Sociólogo Jessé Souza (Foto: Internet) |
A classe média brasileira não se comove com a morte
ou mesmo o massacre de milhares de pobres, os quais são vistos como “gente
inferior”.
Quem consome cachaça ou cerveja barata e come bife
gorduroso no almoço é percebido como sendo “menos gente” por todos das classes
privilegiadas.
Por Jessé
Souza (sociólogo) – Extraído do livro ‘A
classe média no espelho’ (editora Estação Brasil), páginas 64/65 (título e
destaques acima são da edição deste blog)
(...)
O consumo
de vinhos caros, roupas elegantes, iguarias requintadas, acompanhado de formas
específicas de comportamento social, expressas no modo de andar, de falar ou de
se dirigir às outras pessoas, criam os vínculos mais sólidos de solidariedade
de classe, conferindo uma sensação de superioridade àqueles que participam
desse estilo de vida. A classe do privilégio pode se reconhecer facilmente na
rua ou num evento social, constituindo uma espécie distante e, sobretudo,
superior de ser humano.
As
amizades, os casamentos – 99% das pessoas casam dentro de sua classe social -,
os relacionamentos pessoais e de negócio, tudo será facilitado pela percepção
imediata do compartilhamento de um mesmo estilo de vida, baseado num gosto
comum. Essa sensação de pertencimento de classe social não é consciente nem
explícita. É uma sensação prática, que transmite a certeza emotiva de se estar
diante de um igual, “gente como a gente”, o que gera simpatia e empatia
imediatas.
A classe
média brasileira não se comove com a morte ou mesmo o massacre de milhares de
pobres, os quais são vistos como “gente inferior”. Mas se comove muito com o
drama humano de um único indivíduo de sua classe, quando é sequestrado ou
morto.
Esse tipo
de solidariedade e empatia imediata entre os membros de uma classe se contrapõe
ao preconceito em relação aos que não fazem parte do mesmo mundo social. Assim,
quem consome cachaça ou cerveja barata, come bife gorduroso no almoço, veste
camiseta regata e bermuda e fala com erros de português, sem demonstrar o menor
senso estético, é percebido como sendo “menos gente” por todos das classes privilegiadas.
Isso não exclui o contato social, quando, por exemplo, entram nas casas de
classe média para fazer a faxina ou consertar algo. Mas com essa gente não se
travam amizades reais, não se casam, não se fazem negócios.
É assim
que o mundo social se mantém desigual apesar da pretensão formal de igualdade
jurídica entre as pessoas. É assim que o pertencimento de classe efetivamente
atua em nosso cotidiano. E isso acontece em todas as atuais sociedades
capitalistas, seja na periferia do sistema, como no México e no Brasil, seja no
centro, como nos Estados Unidos e na França.
Aqui se
nota como é idiota – não há termo melhor, pois faz de imbecis aqueles que nisso
acreditam – a noção de que existiria um jeitinho brasileiro, só nosso, um
planeta vira-lata e verde-amarelo só dos brasileiros. Em todas as sociedades
modernas, são essas ligações emotivas e personalíssimas que estão por trás de
todo tipo de privilégio.
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