O IMPONDERÁVEL TE PRIVOU DO SUPREMO PRAZER DE VOTAR EM BOLSONARO


Amigo é amigo... e uma verdade filosófica que me é cara: ninguém é Santo o tempo todo e, também, ninguém é Satanás o tempo todo.

Por Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro

Meu amigo Vicentão,

Ando todos os dias pelas ruas e becos das imediações da Piedade, centro de Salvador, espio a mesa vazia “de Dominguinho” no bar do Zequinha, busco, instintivamente, logo abaixo de cada cabelo branco que vislumbro entre o burburinho de gente um rosto que não encontro mais.

Um rosto, uma cumplicidade alimentada nos 34 anos de convivência no jornalismo e nos bares/botecos da cidade, uma imensa saudade...

Um sentimento contraditório me bate nestes tempos em que os valores humanistas são golpeados por um candidato a presidente da República e seus seguidores, momentaneamente vitoriosos; nestes tempos em que uma expressiva parte dos brasileiros e brasileiras - muitos, acredito, levados pela desinformação - aderem ao partido do ódio e da intolerância.

Nesta sexta, dia 19, você estaria fazendo 78 anos. Será que nossa amizade resistiria a estes tempos? Creio que sim... Afinal, nos últimos anos já havíamos diminuído bastante nossas “brigas”.

“Brigas” que, na verdade, nunca levaram a nada. Desde os velhos tempos do teu malufismo exacerbado – “para ser presidente do Brasil o cara tem de ser bandido”, você dizia.

“Um cara direitista desse, como é que você aguenta beber toda noite com um cara desse?”, se indignavam alguns amigos.

Às vezes eu tentava amenizar um pouco: “Bem, você tem razão, mas uma coisa eu garanto: ele nunca foi carlista; além disso, tem uma pequena fase de sua vida em que ele foi brizolista, são atenuantes que a gente tem de considerar”.

Amigo é amigo... e uma verdade filosófica que me é cara: ninguém é Santo o tempo todo e, também, ninguém é Satanás o tempo todo.

Mas é difícil te defender, meu amigo.

Sei e posso afirmar com segurança: muitos anos antes de um Bolsonaro pintar no horizonte, você já era racista, machista, homofóbico; defender os direitos humanos, os direitos dos trabalhadores, mais oportunidades para os pobres? Nem pensar!

E “bandido bom é bandido morto”. Quantas vezes a gente discutiu na redação da Tribuna da Bahia quando você reproduzia aqueles clichês das matérias policiais dando conta de que “o bandido morreu ao trocar tiros com a polícia”.

- Vicente, você sabe mais do que eu que na maioria das vezes isso é mentira.

- Oh Jadinho, você quer defender bandido, é?

Daí que pra você seria uma delícia viver num tempo em que Bolsonaro ensaia publicamente o fuzilamento de “petralhas”. Você adorava este termo “petralha”. Quer dizer, era bolsonarista antes de Bolsonaro.

Valeria a pena tentar te convencer a não votar em Bolsonaro? Não digo votar em Haddad, isso nem pensar, mas pelo menos não votar.

Estimo em 99% se tratar duma missão impossível, mas, porém, todavia... deixo aí 1% de esperança por conta do teu espírito solidário/humanista nos momentos mais difíceis dos nossos colegas caídos em necessidade.

Além do mais, Haddad não é mais Lula, é Haddad mesmo; não é mais candidato do PT, mas da Frente Democrática; e sua cor não é mais o vermelho, mas as cores da nossa bandeira.

De qualquer forma, sei que não vamos mais “brigar” e não verei mais teu rosto bonito arrodeado de cabelo branco. Ficam as últimas e pungentes lembranças:

- Não quero que ela me visite, estou muito feio.

- Jadinho, me ajude a morrer.  

Comentários

Unknown disse…
Jadson obrigado por este texto.
Bolsonazi perdeu um voto.
Mesmo no artigo fúnebre saudosista, sentir saudades dos becos e botecos da velha Salvador. Abcs Jadson
Assina, Rui Baiano Santana
Unknown disse…
Só vc mesmo Jadson, pra ter tanta paciencia.��

Rubia
Unknown disse…
Bela lembrança, Jadson... Isso é mais uma prova não só da fidelidade aos amigos, mas de sua humanidade.
Afinal, ser bombardeado pelo discurso de Vicentao e manter-se como vc, é tarefa difícil pra muita gente.
Mas confesso que também fiquei tocado pela homenagem, e a saudade também fez um rasgo em mim. So mesmo Vicentao
Unknown disse…
Que lindo, meu querido amigo 'cururu'. Texto de um verdadeiro e inesquecível amigo, como você foi (continua sendo, porque ele continua vivo em outra dimensão) do também tão querido Vicentão. Grande beijo