Foi aqui, junto do Forte S. Pedro, chegando ao Campo Grande, que sucederam alguns fragmentos de minha vida |
Não deu: deixei escorrer minha promissora carreira bancária, estranhas
ideias começavam a mexer comigo, a onda hippy, o comunismo, as utopias
entortavam meus pareceres de jovem sonhador...
Por Jadson Oliveira –
jornalista/blogueiro – editor deste Blog
Evidentemente
Seria apenas mais um
perdido pelas ruas da cidade? Ia subindo a avenida Sete, início da noite, rumo
ao Campo Grande, cambaleando… delirava? Vicentão ia ficando para trás: “Não vou
mais, Jadinho, já estou bêbado, vamos pra casa. Você não pode andar por aí
assim... sozinho... vamos embora”.
Lá me fui tentando um
equilíbrio impossível. Não ouvia mais Vicentão, meu querido amigo, 34 anos de
jornal e boemia, meu direitista predileto – aliás, não o ouço mais, não o vejo
mais, nunca mais, escafedeu-se, embarcou com bilhete só de ida na canoa do
Caronte, como rezam essas mitologias.
Mas eu queria justamente
passar por aqui, não nos ermos dos mortos, mas aqui, junto do Forte São Pedro, onde
também me vem a sombra da morte, de Tirson, do antigo Bar do Tirson, o
ex-craque do Bahia que queria porque queria me cobrar 20 reais numa dose de
Cavalo Branco, “porra, Tirson, você pode entender muito de bola, mas não sabe
porra nenhuma de preço de uísque”, mas eu estou confuso, misturando as coisas,
outro dia conto esta parte.
Foi aqui - era isso que eu
ia dizendo - foi aqui que vivi o ápice da minha quase brilhante carreira
bancária, no antigo BANEB (o Banco do Estado da Bahia, “doado” pelo velho
cacique ACM ao Bradesco, nos idos dos anos 1990), subgerente duma agência do
BANEB na capital, lá pra 1969, com 24 aninhos, minha mãe orgulhosa do filho
promissor, a confiança sempre renovada do chefe de Recursos Humanos (chamava
FUNCI o departamento), seo Argolo (Argolão, a gente dizia entre a gente, era –
ou ainda é - um homem grande).
Mas não deu, deixei
escorrer minha futurosa carreira, estranhas ideias já começavam a mexer comigo,
a onda hippy, o comunismo, as utopias entortavam meus pareceres de jovem
sonhador/generoso/besta, as coisas não casavam, o gerente, meio durão, meio
caretão – pode-se dizer “normal” – até que foi legal, tentou me levar ao
caminho natural, mas não deu.
A gota d’água foi numa
manhã em que um taxista chegou lá me cobrando uma corrida feita na madrugada, a
partir da antiga casa de mulheres 63, na Ladeira da Montanha. Realmente não
caía bem para um funcionário com a patente de subgerente... eu joguei a toalha
e o gerente apoiou, aliviado. Sentei e bati na máquina (de datilografia, claro)
o pedido de dispensa da função.
Era bem aqui a agência - eu
apontava, gesticulava -, era aqui, agora tem uma agência dos Correios, o banco
mudou-se pra Rua João das Botas, hoje Bradesco. Mirava pras bandas de cima, pro
lado do Campo Grande, mas não mais caminhava, estava estendido no chão, um
bocado de gente me cercando, um casal me apalpava – seriam anjos? -, parece que
pegaram meu celular, depois uma moça iluminada chegou – seria minha fada
madrinha? -, “o senhor conhece esta moça?”, eu sorrindo, meio abestalhado,
delirante, “é a paixão dos meus 50 anos”, e para ela: “estou bem, mas não me
deixam levantar, o que está acontecendo?” “É a sua ex-mulher!!!??? Meu Deus,
você é um cara abençoado, se fosse a minha ex era capaz de querer passar o
carro por cima de mim”.
Parece que me fugia a
consciência, escorria um pouco de sangue da testa, me doía a mão esquerda, eu
tentava ficar de pé e não podia, ou não deixavam, “o culpado foi Vicentão, ele
se picou e eu ia andando, andando... não sei...” Senti que levitava, ia subindo
devagar, as vozes se apagando pouco a pouco, minha fada madrinha, com incríveis
asas brilhantes, me levando para o nada para o ermo, “estou bem... estou
bem...”
Comentários
deta
Bem: esse Vicentao heim??? Sempre ele, dupla terrível da Djama Dutra e 2 de Julho.
Texto brilhante, grande abraço.
Sinval