JESSÉ SOUZA: A ESCRAVIDÃO (E NÃO O PATRIMONIALISMO/HERANÇA PORTUGUESA) É O NÚCLEO EXPLICATIVO DE NOSSA FORMAÇÃO


Até hoje, reproduzimos padrões de sociabilidade escravagistas, como exclusão social massiva, violência indiscriminada contra os pobres, chacinas contra pobres indefesos que são comemoradas pela população, etc.
Muito se fala sobre a escravidão e pouco se reflete a respeito. Fala-se na escravidão como se fosse um nome e não um conceito científico que cria relações sociais muito específicas.
Atribuiu-se muitas de nossas características à dita herança portuguesa, mas não havia escravidão em Portugal. Somos, nós brasileiros, portanto, filhos de um ambiente escravocrata, que cria um tipo de família específico, uma Justiça específica, uma economia específica.
Aqui valia tomar a terra dos outros à força para acumular capital, como acontece até hoje, e condenar os mais frágeis ao abandono e à humilhação cotidiana. Isso é herança escravocrata e não portuguesa.
O patrimonialismo, percebido como herança portuguesa, substitui a escravidão como núcleo explicativo de nossa formação. Essa é sua função real.
Por conta disso, até hoje, reproduzimos padrões de sociabilidade escravagistas, como exclusão social massiva, violência indiscriminada contra os pobres, chacinas contra pobres indefesos que são comemoradas pela população, etc.
Mas isso ainda não é o pior. O patrimonialismo esconde as reais bases do poder social entre nós. Ele assume que interesse privado é interesse individual privado, de pessoas concretas, as quais se contraporiam aos interesses organizados apenas do Estado.
Tudo como se houvesse interesses organizados apenas no Estado, suprema estratégia de distorção da realidade. Uma noção de senso comum do leigo que não percebe os interesses privados organizados no mercado e sua força, ou seja, que não percebe, em suma, como o capitalismo funciona.
Daí decorre a noção absurda, mas tida como verdade acima de qualquer suspeita entre nós: a noção de que a elite poderosa está no Estado, com isso invisibilizando a ação da elite real, que está no mercado, tanto nos oligopólios quanto na intermediação financeira.
Mais um aperitivo para a leitura de ‘A elite do atraso – Da escravidão à Lava Jato – Um livro que analisa o pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão’, do sociólogo Jessé Souza (páginas 207/208) – editora Casa da Palavra/LeYa.

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