“DEUS FEZ O MUNDO PRA DAR CERTO” (memória e ficção)

Stimison, rodeado por Jadson, Alberto e Rubia (Foto: Jadson Oliveira)

Era um sonhador. Porém - uma mistura aparentemente paradoxal – era um sonhador diligente e realizador. Tanto que quase foi prefeito dum município lá da Chapada, interior da Bahia. 
Por Jadson Oliveira - jornalista/blogueiro, editor do Blog Evidentemente
Para Stimison Oliveira e Eudaldo Teixeira, parceiros de adolescência
“Eu vou lhe provar que Deus fez o mundo pra dar certo”, dizia ele com ar convicto e sonhador. Um missionário. Depois que foi entrando pelos anos e aderiu ao espiritismo, virou missionário: andou pregando contra o alcoolismo, fundando o AA em tudo que é lugar por onde morou, ajudando cachaceiros a renegar o terrível (e embevecedor) vício. Um bom cristão: vivia socorrendo andrajosos, caídos por aí, excluídos do mercado, gente que não é gente, os Pedro Ruim da vida.
(Pregador inspirado, ilustrava seus arrazoados com um caso muito elucidativo: dois amigos, cachaceiros - ou alcoólatras, não é tão simples distingui-los – saíram para uma caçada; no caminho um deles notou, espantado, já que eram frequentadores do AA, que o outro levava um litro de cachaça. Este outro explicou logo: não, compadre, é para alguma emergência, caso a gente seja picado por cobra; e emendou: “E você, tá levando o quê aí na mochila?” “Ah! tô levando uma cobra, pode ser que não apareça nenhuma...”)
Como ia dizendo, virou um santo e diligente missionário. E crente, claro. Quando jovem, posso garantir, era ateu ou se exibia como tal. Uma vez uma nossa tia, ao se despedir de nós (eu, ele e um primo), o fez com o costumeiro chavão dos cristãos: “Que Deus acompanhe vocês”. “Eh! se ele (ou Ele) quiser”, ironizou irreverente.
Mas, como diz um grande amigo nosso (meu e dele) lá da bela Chapada Diamantina, parceiro dele nas lides espíritas, quando a Inominada se avizinha a gente muda.
Repito: era um sonhador. Porém - uma mistura aparentemente paradoxal – era um sonhador diligente e realizador. Tanto que quase foi prefeito dum município lá da Chapada (o velho Raul: “Mamãe, não quero ser prefeito, pode ser q’eu seja eleito...”).
Pois é, ele até que queria, mas o chefe político da área (seu chefe e grande amigo) meditou bem, pesou os prós e contras e deu última forma. Imagina-se que ele pensou: esse rapaz é gente boa, gosto muito dele, sempre gostei e vou continuar gostando, mas está na cara que ele vai me criar um monte de problemas, não por causa de seus defeitos, que são poucos, mas por suas qualidades boas, que são muitas.
No tempo em que quase foi prefeito, ele alimentava o sonho dum grande projeto, certamente seu sonho maior em termos de realização política: queria criar um novo Vale do Tennessee, um imenso vale de abundância, de agricultura farta, um verdadeiro paraíso terrestre, a redenção daquela região seca de caatinga.
Ele me falava disso e como eu não sabia do que se tratava, ficava lembrando das paisagens paradisíacas que costumam aparecer naquelas revistas dos Testemunhas de Jeová; me lembrava também dos projetos mirabolantes e fracassados de Policarpo Quaresma, criação genial do nosso Lima Barreto (“Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”).
Quem adorava conversar com ele era Pedão, outro sonhador gente boa, lá das bandas de Iguaí, sudoeste da Bahia. Os dois ficavam horas trocando ideias sobre as espantosas promessas agrícolas do tal do novo Vale do Tennessee, versão brasileira. Traziam e davam um ao outro sementes e mudas que seriam, segundo eles, de muita valia para uma agricultura redentora da fome popular, falavam de matérias do Globo Rural... Os dois riam, felizes, felicidade em estado puro.
(Só para não parecer que se tratava de delírio puro e simples: tecnicamente – ou cientificamente – o grande projeto estaria assentado no fato concreto de que a tal região é rica – “imensamente rica”, dizia – em águas subterrâneas, “lençóis freáticos”, esclarecia).
Como me referi à política, não posso deixar de mencionar um dado curioso: ele era do PFL (aquele partido filhote da ditadura militar, que veio da Arena, do PDS e agora é DEM). Desejava sinceramente ajudar o povo mais pobre e deu inúmeras provas de tal sinceridade. Mas fazia questão de explicar: “Sou do PFL” e não entendia a “besteira” dessa gente de esquerda, diz que querem ajudar os pobres e vão militar na oposição. Ora, argumentava, a gente só consegue mudar as coisas quando está lá junto, dentro, com os homens do poder.
Eu discordava totalmente, mas me consolava pensando que um homem assim de tanta fé, tão bom, tão desprendido, tinha que ter razão, nem que fosse um pouquinho só. Não é possível que o seu Deus vá consentir em vê-lo morrer desapontado, tinha que dar um jeito de fazer o mundo dar certo.
Do contrário, seria uma tremenda injustiça.

Comentários

Unknown disse…
Linda homenagem, Jadson. Eu discordava totalmente, mas me consolava pensando que um homem assim de tanta fé, tão bom, tão desprendido, tinha que ter razão, nem que fosse um pouquinho só.
Até eu fico aqui torcendo para que ele tenha nem que seja um pouquinho de razão. Pode ser um montão também, afinal gente de boa fé e sonhadora sempre dão frutos que nos fazem refletir e também pensar em melhorarbo mundo
Unknown disse…
Meu caro Jadson, a sua belíssima crônica reflete, uma vez mais, o seu compromisso com o que é belo nessa vida:o amor. Ultimamente a sua alma parece até que anda escrevendo por você, ou você rompeu com a "camisa de força" que teima em nos aprisionar no cotidiano. Viva Stimisom!
Militão disse…
Valeu grande Jadson. parabéns. Você está se revelando um grande cronista. E dos bons. Lembrei de Stanislau Ponte Presta e Carlos Eduardo Novaes.
Só uma observação você trocou as letras. PSD ao invés de PDS.

Viva Stimisom.

Grande abraço Militão
Jorge Oliveira disse…
Parabéns companheiro Jadson por essa bela homenagem à Stimison, embora de ideologias diferentes e se convergindo na forma fraterna de terem bebido na mesma fonte de formação familiar qdo explicita o respeito e admiração por as boas intenções de um direitista que sonha com melhores condições de vida de um povo.
Viva a familia Oliveira, dos Oliveiras dos Fabricios já que este que vos fala(escreve) é dos Oliveiras de de Seo Jorge.

Forte abraço
Jorge Oliveira
Paulo Soares disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Soares disse…
Realmente um grande homem, ainda hoje o é... Mesmo estando com a saúde debilitada, para quem convive e os que o visitam, sua energia é contagiante e rejuvelhece. Acredito que a sua atuação missionária deixou bons frutos aqui na terra, pois dos seus entes mais proximos, filhos e netos, nenhum enveredou pelo "caminho" da cachaça, muito menos dos cigarros e outras drogas.como também inúmeras pessoas que outrora "cachaceiros" ouviram suas pregações e hoje já não o são.

Quanto a questão partidária, como filho, acredito que ele nunca foi filiado a partido de direita e muito menos a sua ideologia assim era. Estava acima de questões partidárias, sua ideologia é trabalhar, transformar e ajudar. Como ele mesmo costumava dizer, cada um tem a sua missão aqui na terra, e o momento que ele está vivendo hoje certamente e parte da sua.
jadson oliveira disse…
Companheiros, amigos, fico muito estimulado pela participação de vocês, grande abraço, Jadson (Militão, corrigi o PDS)