...por não terem acesso aos mesmos símbolos de
status e de bom gosto. Nem é preciso escrever na lei que essas pessoas são
gente de menor valor, pois elas próprias estão convencidas disso, na prática
cotidiana...
Por Jessé
Souza (sociólogo – autor de ‘A elite do atraso’) – Transcrito do livro ‘A classe média no espelho – Sua história,
seus sonhos e ilusões, sua realidade’ (editora Estação Brasil), páginas
67/68 (título e destaque acima são da edição deste blog)
(...)
O
decisivo aqui é constatar a forma pela qual se dá a legitimação e justificação
dos privilégios injustos da classe média e da elite em detrimento das classes
populares, seja dos trabalhadores, seja dos marginalizados. A “superioridade”
das classes do privilégio positivo, herdada do berço, não precisa estar escrita
na lei jurídica, pois está inscrita em nosso comportamento prático corriqueiro.
A lei formalizada nos códigos normalmente se curva à lei prática de uma
sociedade. Mais ainda, aparece como superioridade óbvia sem estar escrita em
nenhuma parte, o que dificulta sua crítica e facilita sua difusão em todas as
classes.
Assim, o
sonho de toda criança das classes marginalizadas é ter um tênis Nike ou um
iPhone, produtos corriqueiros entre os filhos da classe média real. As classes
subalternas já se percebem como inferiores por não terem acesso aos mesmos
símbolos de status e de bom gosto. Desse modo, nem precisa escrever na lei que
essas pessoas são gente de menor valor, pois elas próprias estão convencidas
disso, na prática cotidiana, pela impossibilidade de ter acesso a mercadorias
que são mais um símbolo de distinção social do que algo para uso concreto.
Nesse
sentido, as classes médias no Brasil usam de subterfúgio semelhante ao das
classes médias de outros países – invalidando a sociologia do planeta verde-amerelo,
corrupto por natureza, que herdamos de nossos “pensadores”. A forma de
exercício do privilégio é semelhante. A concepção vira-lata do jeitinho
brasileiro serve para outros fins, como veremos adiante. Mas, sem apelar a esse
vira-latismo, há de fato entre nós uma singularidade da dominação social na
relação entre as classes privilegiadas e as classes populares.
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