Olívio Dutra (Fotos: Smitson Oliveira) |
O ex-governador gaúcho defendeu
em Salvador uma reciclagem do PT: os governos petistas construíram políticas
públicas, mas não tocaram nas estruturas de poder. “As reformas foram ficando
só no discurso – é evidente que tem de haver uma autocrítica”, disse.
Por Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro – editor deste Blog Evidentemente
Numa
época em que a política foi duramente criminalizada – a política, os políticos
e, em especial, os petistas, chamados até de “petralhas” -, o ex-governador do
Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, um dos fundadores do PT, fez em Salvador uma
veemente exaltação do fazer política: só através dela podemos mudar este mundo
prenhe de injustiça e desigualdade.
Foi no
último sábado, dia 27, no auditório do Sindae (nos Barris), para uma plateia de
250 pessoas, a maioria “jovens” de 60/70 anos, mas também com a presença
alvissareira de algumas dezenas de jovens (sem aspas). O outro palestrante foi
o economista baiano José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras.
Olívio
defendeu uma política feita com o povo (e não para o povo). Ou seja, um tipo de
política com plena participação popular, como de fato praticou, com mil e uma
dificuldades, quando prefeito de Porto Alegre (1989/92) e governador do estado
(1999/2003).
“Temos
que atuar de baixo para cima, todos nós temos que ser sujeitos e não objetos da
política, tudo que vem de cima para baixo é para piorar”, pregou ele, que foi
também ministro das Cidades do ex-presidente Lula e, na década de 1970, em
plena ditadura militar, presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre.
Mostrou
passo a passo na história que, ao contrário, tudo no Brasil vem sendo feito de
cima para baixo, em proveito das elites e contra os interesses populares e
nacionais. Falou dos 350 anos da escravidão negra, da fase do império, do
extermínio na Guerra do Paraguai, da proclamação da República com os
“republicanos escravocratas”, da imigração dos europeus para o “branqueamento”
dos brasileiros, da Revolução de 1930 e da formação dos sindicatos e da CLT.
José Sérgio Gabrielli e Olívio Dutra, os dois palestrantes |
Auditório do Sindae ficou superlotado: em torno de 250 pessoas |
Ex-deputado
constituinte em 1988, lembrou como as reformas estruturais foram sendo
abandonadas. E já falando do período dos governos petistas, com a dependência
da formação de maiorias no Congresso, em busca da “governabilidade”: o sistema
tributário injusto foi mantido, não se fez a reforma agrária, nem a reforma
política, nem a judiciária, o orçamento da União foi estilhaçado com as emendas
parlamentares.
(Acrescento
como contribuição deste repórter: não foi feita – nem sequer tentada – a tão
falada regulamentação da mídia. A população ficou desarmada diante do
bombardeio diário das campanhas anti-populares e anti-nacionais, promovidas
pela Rede Globo e demais comparsas dos monopólios midiáticos. Campanhas, nos
últimos anos, supostamente de combate à corrupção, em conluio com a Lava Jato e
o Judiciário).
A metáfora da enxada (o PT
precisa ser afiado)
Palavras
de Olívio: “Um partido é como um instrumento. Uma enxada, por exemplo: o
agricultor não vai para o eito com uma enxada enferrujada, sem o fio ou com
dentes no fio. A nossa enxada tocou em toco, em pedra, então o fio dela pode
estar precisando ser afiado. Precisamos afiar o fio dessa nossa ferramenta. E a
enxada não pode estar frouxa no cabo. Se está frouxa temos de colocar uma cunha,
uma cunha nova pra apertar bem a folha. O agricultor não vai para o eito com a
enxada numa mão e o chimarrão na outra (pra usar no caso o gaúcho). Ele vai
segurar o cabo da enxada com as duas mãos. A nossa ferramenta tem de estar bem
firme nas nossas mãos e tem de estar permanentemente sendo afiada, porque ela
vai topar terrenos pedregosos, perigosos, de toda ordem, porque não vamos achar
sempre o terreno ideal. Vamos cuidar da nossa ferramenta e ela tem de estar nas
mãos das bases”.
(Enquanto
Olívio Dutra deu seu recado militante, Sérgio Gabrielli deu subsídios para a
militância compreender a realidade concreta na qual vai atuar. Mas esta parte
será objeto duma próxima matéria).
Mais palavras de Olívio (até
hoje, aos 78 anos, militante político):
“Nós
criamos o Ministério das Cidades e nunca se falou da reforma urbana”.
“Não mexemos
nas estruturas fundamentais do Estado brasileiro: nas esferas federal,
estaduais e municipais, e nos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário”.
“Se diz
que para mudar as coisas precisamos dum cara bom, como o Lula. Não, não é assim
que a coisa funciona. Temos de fazer uma reflexão de como atuar numa realidade
adversa como a de hoje, mais adversa do que aquela da ditadura, onde estava
claro quem era o inimigo, o adversário. Agora não, agora a realidade é muito
mais complexa, cheia de meandros, coisas que se disfarçam, que enganam. O que
temos de fazer? Fazer, por exemplo, como estamos fazendo aqui. Temos que
aprender uns com os outros”.
“A estrutura
tributária brasileira é pesada, mas é muito mais injusta do que pesada. Num
país como o nosso, ela tem que servir também como um elemento distribuidor de
renda. A reforma tributária que vem aí (no governo Bolsonaro) não se pode nem
pensar nisso. A que apresentamos (no governo Lula), que tinha sido discutida
com os movimentos sociais populares – claro que a discussão deveria ter sido
muito mais ampliada -, foi sendo abandonada, pois desagradava a nossos aliados.
A reforma agrária, que era necessária, urgente – nós a tínhamos no nosso
discurso -, foi ficando como na Constituinte. Ficou para o Judiciário resolver.
O Judiciário e não a luta social, o interesse social”.
“Eu não
tenho a pretensão de responder ‘o que fazer?’ (conforme perguntas feitas em
intervenções da plateia). Meu caminhãozinho não tem capacidade para tanta
areia. Mas é evidente que não dá pra fazer o que vínhamos fazendo. É evidente
que tem de haver uma autocrítica. Mas autocrítica não é dizer que o culpado é
Fulano ou Beltrano, e sim avaliar a experiência do nosso partido e também das
forças de esquerda com as quais compomos”.
“A democracia
não é uma receita pronta e acabada, é uma obra aberta para ser aperfeiçoada.
Temos que qualificá-la, ampliando a participação consciente e cidadã, e o
controle público sobre o Estado. O Estado não é propriedade dos governantes,
dos seus partidários, dos seus familiares, dos seus financiadores de campanha.
O Estado Democrático de Direito só pode acontecer na medida em que o povo está
controlando a máquina pública, a qual está sempre em disputa”.
“O Estado
brasileiro continua sendo uma espécie de propriedade privada das elites”.
Os palestrantes com os organizadores do evento: Goiano (José Donizette), Valdimiro Lustosa e Osvaldo Laranjeira |
“A luta
democrática para nós é fundamental, a luta pela liberdade do Lula é uma luta
democrática. Não porque é o Lula, mas porque ele é a representação de um
projeto coletivo, solidário. Temos muita luta a fazer: conscientização,
mobilização e reforço das organizações populares”.
“Não
vendo a ilusão de que vamos sair disto que temos hoje e cair no socialismo. Não
há condições para isso. Mas eu sou socialista, cristão, marxista... imagina o
que é isso: talvez não um bom cristão, nem um bom socialista, mas sou um
lutador social que está sempre disposto a aprender e, junto com outros,
construir um mundo de solidariedade e fraternidade, que é um mundo que não cabe
no capitalismo, é um mundo a ser feito”.
“O ser
humano não se realiza se não se realizar na sua dimensão política. Ser
político, portanto, não é ter um cargo, um mandato executivo, legislativo.
Evidente que como partido precisamos eleger representantes para nos
representar, não para nos substituir, e gente séria”.
“Ser
político é da natureza do cidadão, do ser humano. Quando a gente nasce, o parteiro
(ou a parteira) dá um tapa na nossa bunda e a gente grita, chora, porque a
gente está saindo de um mundo e entrando num outro mundo, somos políticos até
na hora que estamos nascendo”.
“Ocorre
que a gente não se assume como político e acaba sofrendo a política dos outros,
inclusive dos nossos partidos de esquerda. Partidos centralizados, decidem as
coisas de cima pra baixo. O PT surgiu criticando essas coisas, mas às vezes a
gente diz uma coisa e pratica outra”.
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