(Foto: da Internet) |
A década de 1950 não sai da memória daquele menino.
Nem os “intelectuais” que faziam sua cabeça, a partir dos ensinamentos do
Instituto Ponte Nova: Raimundo Viana, Jeová Queiroz e outros e outras.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro)
– editor deste Blog Evidentemente
Eram os nossos
intelectuais. Para os que ficavam na terra, pobres mortais! e os viam ora
partir ora chegar, sentados nos bancos do caminhão pau de arara, rapazes e
moças cheios de juventude e beleza, cantando canções alegres, boleros – “eu
também me perdi, vou vagando passo a passo, na esperança de um dia encontrar
uma nova ilusão...” -, restava uma pontinha de inveja. Será que um dia também
chego lá?
Eram um rasgo de alegria
e futuro. Estudar no Instituto Ponte Nova (na hoje cidade de Wagner), lá pela
década de 1950, era o grande sonho da classe média e elite de Seabra – então
uma cidadezinha, hoje pomposamente
chamada “a capital da Chapada”. De Seabra e também de muitas outras cidades da
região e até de mais longe, até de Santa Maria da Vitória, lá no Sudoeste do
estado – que o diga nosso companheiro Valdimiro Lustosa Soares, o popular Guri,
que lá estudou e depois foi pra Lençóis estudar (e jogar bola).
Não sei se soa muito
grandiloquente chamá-los de intelectuais. Na nossa cabeça, dos pobres mortais,
eram sim, enchiam nossos olhos, corações e mentes. Não quero nem falar nos
talvez (na minha cabeça) mais proeminentes: Ivan e Iovane, dos Oliveira dos Fabrício.
Guardei na memória a bela
frase que dá título a esta crônica: “Herói não é somente aquele que derrama seu
sangue no campo de batalha”. Foi a abertura dum discurso de Raimundo Viana, de
Iraquara, então estudante de Ponte Nova, filho de seo Zezinho e dona Guió, neto
do velho Honório e dona Pianga, sobrinho de Prisa, irmão de Rui e Reinaldo (doutor
Reinaldo), além de outros e outras mais.
Raimundo Viana, na faixa dos 50 anos, com sua mãe Dona Guió (Guiomar Azevedo) (Foto: do arquivo de familiares) |
O aluno Raimundo Viana
discursava numa solenidade em Seabra (certamente relacionada com alguma
homenagem ao Instituto Ponte Nova), no prédio principal da cidade de então
(hoje, creio, é sede do gabinete do prefeito). Ele fazia o elogio ao chefe da
missão presbiteriana estadunidense (Dr. Baker? Fundação Baker?), dirigente da
instituição mantenedora do Instituto (me parece que o tradicional Colégio 2 de
Julho, hoje Faculdade, em Salvador, também foi cria dos mesmos presbiterianos).
O contexto da frase de
Raimundo é óbvio: herói era também o missionário, que não derramou o sangue
numa guerra, mas desbravou os rincões sertanejos da Bahia para implantar uma
escola que traria a luz da educação para os baianos.
Outro dos que chamo
intelectuais: Jeová Queiroz (filho de seo Franklin e dona Donana, irmão do nego
Robério e da professora Marilande, além de outros e outras mais).
Tão “intelectual” que,
certa vez, sentado no batente do bar de Osvaldo Sales (o mais importante da
cidadezinha), com uma rapaziada de nós, pobres mortais, caiu na temeridade de
usar o termo “contusão” durante trivial papo sobre um jogador machucado durante
algum jogo (certamente do Flamengo ou Vasco, times pelos quais a rapaziada
torcia, graças às emissoras de rádio do Rio de Janeiro, nossos únicos meios de
comunicação de massa: Mayrink Veiga, Nacional e Globo).
Contusão?! – espantamos
nós. Todos na roda desconheciam tal palavra. O nosso amigo, apesar da áurea de
estudante de Ponte Nova, devia estar equivocado: não seria “confusão”? Confusão!
- não tem nada a ver, o jogador está contundido, explicou Jeová meio perplexo.
Mas, diante da incredulidade geral, desistiu. Fez uma cara assim como pensando
(sem falar): “São uns bocós, imbecis...” (ou coisa parecida).
Jeová Queiroz, já com 68/69 anos, na praia de Porto de Galinhas (Pernambuco) (Foto: do arquivo de familiares) |
Foi Jeová que, certa vez,
me revelou a existência dum troço importante do organismo humano: o sistema
imunológico. Me disse que era bom a gente usar uma pomada, por exemplo, quando
tinha algum ferimento, porque iria fortalecer o “exército” de defensores do
corpo. Eu achei uma novidade simplesmente espetacular. (O assunto foi
badaladíssimo quando do auge do HIV e volta à berlinda agora nestes tempos do
coronavírus).
Foi Jeová, também, que
ensinou a mim e a meu irmão um pouco mais velho (Stimison) a jogar futebol de
salão. Com uma particularidade: a gente achava que Jeová, com aquela cara
de gozador, estava nos enrolando e nunca
conseguiríamos ganhar dele, pois a todo momento, a depender do lance do jogo,
ele “inventava” uma regra que o favorecia.
Já falei em outras
crônicas sobre Ponte Nova (lembranças da década de 1950) e tenho muito a falar
ainda. Por enquanto, registro logo que o Ginásio Municipal de Seabra, que
começou a funcionar em 1958, foi uma consequência, mais ou menos natural, da
existência do Instituto Ponte Nova.
É bastante lembrar as primeiras
(e queridas) professoras (e um querido professor) que iniciaram o ginásio,
todas saídas de Ponte Nova: Marilande Queiroz (diretora), Darcy Queiroz
(secretária), Iovane Oliveira (professor de Matemática), Dilcinha Abreu
(Português), Nog Sena (Francês), Zenilde Moreira (Geografia).
Será que esqueci alguém
deste grande time?
PS: O Instituto Ponte Nova foi criado por
presbiterianos dos Estados Unidos, em 1906, na hoje cidade de Wagner, a 390
quilômetros de Salvador (era Itacira, distrito de Lençóis). Além dos serviços
prestados à educação, em especial na região da Chapada, teve papel relevante na
área da saúde (a missão incluía um hospital). Teve influência também na cultura:
além do aparecimento dos “protestantes” (ou “crentes”), lembro, por exemplo,
com certa nostalgia, que a gente jogava beisebol.
Apesar de ter ficado na minha memória o nome “Dr.
Baker”, vi no Wikipédia que o missionário presbiteriano norte-americano
chamava-se William Alfred Waddell. Ainda segundo o Wikipédia, a escola foi
subsidiada pelos estadunidenses até 1971.
Pela década de 1950, época de minhas recordações, o
diretor do Instituto era “doutor Jaime”, como era conhecido entre nós. Trata-se
do pastor presbiteriano Jaime Wright, que tornou-se conhecido nacionalmente como
defensor dos direitos humanos. Nos anos 1970/1980, colaborou com a equipe do
arcebispo Dom Evaristo Arns na feitura do dossiê sobre os crimes da ditadura militar (tortura
e assassinato de oposicionistas), trabalho que resultou no livro ‘Brasil: Nunca
Mais’.
O “professor Jairo” (de Educação Física) era muito badalado
pelos estudantes por ser o organizador do time de futebol do colégio. Um time
respeitadíssimo na região. Havia inclusive um craque famosíssimo chamado Pedro
Hora, o qual, na sua opinião, jogava mais do que Pelé. “Não é brincadeira,
não”, me advertiu ele próprio um dia, muito seriamente (isso é tema para outra
crônica).
Comentários
Um grande e fraterno abraço.
Mauro Henrique Lourenço Menezes Viana.
Valdimiro Lustosa Soares
Meu amigo Jadson Oliveira, fiquei envaidecido e por que não dizer honrado, com a citação do meu nome na sua brilhante crônica. Estudei sim, no Instituto Ponte Nova na década dos anos 60 do Século passado (pôxa, faz tempo)! Convivi com muitos heróis e intelectuais da época. Joguei futebol na seleção daquele colégio, cujo instrutor era o professor Jairo. Meu pai foi coletor estadual em Itacira, hoje Wagner. Naquela “quadra” o prefeito era o Sr. José Benício de Matos, parente de Horácio de Matos. O hospital e o colégio davam vida à cidade e à região. Muitos estudantes (intelectuais) de todos os lugares iam estudar em Ponte Nova. Fui expulso do colégio, não por indisciplina, mas pelo rigor exacerbado da direção do Instituto Ponte Nova, anos depois, confessaram que, certas injustiças precisam ser corrigidas. Confessaram tardiamente. Após a expulsão fui estudar em Lençóis, cidade que me recebeu muito bem e que fiz grandes amizades, talvez por conta do futebol e que ainda conservo até os dias de hoje.
Continue a nos presentear com textos tão bacanas que nos enchem de vaidade. Viva os “heróis e intelectuais” de Ponte Nova e região! Um abraço virtual nesses tempos de coronavírus.
Lustosa.
Marie Denise D'Oliveira Gonçalves
Maravilha de crônica, como sempre!! Apesar de não ser da época, me dá um saudosismo!! Ao mesmo tempo, morro de rir!! Como acréscimo, quero deixar o registro de sua prima, Nilde. Minha mãe foi "escalada " pra servir na Lagoa da Boa Vista, pois o velho Sissi entendia que a educação tinha que chegar "aonde o povo está "! Assim, sua prima ia a cavalo toda semana e voltava ainda antes do fds. Ela tb conta que ficava na casa de um figurão, cheio da bufunfa, porém, era um pão-duro! Então, ela levava uns lanchinhos e escondia no quarto reservado para ela, senão morria de fome!! 🤣🤣🤣🤣😘🙃 Bjs grandes no seu coração!!