Um branco que viveu o colonialismo será um branco
que viveu o colonialismo até ao dia da morte. E toda a minha verdade será para
eles uma traição. Estas palavras, uma
traição. Uma afronta à memória do meu pai.
Pagavam-lhes o trabalho escravo com porrada mais a
farinha, que comiam com as mãos, aqueles porcos negros.
Por Isabela Figueiredo – do livro ‘Caderno
de memórias coloniais’, editora portuguesa Todavia, páginas 164/165 (título
e destaques acima são da edição deste blog)
(...)
Eu quero estar sozinha no
mundo. Não me saturem com as palavras brutais que tive de escutar a vida
inteira sem poder protestar.
(...)
As pessoas não mudam.
Quando as reencontramos, muitos anos depois, percebemos por que nos afastámos
(português de Portugal).
“Os negros, os cabrões,
os filhos da puta. Vim de lá há um ano. Nunca deixei que me faltassem ao
respeito. Chamavam-me mamã, chamavam-me tia, e eu dizia-lhes, não sou tua mãe,
que eu não sou puta. Nem tia, meu cabrão. E não me assaltas porque eu sou branca
e estrangeira; e ponho a polícia atrás de ti, meu escarumba de merda”.
Ouvi isto toda a vida.
Venham falar-me no
colonialismo suavezinho dos portugueses... Venham contar-me a história da
carochinha.
As pessoas não mudam. Um
branco que viveu o colonialismo será um branco que viveu o colonialismo até ao
dia da morte. E toda a minha verdade será para eles uma traição. Estas
palavras, uma traição. Uma afronta à memória do meu pai. Mas com a memória do
meu pai podemos bem os dois.
Os carniceiros foram
todos tão bonzinhos que quando matavam o cabrito davam as vísceras aos pretos.
A tripa. A pele. Pagavam-lhes o trabalho escravo com porrada mais a farinha,
que comiam com as mãos, aqueles porcos negros; e se os faziam trabalhar sete
dias por semana, sem horário, era apenas o legítimo tratamento de que
precisavam os preguiçosos. Um favor que o branco lhes fazia. Civilizar os
macacos.
E agora, no Maputo, uma
falta de respeito. “Faltamos lá nós. Têm saudades. Um branco é constantemente
assaltado. Na rua. Em casa. Roubam-nos tudo, os cabrões. E estragaram aquela
terra. Queimaram-na”.
(...)
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