(Fotos: Jadson Oliveira) |
O
presidente Santos, dentro do jogo político que tem de jogar, não pode fazer uma
defesa forte e convincente dos diálogos da paz, porque corre o risco de encher
a bola dos comandantes da insurgência armada, seus futuros adversários
políticos. E ainda tem nos seus calcanhares o ex-presidente Álvaro Uribe, seu
ex-chefe e atualmente maior adversário, pela ultradireita, ferrenho opositor
das negociações.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro),
editor deste blog Evidentemente – reproduzido do site Dia e
Noite no Ar, de 08/03/2016
De
Bogotá–Colômbia – Cheguei aqui na
quarta-feira, dia 1º., com a expectativa de sentir o clima com a proximidade da
provável assinatura do acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia), prevista até agora para o próximo dia 23. (Nota deste
Evidentemente: informações mais recentes indicam que no dia 23 deve ocorrer
apenas a oficialização do cessar-fogo bilateral).
No dia seguinte, espiando as manchetes dos jornais
nas bancas do centro da cidade, como é do meu hábito, me deparei com uma
“chamada” da primeira página do diário de maior circulação do país, o El Tiempo, de tendência conservadora,
claro: “A maioria acredita que o processo de paz não vai por bom caminho” (foto
acima).
A matéria dá conta de que a última pesquisa bimestral
do instituto/empresa Gallup indica que 57% dos colombianos acham que as
negociações, iniciadas em novembro de 2012, em Cuba, vão mal. Este número, na
sondagem anterior, em dezembro, era 44%. E oito entre 10 dos entrevistados
dizem não acreditar que se firme o acordo em 23 de março.
É difícil para um estrangeiro chegando ao país – no
caso um jornalista, sem acesso a fontes e muito menos fontes confiáveis –
entender por quais sendas transitam as informações ilustrativas dos fatos, da
realidade. Na verdade – e aí está uma grande armadilha -, todos os que nos
ocupamos ou nos preocupamos com o tema (ou outros temas), independentemente de
estarmos aqui ou não, já temos uma opinião sobre o tema (ou outros), a maioria
certamente através dos meios hegemônicos de comunicação, que nos atacam todo o
tempo e em todo lugar.
(Me lembro que quando cheguei da minha primeira
viagem à Venezuela, em 2008, comecei a falar meio empolgado com um militante de
esquerda de Salvador-Bahia sobre as novidades políticas que tinha percebido por
lá. Ele me rebateu, na bucha, com uma definição acachapante sobre a chamada
Revolução Bolivariana e eu parei, assim meio abestalhado).
Pois é. Tenho notado esta desconfiança entre as
poucas pessoas com quem tive oportunidade de falar por aqui. E também a
desinformação (aliás, às vezes tenho a impressão de que quanto mais aumentam os
meios de informação, as tecnologias da informação, mais difícil se torna
filtrar uma informação confiável): uma pessoa chegou a me dizer que os
colombianos não sabem nada do que estão negociando em Havana.
Eu venho me enfronhando na política da América
Latina e Caribe – mais na da América do Sul - desde 2007, quando comecei a
viajar pela região. Claro que ultimamente me informo mais através da
blogosfera, das diversas plataformas na Internet, aquelas que considero
progressistas – gosto de me referir a elas e a outros veículos de imprensa (inclusive
os tradicionais) como a mídia contra-hegemônica, aquela que na minha visão é
comprometida com um jornalismo digno deste nome e que tenha como rumo a defesa
dos interesses populares e nacionais.
Os
“narcoguerrilheiros” viraram políticos “normais”
Daí que faço o seguinte raciocínio: a mídia
hegemônica – conservadora, de direita, chamada grande imprensa, que se diz
independente, se pavoneia como defensora da liberdade de imprensa e contra a
censura, quanta mentira e quanta hipocrisia! – passou décadas demonizando os
guerrilheiros, estigmatizados por ela como narcoguerrilheiros.
(A Colômbia vive em guerra desde 1948, quando as
forças conservadoras assassinaram o líder liberal, popularíssimo, Jorge Eliécer
Gaitán. As Farc foram criadas nos anos 60. O país é o “queridinho” dos Estados
Unidos, aliado incondicional do império – é só lembrar o bilionário Plano
Colômbia, convênio renovado recentemente entre os dois países após 15 anos de
vigência).
Depois de décadas de massacre no rádio, TV, jornais,
revistas e por último também na Internet, esses “narcoguerrilheiros” (seus
comandantes, por certo) aparecem transformados em políticos “normais” (de
esquerda, por certo), sentados “normalmente” frente a frente com delegados
representantes oficiais do governo constitucional do país, discutindo
“normalmente” políticas do mais alto interesse do povo colombiano.
Dá para as pessoas “comuns”, envenenadas pela mídia
durante décadas, entenderem isso? Dá para elas absorverem, sem traumas, a
evidência de que tais “narcotraficantes” (os comandantes, por certo) serão
políticos “normais” e, por conseguinte, futuros deputados, prefeitos,
governadores, quiçá presidentes da República?
Muitos reagem instintivamente: não pode ser, eles
cometeram crimes. Pergunto: e os governantes oficiais também não cometeram e
não cometem? (Quem se lembra da reação de
Michael Corleone/Al Pacino, no Poderoso Chefão 2, quando sua mulher,
interpretada por Diane Keaton, jogou na sua cara que um mafioso, um assassino,
não poderia se tornar um “respeitável” senador? Ele simplesmente a tachou de
ingênua).
E tem um agravante: o presidente Juan Manuel Santos,
dentro do jogo político que tem de jogar, não pode – como deveria para dar
maior credibilidade à bandeira da paz, a sua grande bandeira (à qual deve a sua
reeleição), a sua chance de entrar como mocinho na história – fazer uma defesa
forte e convincente dos diálogos da paz, porque corre o risco de encher a bola
dos comandantes da insurgência armada, seus futuros adversários políticos.
E ainda tem nos seus calcanhares o ex-presidente,
hoje senador, Álvaro Uribe, seu ex-chefe e atualmente maior adversário, pela
ultradireita, ferrenho opositor das negociações. O presidente Santos fica numa
situação complicadíssima: se respaldar com mais ênfase os guerrilheiros (ou quase
ex-guerrilheiros), além do que já respalda pelo simples fato de negociar com
eles, se arrisca a abrir o flanco para Uribe e ser soterrado pelas forças mais
conservadoras, que parecem ser francamente majoritárias.
Os comandantes das Farc, por seu lado, inseridos no
campo político das esquerdas – massacradas durante décadas não apenas através
da mídia, mas também através de brutal repressão do Estado e do paramilitarismo
-, reclamam, muito razoavelmente, o direito de acesso ao povo para que possam
se defender e fazer seu proselitismo (veja a terceira foto: capa do jornal
semanal Voz – A verdade do povo,
órgão do Partido Comunista Colombiano).
(A segunda foto é da cabeça da capa do El Tiempo, a mesma edição – 2 de março -
que trouxe a “chamada” – na parte de baixo da página - sobre o processo de paz
referida na abertura do artigo. Como vemos, a manchete principal é sobre a
prisão do irmão de Uribe, acusado de fundador dum grupo paramilitar. O outro
assunto destacado é a eleição nos Estados Unidos).
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