrasada sobre as instituições republicanas.

Tantos anos passados da Constituinte, retorna a discussão essencial sobre o caráter do Estado de que necessitamos para promover o progresso social, tantas vezes contestado pela casa-grande e seu braço armado.

A urgência histórica é a questão democrática, que se materializará na derrota do projeto continuísta do bolsonarismo. É, ao mesmo tempo, a tarefa mais consequente ao nosso alcance, e aquela que mais amplia na sociedade, daí o caleidoscópio de alianças que o ex-presidente intenta costurar com paciência de cesteiro. Porque é necessário ganhar e é necessário ter forças para poder governar e, principalmente, governar sabendo que contará com a resistência da casa-grande.

Nada obstante essas considerações, que aos quadros mais experientes podem tangenciar o óbvio, é preciso ter sempre em conta que a ainda difícil (tanto quanto necessária) eleição de Lula e o retorno do PT ao governo – ainda longe da hegemonia do poder – significarão um grande avanço político (ao qual se associa a esquerda socialista), por representar o avanço possível nas condições concretas. Este avanço possível das esquerdas está abraçado ao sucesso que promete a candidatura Lula. 

As limitações óbvias de uma candidatura que, para viabilizar-se, carece de amplas alianças, mesmo ultrapassando as fronteiras de seu arco ideológico, não podem, porém, ser arguidas como inibidoras da ação e do proselitismo das esquerdas, a quem incumbe, na campanha eleitoral, a defesa das teses de nosso campo. Em síntese, compete à esquerda fazer a campanha da esquerda, jamais delegá-la a uma frente ampla cujo núcleo é a socialdemocracia.  Toda campanha eleitoral é uma oportunidade de proselitismo. No caso concreto, os socialistas terão de associar a pedagogia ideológica à ação, o encontro ideal de teoria e prática, retornando à organização popular. Organização em todo e qualquer nível, para a ação e o proselitismo e, para, amanhã, responder aos desafios que lhe serão forçosamente impostos pelo processo social.

A deposição de Dilma e o que a partir dessa violência se seguiu não podem ser entendidos como frutos do acaso, nem muito menos pensados como “chuvas de verão”. O programa fascistóide tem raízes em ponderáveis segmentos da sociedade brasileira, sua existência guarda coerência com nossa formação de sociedade (em busca da nação) e país escravocrata, racista e autoritário, governado por uma elite alienada e forânea, descomprometida com os destinos do país e de sua gente. É preciso compreender o caráter do processo histórico para nele poder intervir consequentemente.

*Com a colaboração de Pedro Amaral


Comentários

Edelson disse…
Uma análise muito boa em que destaca a importância da participação e organização popular em todo e qualquer nível para a ação.
jadson oliveira disse…
É isso mesmo, companheiro Edelson, participação popular e organização popular, sempre, não podemos esquecer isso. Mesmo agora, quando a conjuntura exige a luta frentista, liderada por Lula, contra a extrema direita, a fome, o ódio, o entreguismo...
J. Cícero Alves disse…
Nesse momento político extremamente conturbado e sombrio da nossa história, a busca pela construção de uma aliança nacional ampla, coesa e plural de oposição para as eleições de outubro é sem dúvida a melhor opção para escorraçar do poder, nas urnas, essa criatura estranha que tomou forma e ganhou corpo em nosso país e que atende pelo nome de Bolsonaro, um chefe de Estado inconsequente e despreparado, que outra coisa parece não saber fazer, senão disseminar o ódio e instigar a discórdia, ao invés de estimular o diálogo, buscar a união e promover a paz entre os brasileiros.

É imperioso e vital para o país a união e o empenho das forças políticas nacionais comprometidas com a restauração da Democracia e a garantia da Ordem Constitucional para fazer frente e derrotar esse governo fascista que aí está arrastando o país para um desastre político, econômico e social sem precedentes na história do Brasil.

É isso – uma aliança nacional ampla -, que Lula tem procurado consolidar com toda a sua habilidade e experiência a cada dia e com grande êxito.

As lideranças dos partidos que integram a aliança em torno da chapa Lula-Alckmin buscarão, obviamente, compor entendimentos com o fim de sanar eventuais diferenças político-ideológicas.

Para além da ideologia, porém, é preciso compreender que Política é um processo dinâmico marcado por avanços e recuos e pelo tempo.

Política é ciência social e por não ser exata, seu bom exercício requer estratégias.

Desse modo, periodicamente, a depender das circunstâncias e tendo em conta o cenário, alteram-se as estratégias, reagrupam-se partidos, sendo perfeitamente natural que políticos que em algum momentos estiveram em lados opostos tornem-se aliados, sobretudo quando a aliança se dá com o fim de derrotar um inimigo comum.

E o inimigo comum a ser derrotado no Brasil não é outro senão a escalada do fascismo no país impulsionada por grupos extremistas que ressurgiram com ímpeto a partir de 2018, com a ascensão de Bolsonaro ao poder.

É vital que se encerre o atual governo em 2022 para que o Brasil retome o caminho do desenvolvimento, da prosperidade e da justiça, sem ideologias ultrapassadas e toscas, sem retrocessos civilizatórios, mas com posturas políticas dirigidas à construção de uma ordem social justa, embasada que seja no respeito ao pluralismo de ideias, usos, costumes, crenças e tradições.

É esse, em linhas gerais, o fundamento básico e principal objetivo que orienta a ampla aliança partidária reunida em torno da chapa Lula-Alckmin que, uma vez confirmada a vitória, começará a produzir seus frutos a partir de 1º de janeiro de 2023.

Que Deus os abençoe e proteja nessa sua intrépida jornada rumo à reconstrução do país !!

2022 !! LULA e ALCKMIN !! Para o Brasil voltar a crescer, e o povo voltar a sorrir.
jadson oliveira disse…
E isso, meu caro J.Cícero, vc está corretíssimo, o momento é de frente ampla para derrotar a extrema direita nas urnas e, também, para enfrentar os intentos golpistas que, tudo indica, virão pela frente. Claro que devemos estar alertas para - chegando com sucesso à posse em primeiro de janeiro - apoiar o governo Lula/Alckmin, com um movimento popular mais forte e mais organizado, pois as mesmas forças obscurantistas que abriram caminho para um Bolsonaro e o sustentam até hoje, apesar da destruição que promove, continuarão a atuar para boicotar todos os projetos de inclusão social e de compromisso com a soberania nacional.