A GRANDE FAÇANHA DO PODER: FAZER UM POBRE VOTAR NUM BOLSONARO (parte 2)

Dois livros que podem ajudar a entender o fenômeno: ‘A elite do atraso’, do sociólogo brasileiro Jessé Souza, e ‘A formação da mentalidade submissa’, do professor espanhol Vicente Romano.

Por Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro

O fator essencial na formação do povo brasileiro são os 350 anos da escravidão negra - “o núcleo explicativo de nossa formação” -, conforme ensina Jessé Souza, em ‘A elite do atraso’, um de seus últimos livros, onde procura explicar os fundamentos da crise política atual que desembocou no golpe de Estado de 2016.

“Por conta disso – diz ele -, até hoje, reproduzimos padrões de sociabilidade escravagistas, como exclusão social massiva, violência indiscriminada contra os pobres, chacinas contra pobres indefesos que são comemoradas pela população, etc”.
Daí eu recorrer aos seis estudos para tentar entender “a grande façanha da direita (ou do PODER)”, como me referi na primeira parte do artigo, ao fazer um negro votar num Bolsonaro da vida; ou fazer um pobre votar num milionário, ou o oprimido votar no opressor, ou o cara optar “livremente” pela defesa dos interesses que não são os seus.
São centenas de anos de história, de formação cultural, servindo de adubo, de caldo de cultura, para chegarmos à tragédia atual, com grande parcela da população, inclusive dos setores populares, incensando uma candidatura presidencial que exala ódio e violência (fascismo) por todos os poros. Além de comprometida com tudo o que há de antipopular e antinacional.
A influência desta nódoa escravagista, no entanto, foi substituída nos estudos de nossa formação por teorias como o patrimonialismo (herdado dos portugueses e restrito à corrupção apenas no Estado e nunca no mercado) e o populismo (a estigmatização das camadas populares e seus líderes), segundo Jessé Souza.
Ele desbanca tais teorias, apesar delas terem dominado soberbamente o pensamento da academia e intelectualidade do país desde o início do século passado e serem hegemônicas até hoje no imaginário dos brasileiros. Tais teorias – desprovidas de base científica, na avaliação de Jessé – são reforçadas no dia a dia dos brasileiros, especialmente através da mídia hegemônica.
Seus principais mentores foram Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, acatados até hoje tanto no espectro político à direita (o que seria óbvio) como à esquerda (o que seria surpreendente).
“A classe poderosa nunca se apresenta de cara descoberta”
Outro livro que ajuda a entender o que chamo “a grande façanha do poder” - as pessoas adotarem ideias e posições contrárias ao seu próprio interesse, ou no caso específico: trabalhador, mulher, gay, pobre ou negro votar em Bolsonaro - é ‘A formação da mentalidade submissa”, de Vicente Romano, uma das grandes autoridades europeias no estudo da Comunicação.
Como o título indica, o professor espanhol mostra, didaticamente, como os donos do mundo e da “verdade” trabalham, conscientemente, para formar (e deformar) a cabeça das pessoas, através da manipulação da mídia hegemônica, do sistema educacional (ele destaca em especial o ensino da Economia), da publicidade e das religiões.
Não há edição brasileira. Conheci o livro numa edição venezuelana e depois, através da Internet, numa de Portugal.
Com muita satisfação, encerro meu artigo passando a palavra a Valdimiro Lustosa, meu velho companheiro de lutas democráticas e sindicais na Bahia, que me comentou sobre o livro num email de agosto do ano passado:
“Estou em Portugal, exatamente em Lisboa. Há poucos dias acessei o facebook e vi um comentário seu sobre o livro A Formação da Mentalidade Submissa, de autoria do espanhol Vicente Romano. Fui a uma livraria e comprei-o. Já li.

De fato, ele traça uma radiografia das mentalidades do povo e diz sem meias palavras o papel que a mídia exerce nas pessoas, persuadindo-as, pregando notícias bombásticas e ocultando os fatos reais. Por outro lado, traça um perfil do papel das igrejas (um câncer com seus dogmas - comentário meu).

Enfim, um excelente livro. Mostra o porquê as pessoas são envolvidas pelas notícias.

Diz o autor (a edição é portuguesa) que a história demonstra que a classe poderosa nunca se apresenta de cara descoberta. Cobre-se com o manto das religiões, do patriotismo e do bem comum. A burguesia proclama como coisa boa para todos o que somente é bom para ela. É o que está acontecendo, por exemplo, no Brasil”.

Comentários

Unknown disse…
Não li a primeira parte. Esta segunda está interessante!