O noticiário dos blogueiros nas redes sociais é olhado com desconfiança (Foto: Correio do Brasil) |
SHEILA SACKS: O IMPÉRIO DA OPINIÃO
A
imprensa escrita tem a confiança de 58% dos leitores, enquanto a desconfiança é
grande com relação aos blogs e as redes sociais, na base de 68 a 71%.
Por Sheila Sacks, do Rio de Janeiro –
reproduzido do jornal digital Correio do
Brasil, de 11/02/2016 (o título principal acima é da edição deste blog)
Na série
de TV americana Good Wife, ambientada nos tribunais de
Chicago, uma das magistradas possui determinada característica que desarma os
bacharéis que recorrem à sua jurisdição. Dependendo do viés interpretativo
adotado pelos advogados de defesa ou de acusação em relação ao tema em
julgamento, a juíza interrompe a argumentação com o bordão “na sua opinião”,
sinalizando aos contendores e aos membros do júri que o raciocínio expresso
pelo profissional em questão representa um ponto de vista pessoal e não
necessariamente uma visão verdadeira ou correta dos fatos em exame.
Diferente
dos tribunais, cujos parâmetros legais dificultam e restringem eventuais
manipulações na construção de um raciocínio, a imprensa é um campo aberto a
observações pessoais especulativas pela própria natureza de seu serviço voltado
à livre difusão da informação e por extensão ao livre exercício da
opinião. Ainda que o comentário afronte conceitos éticos e apresente
visões distorcidas da realidade, o jornal lhe confere visibilidade e,
essencialmente, o crédito da confiabilidade. O historiador americano
Christopher Lash (1932-1994), crítico dos processos de disseminação da
informação no mundo globalizado, teve essa percepção ao enunciar em seu livro
“Cultura do Narcisismo” (de 1979), que “para algo ser aceito como real, basta
que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável”.
Imprensa
em alta
Consulta
divulgada pelo Ibope, em dezembro de 2014, apontou que 58% dos entrevistados
confiam “muito ou sempre nos jornais impressos”, percentual superior a outros
meios de comunicação como televisão, rádio e internet. Em relação às novas
mídias, a pesquisa indicou que 71% dos entrevistados confiam pouco ou nada nas
notícias veiculadas pelas redes sociais. O percentual de desconfiança chegou a
69% em relação aos blogs e 67% no que se refere aos sites.
O
trabalho foi encomendado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência
da República (Secom) e se constituiu no maior levantamento dos hábitos de
informação dos brasileiros. Foram consultadas mais de 18 mil pessoas
acima de 16 anos em 848 municípios. Entre os vários itens pesquisados,
ficou patente que o jornal é o meio de comunicação que recebe maior nível de
atenção exclusiva, ou seja, metade dos leitores não faz nenhuma outra atividade
durante a sua leitura. Outro ponto positivo está no fato de que a grande
maioria dos leitores (84%) lê jornais para se informar e se inteirar das
notícias (Relatório “Pesquisa Brasileira da Mídia-PBM 2015”, no site da Secom,
em 19.12.2014).
Com a
credibilidade em alta, aumenta naturalmente a responsabilidade daqueles que
dispõem de espaços em jornais para emitir, formar e direcionar opiniões.
Seguindo a lógica, é presumível que depois da leitura das notícias, o interesse
do leitor irá convergir provavelmente para o editorial, que enuncia a posição
ideológica do jornal, e também para os habituais colunistas que repercutem os
temas políticos nacionais e internacionais que impactam a vida do cidadão e da
sociedade.
Sabe-se
que o texto opinativo visa o assentimento às ideias, teorias e juízos
apresentados, e que cabe ao leitor a nem sempre fácil tarefa de separar o que
se enquadra efetivamente no real daquilo que se configura em um ideário de
aparências e enganos. Como uma haste de madeira parcialmente mergulhada na água
se faz curva à nossa visão e é reta ao toque, as aparências iludem, confundem e
muitas vezes se opõem. No livro “A arte de argumentar”, o professor Bernard
Meyer da Universidade de Rouen, na França, destaca que a argumentação age
basicamente sobre os indivíduos e não sobre conceitos como o da verdade. E explica:
“Ela (a argumentação) não procura determinar se uma tese é verdadeira ou falsa,
mas influenciar outra pessoa, logo, ela nunca será automática ou
obrigatoriamente aceitável, como o é a demonstração matemática.” De acordo com
Meyer, a argumentação é bem sucedida quando convence o destinatário e não, como
muitos pensam, atinge a verdade.
Conceito
semelhante ao manifestado pelo autor do clássico “Tratado da Argumentação: a
nova Retórica” (1958), o filósofo de Direito e catedrático da Universidade
Livre de Bruxelas (ULB) Chaim Perelman (1912-1984). No livro, escrito em
parceria com Lucie Olbrechts-Tyteca, ele assinala que toda a argumentação visa
à adesão dos espíritos. Dessa forma, cada discurso caminha no sentido da
formulação de determinadas conclusões ideológicas subjacentes, com o intuito de
orientar a opinião do leitor na construção de um juízo de valor a respeito de
fatos, situações e ideias conflitantes. Mais que persuadir o leitor, o que se
busca é o convencimento através da razão.
Para
isso, a intencionalidade associada à abordagem (aspectos linguísticos)
funcionaria como base estratégica do texto opinativo, buscando interagir e
interferir nas convicções do leitor. “Diante desse ponto de vista, a opinião
não é, como se costuma dizer, ‘manipulada’ – ao contrário, ela é a grande
manipuladora”, questiona o sociólogo francês Eric Landowiski na obra “A
sociedade refletida: ensaios de sociossemiótica” (1989).
Artistas
opinativos
Na última
década, ampliando a influência subjetiva das páginas opinativas que interferem
na formação e avaliação da realidade, a imprensa vem agregando a esse plantel
de profissionais de jornalismo uma plêiade de personalidades do mundo
artístico, aparentemente em prol da diversidade de ideias e conceitos que
balizam a liberdade de expressão nas democracias. Se antes, cineastas,
compositores, músicos e outros astros populares “bons de escrita” se
expressavam nos suplementos de cultura ou “segundo caderno” sobre a sua arte,
agora migraram para as páginas reservadas à prática e observação jornalísticas
das cenas político-sociais, concorrendo em igualdade de espaço e mérito com os
textos do “pessoal da casa”. O cineasta Cacá Diegues e os compositores Nelson Motta
e Aldir Blanc, por exemplo, ocupam regularmente as páginas de opinião de “O
Globo”, emitindo conceitos, análises, avaliações e críticas sobre temas que
envolvem políticos, diretrizes de governo, relações internacionais etc.
A seu
favor, os próprios currículos festejados pela imprensa e a admiração dos
leitores-fãs, dois referenciais de peso a embasar pontos de vista individuais e
impositivos que caracterizam “a superioridade bem informada” conceituada pelo
filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno (1903-1969). Na obra
“Minima Moralia: reflexões a partir da vida lesada” (1951), Adorno então em seu
exílio nos Estados Unidos chama a atenção para a responsabilidade que deve
prevalecer entre a elite formadora de opinião – “os inteligentes” – quando se
propõe a expressar suas ideias e opiniões valendo-se de um meio de comunicação
de massa. “Nenhum pensamento é imune à comunicação e proferi-lo no lugar errado
e por meio de entendimento errado é suficiente para solapar sua verdade”,
escreveu.
Acrescentando
que à responsabilidade que se requer consciente e justa na formulação de
conceitos e interpretações críticas soma-se uma carga de poder bastante
presente dado o alto grau de influência que essas opiniões produzem. Para o
professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova Lisboa, João Pissarra
Esteves, aqueles que têm acesso à mídia estão investidos de um poder
extraordinário, “porque impõem a sua própria realidade perante os outros, de
acordo com os seus valores e interesses próprios” (“A Ética da Comunicação e os
Media Modernos”, de 1998).
“Legisladores
invisíveis”
Maior
contundência mostra o autor de “Nossa Cultura ou o que restou dela” (2005), o
psiquiatra e escritor inglês Theodore Dabrymple, de 65 anos, um implacável
analista da sociedade globalizada com uma dezena de livros publicados. Ele
credita aos artistas, diretores de cinema, romancistas, dramaturgos,
jornalistas e até cantores populares – além de economistas e filósofos sociais
– o poder de indução e controle das sociedades. “São eles os legisladores
invisíveis do mundo e devemos prestar muita atenção àquilo que dizem e como
dizem”, assinala no prefácio do livro.
Sobra ao
leitor consciente, diante de certas leituras nitidamente comprometidas com
dogmas ideológicos, a desagradável sensação de impotência diante da leitura de
textos bem articulados, produzidos por uma elite inteligente respaldada por
veículos de comunicação de grande tiragem e influência social. Nesse
caso soa perfeita a observação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de 89 anos,
quando afirma que “nunca fomos tão livres e tão incapazes para mudar as
coisas”.
Sheila
Sacks, jornalista
formada pela PUC-RJ sempre trabalhou em assessoria de imprensa.Tem artigos
publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o
blog “Viajantes do tempo”.
Direto da
Redação é um
fórum de debates, publicado diariamente, editado pelo jornalista Rui
Martins.
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