JESSÉ SOUZA: A CLASSE MÉDIA BRASILEIRA ODEIA O POVO


A classe média brasileira possui um ódio e um desprezo cevados secularmente pelo povo. Essa é talvez nossa maior herança intocada da escravidão nunca verdadeiramente compreendida e criticada entre nós.
Para que se possa odiar o pobre e o humilhado, tem-se que construí-lo como culpado de sua própria (falta de) sorte e ainda torná-lo perigoso e ameaçador.
Se possível, deve-se humilhá-lo, enganá-lo, desumanizá-lo, maltratá-lo e matá-lo cotidianamente. Era isso que se fazia com o escravo e é exatamente a mesma coisa que se faz com a ralé de novos escravos hoje em dia.
Transformava-se o trabalho manual e produtivo em vergonha suprema, como “coisa de preto”, e depois se espantava que o negro não enfrentasse o trabalho produtivo com a mesma naturalidade que os imigrantes estrangeiros, para quem o trabalho era símbolo de dignidade.
Dificultava-se de todas as formas a formação da família escrava e nos espantamos com as famílias desestruturadas dos nossos excluídos de hoje, mera continuidade de um ativismo perverso para desumanizar os escravos de ontem e de hoje.
Os escravos foram sistematicamente enganados, compravam a alforria nas minas e eram escravizados novamente e vendidos para outras regiões, eram brutalizados, assassinados covardemente. A matança continua também agora com os novos escravos de todas as cores.
O Brasil tem mais assassinatos – de pobres – que qualquer outro país do mundo
O Brasil tem mais assassinatos – de pobres – que qualquer outro país do mundo. São 60 mil pobres assassinados por ano no Brasil. Existe uma guerra de classes hoje declarada e aberta.
Construiu-se toda uma percepção negativa dos escravos e de seus descendentes como feios, fedorentos, incapazes, perigosos e preguiçosos, isso tudo sob forma irônica, povoando o cotidiano com ditos e piadas preconceituosas, e hoje muitos se comprazem em ver a profecia realizada.
A concepção que um ser humano tem de si mesmo não depende de sua vontade e é formada pela forma como o indivíduo é percebido pelo seu meio social maior. É isso que significa dizer que somos produtos sociais. Nos tornamos, em grande medida, aquilo que a sociedade vê em nós.
O Brasil não simplesmente abandonou os escravos e seus descendentes à miséria. Os brasileiros das classes superiores cevaram a miséria e a construíram ativamente. Construiu-se uma classe de humilhados para assim explorá-los por pouco e para construir uma distinção meritocrática covarde contra quem nunca teve igualdade de ponto de partida.
Não se entende a miséria permanente e secular dos nossos excluídos sociais sem esse ativismo social e político covarde e perverso de nossas classes “superiores”.
Mais um aperitivo para a leitura de ‘A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato – Um livro que analisa o pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão’, do sociólogo Jessé Souza (páginas 169/170) – editora Casa da Palavra/LeYa. (O título, o intertítulo e a disposição dos parágrafos são da edição deste blog)

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