NOVA ETAPA DO CAPITALISMO DEIXA ESQUERDA SEM RUMO: POR QUE TEMOS DIFICULDADE DE MOBILIZAÇÃO? (parte 3)
Sérgio Gabrielli: “Quando estávamos encontrando as respostas, as perguntas mudaram” (Fotos: Smitson Oliveira) |
O mundo empresarial mudou e
o mundo do trabalho também. Como ficam então os partidos e sindicatos? Perdemos base na sociedade. A utopia não mobiliza. A direita nos
encurralou e só agora estamos saindo das cordas.
Por Jadson Oliveira –
jornalista/blogueiro – editor deste Blog Evidentemente
Ampliamos aqui a cobertura da palestra/debate com o
professor de Economia José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás, evento
ocorrido em Salvador no dia 27 de julho último e já objeto de várias matérias
deste blog. O assunto continua: o declínio do desenvolvimento baseado na indústria
e a hegemonia do capitalismo financeiro, também chamado capitalismo improdutivo.
Diante da nova realidade estrutural, as forças democráticas e populares buscam definir
tática e estratégia para enfrentar o governo de extrema direita presidido por
Jair Bolsonaro.
GABRIELLI COM A PALAVRA:
“A Petrobras está sendo desmontada”
“A
Petrobras era o centro duma política industrial, ia construir um núcleo de
conteúdo nacional utilizando o pré-sal brasileiro, ia construir uma indústria
nacional forte, 1 milhão de postos de trabalho associados aos investimentos da
Petrobras, iria gerar recursos para financiar a educação.
Então, o
que resta deste modelo? Nada. A Petrobras está encolhendo, sendo desmontada. As
empresas de conteúdo nacional estão quebradas e o fundo social com recursos que
seriam usados para a educação está se desmontando”.
O conceito de categoria de trabalhadores mudou.
Como ficam os sindicatos? Por que temos dificuldade de mobilização?
Ao falar
da redução da atividade industrial e do número de operários no ABC paulista
(assunto já tratado em matérias anteriores), Gabrielli registra que “entre os
metalúrgicos do ABC paulista, a direita ganhou as eleições” e continua:
“Se nós
imaginarmos que a maioria dos trabalhadores não será de uma categoria única, a
não ser, talvez, o que resta da categoria dos funcionários públicos, porque a
maioria vai mudar de categoria, vai haver uma rotatividade alta.
Então, o
conceito de categoria, que é a base do movimento sindical, se altera. Como é
que vamos pensar na mesma forma de organização sindical que tínhamos antes se a
base real da categoria dos trabalhadores é outra?
Auditório do Sindae lotado: os dois palestrantes do dia, Gabrielli e Olívio Dutra, na frente no canto à esquerda |
Alan, um dos que participaram do debate, levantou as questões da geopolítica e do avanço do imperialismo, lembrando o papel dos EUA na atuação da Operação Lava Jato |
Bira (Ubiratan Félix), do Sindicato dos Engenheiros, destacou a destruição do setor de engenharia pelas forças hoje dominantes no Brasil, denunciando o desrespeito à legalidade democrática |
Se
imaginarmos a realidade do trabalho em casa, do trabalho virtual, da uberização
das relações de trabalho, nós vamos entender que há muitas perguntas novas que
devemos responder.
Não acho
que é apenas porque estamos longe do trabalho de base, do trabalho cotidiano,
que nós estamos com dificuldade de mobilização. É também porque não temos
propostas para essa nova forma de trabalho, é também porque não temos proposta
de como organizar a sociedade diante dessas novas características”.
Qual o papel dos partidos? Experiências de frentes
envolvem movimentos e partidos
Depois de
destacar o declínio da indústria e a hegemonia do capitalismo financeiro – a
explosão dos fundos de investimento, com patrimônio que chega a 4,2 trilhões de
reais, operando 19 trilhões de reais por ano (3 vezes o PIB brasileiro) -,
assunto também tratado em matérias anteriores, Gabrielli observa: “Temos aí um
conjunto de questões do capital que afeta o trabalho e muda a relação do
capital com o trabalho”. E continua:
“Nesse
quadro, qual é o papel dos partidos? Infelizmente não encontramos ainda
substituto à altura dos partidos. É verdade que muitos dos movimentos sociais
do mundo caminham para serem movimentos de frentes. Recentemente temos aí um
grande movimento crescente de frentes, frentes que articulam movimentos e
enfrentam o poder dominante. (Citou o Podemos, na Espanha, o movimento de
esquerda na Irlanda, o Syriza, na Grécia, a Geringonça, em Portugal). São
experiências que estão avançando, que estão além dos partidos, envolvem
movimentos e partidos”.
A direita conseguiu mobilizar gente e nos
encurralou. Estamos saindo das cordas agora
“Qual é a
situação hoje no Brasil? Há a questão de Frente Popular Democrática ou Frente
Ampla. A questão é que tivemos uma derrota estratégica na eleição e esta
derrota não foi só na eleição, foi uma derrota estratégica que nos isolou da
sociedade.
Não que
não éramos fortes, porque continuamos fortes no movimento sindical, fortes no
movimento das mulheres, no movimento estudantil – digo nós como a esquerda em
geral. Estamos fortes no movimento organizado, mas perdemos base na sociedade.
E a direita botou a cara na sociedade, a direita se afirmou, passou a ter
coragem de se afirmar, conseguiu ter base de massa, conseguiu mobilizar gente e
nos encurralou.
E nós
estamos saindo das cordas agora. Estamos num processo de reconstrução, não com
relação ao movimento social clássico. As perguntas têm que ser outras e as
respostas têm que ser outras, frente aos novos movimentos da sociedade”.
“Hoje nós temos uma outra juventude”
“As
nossas juventudes de hoje não são iguais às do nosso tempo, a situação de hoje
é diferente do que foi o movimento estudantil há 60 anos atrás. A situação
etária do país era outra, hoje nós temos uma outra juventude. E não só isso,
também a relação entre a juventude e os mais velhos mudou. A proporção entre
quem tem menos de 15 anos e quem tem mais de 60 mudou no país. Temos hoje uma
população mais idosa, temos hoje uma população jovem menos homogênea, muito
mais heterogênea do que era antes”.
Na mesa, Valdimiro Lustosa, Osvaldo Laranjeira (dois dos organizadores do debate, o outro foi Goiano/José Donizette) e Gabrielli |
É possível indústria de conteúdo nacional sem ter
uma Petrobras?
“Então,
se nós não conseguirmos construir um projeto... porque foi um projeto que nos
levou ao governo: um projeto de aumento do mercado interno, com inclusão social
e distribuição de renda e utilizando o Estado para aumentar a distribuição de
renda.
Este
projeto é viável agora? Temos que rediscutir. É possível expandir o mercado
interno sem ter indústria? É possível indústria de conteúdo nacional sem ter
engenharia no Brasil? É possível sem ter uma Petrobras? É possível você basear
a expansão do país na criação de emprego e renda industrial? Como incorporar o
setor de serviços, a expansão dos direitos das empregadas domésticas no
processo de distribuição de renda?
Como é
que vamos manter a política de distribuição dos recursos públicos, que passam a
ser os elementos centrais na disputa da renda nacional, sem ter decisões
institucionais?
Precisamos
então repensar o modelo, uma proposta global para a sociedade, porque nós não
temos tal proposta. Isso não vai ser fruto de intelectuais – vai ser fruto do
próprio movimento, do amadurecimento da compreensão do que está acontecendo.
Este é o primeiro elemento da questão”.
Goiano (de chapéu) com Evaldo e Mauro Geosvaldo |
Lustosa (no meio) com seu filho Pedro, sua mulher Edna, sua irmã Dina e Olívio |
As pessoas não se mobilizam se elas não acreditam
que podem ganhar. A utopia não mobiliza
“O
segundo elemento: é importante ver os instrumentos subjetivos. As pessoas não
se mobilizam se elas não acreditarem: primeiro no que querem – precisam saber o
que querem; segundo, é preciso que elas acreditem que podem ganhar, porque se
você não tiver esperança de ganhar... a utopia não mobiliza, a utopia leva você
à paranoia, à depressão, porque você não consegue realizar a utopia e termina
imobilizado.
Daí que
precisamos criar as condições de retomar a chance de vitória, precisamos criar
mais forças de união que sejam capazes de derrotar o adversário. Adversário que
está dividido, porém, é um adversário que tem núcleos poderosos e fortes,
ideologicamente muito bem definidos, com base militar, nunca tivemos tantos
militares no governo (a não ser no governo militar pós golpe de 1964)”.
PS 1: A análise que Gabrielli nos apresentou em Salvador – que merecerá
ainda deste blog uma parte 4 -, estará presente, de alguma forma, nos debates
dos quais está participando no âmbito do PT e outros partidos e movimentos
sociais, a nível nacional, durante este semestre, em busca de resoluções
políticas das forças progressistas.
PS 2: Gabrielli fará palestra
em Seabra, na Chapada Diamantina (interior da Bahia), no próximo dia 17 de
outubro. Este blog vai se encarregar da cobertura jornalística. Aguardem
detalhes.
Comentários
• Bernardo Improta - Caro Zé Sérgio.
Tudo começou lá atrás quando o PT lançou com a adesão de seus aliados, incluindo a CUT e o MST a Carta aos Brasileiros que não passou da capitulação do PT e seu governo a burguesia. Provavelmente levado pelas antigas afirmações de Mário Amato teria que acalmar o patronato.
Lula tornou-se amigo de Roberto Marinho e da Dona Lili uma relação ao meu ver promíscua. Hoje, no cárcere, ele tem convicção de que a direita é dissimulada e joga conforme o jogo.
A título de sugestão para vocês "saírem das cordas". Que recomecem do ponto em que vocês desprezaram para se domesticarem à burguesia se é possível!
Particularmente acho difícil porque os dirigentes partidários e sindicais estão mais pesados que um idoso paquiderme. Mas vamos torcer.
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• Henrique Ruscitti - O povo tomou aversão ao PT, nem com barra de ouro, conseguiria mobilizar hoje, George Soros, não consegue mobilizar nem mula, em beira de estrada, pagando 100 reais por hora.