(Foto: reproduzido da Internet) |
Por Rosa Miriam Elizalde (*) – publicado em 20/03/2020 pelo portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe – Tradução: Jadson Oliveira (editor do Blog Evidentemente)
O navio cruzeiro MS Braemar, com cinco casos
confirmados de Covid-19 e mais de mil pessoas a bordo, atracou pouco antes do
amanhecer do último dia 18 no Porto de Mariel, a 40 quilômetros de Havana. O
corredor de evacuação aeroportuária rumo à pista do Aeroporto Internacional José
Martí, a partir do qual quatro aviões do Reino Unido transportaram os evacuados,
funcionou com notável precisão.
Enquanto o mundo sentiu o alívio e ainda é impossível
prever as consequências da pandemia, Cuba foi destaque pelo transbordo dos mais
de mil passageiros e tripulantes do Braemar, os quais, desde 8 de março, estavam
confinados num buque fantasma no Caribe.
A odisseia começou quando o cruzeiro da companhia
britânica Fed Olsen chegou a Cartagena (Colômbia), onde desembarcou uma
estadunidense diagnosticada pouco depois com coronavírus. A partir daí, cinco portos
caribenhos negaram a entrada do navio e as famílias dos passageiros apelaram
aos meios de comunicação para expressar temor pela sorte de seus seres queridos
e a possibilidade de se verem obrigados a percorrer o longo caminho de regresso
à Europa, expostos ao contágio massivo e talvez a uma morte em escala
industrial antes que o navio pudesse chegar à Grã Bretanha.
O alarmismo e a morbidez midiática que predominam
nestes dias em que se vive com o novo coronavírus converteram os passageiros e
tripulantes numa espécie de empestados. Anthea Guthrie, de 68 anos, passageira britânica
do Braemar, mostrou em sua página do Facebook um vídeo do momento em que o cruzeiro
era abastecido a 25 milhas de um dos portos onde não pôde atracar. Um barco rebocou
uma segunda barcaça rudimentar, sem motor nem tripulantes, para fazer chegar ao
Braemar sacos de arroz e cachos de banana, que integrantes da tripulação britânica
fizeram subir a bordo no meio da noite, como fugitivos de algum tipo de expedição
pirata.
O testemunho desse momento foi divulgado por Anthea
depois de conhecida a boa notícia de que Cuba os receberia. Ela postou outro vídeo
em que os passageiros, já relaxados sobre a coberta, agradeciam o gesto solidário
da ilha e faziam brindes à saúde dos cubanos. Como uma veterana nas redes
sociais, não só reportou os fatos a partir do barco, como criou o hashtag #DunkirkSpirit (Espírito
Dunkerque), que alude à evacuação de 330 mil soldados aliados – a maioria britânicos
– das costas francesas em maio de 1940, no início da Segunda Guerra Mundial, quando
Adolfo Hitler parecia invencível.
Para nós Dunkerque não fala apenas de heroísmo, mas
também de humanidade. Significa que há saídas na pior das circunstâncias e, desta
vez, temos que agradecer a Cuba, comentou Anthea, aliviada com a notícia de que
o cruzeiro atracaria na ilha.
A decisão de Havana de permitir a entrada do MS
Braemar, depois da solicitação dos governos de Reino Unido e Irlanda do Norte,
não surpreendeu os cubanos, que têm uma longa tradição de colaboração médica e
humanitária. Desde os inícios da década de 1960, milhares de trabalhadores da
saúde têm colaborado com quase todos os países pobres do mundo. Mais de 35 mil
estudantes de Medicina de 138 países formaram-se gratuitamente na ilha. Depois
dos devastadores terremotos no Paquistão (2005) e Haiti (2010), ou durante a
crise do ebola na África ocidental, em 2014, os médicos cubanos foram os primeiros
a chegar aos territórios marcados pela devastação.
A colaboração cubana na área da saúde e seus
indiscutíveis resultados científicos, particularmente no campo da biotecnologia,
têm provocado a ira venenosa nos privilegiados de sempre e a simpatia e afeto
nos carentes de sempre. A verdade, porém, é que Cuba, tábua salvadora para
muitos durante a pandemia do Covid-19, vem sendo distinguida com expressões de
carinho dirigidas ao exército dos coletes brancos. Os governos latino-americanos
que sob pressão de Washington expulsaram os médicos, hoje vivem o duplo calvário
do coronavírus e da reclamação de seus povos por tal ato de soberba e
estupidez. Uma fila de nações reclama a colaboração médica e os medicamentos da
ilha, que demonstraram eficiência no tratamento dos enfermos.
O grande paradoxo é que, enquanto os barcos com
petróleo e alimentos contratados por Cuba são perseguidos pelos Estados Unidos,
os barcos com os enfermos que ninguém quer em seus portos recebem solidariedade
e respeito em Cuba. O regime de Trump, por certo, se negou a receber o Braemar,
segundo noticiou o jornal inglês The Independent.
As duas palavras mais repetidas logo depois do
socorro ao MS Braemar no Twitter foram ‘Cuba salva’. Nenhuma casualidade.
(*) Jornalista
cubana, editora do site Cubadebate.
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