REQUIÃO: UM CANDIDATO A PRESIDENTE COMPROMETIDO COM OS INTERESSES NACIONAIS E POPULARES

Roberto Requião, senador pelo PMDB-Paraná (Foto: Conversa Afiada)
"Desejamos propor um novo projeto à Nação. Trata-se agora de constituir o bloco histórico capaz de retomar a construção do Brasil, em bases novas e melhores, o bloco formado prioritariamente pelos grupos sociais que vivem no mundo da produção, do trabalho e da cultura, de um lado, unidos ao povo mais pobre, de outro".
"Nos últimos anos, mais de 40% dos recursos da União têm sido usados com encargos de dívidas financeiras, restando bem menos de 5% para investimentos. A desproporção dos gastos com o serviço da dívida, em relação aos demais gastos do Estado, é chocante. No orçamento da União em vigor, um mês de pagamento de juros corresponde mais que o dispêndio anual de todo o Sistema Único de Saúde".
Reproduzido do blog Conversa Afiada, de 08/02/2016 (o título e os destaques acima são da edição deste Evidentemente)
Plataforma do Requião, candidato a Presidente!
O compromisso com a soberania. Valorização do nacional.

Conversa Afiada republica do Blog do Esmael:

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) começou sair a campo para viabilizar sua candidatura à presidente da República, em 2018, dentro do partido. Uma das primeiras tarefas dele foi elaborar, em conjunto com economistas e intelectuais, 5 pontos essenciais à retomada do desenvolvimento do país. São eles: 
1- o compromisso com a democracia; 
2- o compromisso com a soberania; 
3- o compromisso com a solidariedade; 
4- o compromisso com o desenvolvimento; 
e 5- o compromisso com a sustentabilidade.

Inspirado no nova-iorquino Bernie Sanders, o pré-candidato democrata que ameaça derrotar no partido a ex-primeira-dama Hillary Clinton com 10 pontos os quais contestam a supremacia de Wall Street.

“Requião, você é o nosso Bernie Sanders do Brasil”, comparou em mensagem o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). O petista é um entusiasta da candidatura do colega paranaense à sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT).

Os cinco pontos de Requião são o ponto de partida da discussão de uma proposta para economia brasileira. O documento será levado à apreciação de uma pré-convenção do PMDB dos três estados do Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – no próximo dia 5 de março, em Porto Alegre, data em que o senador completará 75 anos. Já a convenção nacional do partido ocorrerá no dia 12 de março próximo, em Brasília.

Tal qual o democrata Bernie, Requião é o pesadelo dos banqueiros. O senador peemedebista propõe, dentre outras medidas para retomar a economia brasileira, limitar os juros dos cartões de crédito em 15% ao ano ante os 431% atuais.

A seguir, leia a íntegra da proposta de Requião:

Olhando numa visão histórica o Brasil como nação é um êxito: saindo de levas populacionais marginalizadas deslocadas de suas origens, criamos um povo novo.  Indígenas, portugueses e africanos, acrescidos depois de gente de todo mundo, formaram o povo brasileiro, hoje, uno e diversificado, dotado de identidade, algo que inexistia há relativamente poucas gerações. Estruturamos um sistema produtivo, habitamos um território bem-definido, falamos a mesma língua sem dialetos, fundamos um Estado Nacional, constituímos memória e sentimentos comuns. Estamos unidos por uma clara identidade nacional. Ela não tem raízes em ideias de raça ou de religião, em vocação imperial, em xenofobias e ódios, em qualquer tipo de arrogância. Tudo nos une na construção exitosa de um mundo novo no Novo Mundo. Olhamos sempre para o futuro, somos abertos ao que é novo, aceitamos a diferença e temos na cultura – uma cultura de síntese – a nossa razão de existir. Somos um grande país e temos o maior povo novo do mundo moderno.
Nossa história também registra, porém, um enorme fracasso: esse povo, a imensa maioria, não assumiu até hoje o controle de sua Nação. O estatuto colonial originário transmudou-se em dependência externa e o escravismo prolongado, em gigantescas desigualdades sociais. Ao longo da história, governado por uma elite que nunca se identificou com o seu povo, nunca se sentiu nacional, o Brasil mudou, mas sempre de forma a conservar relações com o passado.

Até recentemente, essa situação podia perpetuar-se, com alto custo humano, apesar de comprometer significativamente a nossa existência. Agora não pode mais: o crescimento demográfico, a formação de inúmeras grandes metrópoles, o acesso à informação e a maior capacitação técnica colocaram o nosso povo diante de um dilema incontornável. Cada vez mais, ele pode e deve tornar-se o agente de sua história.

O Brasil, que desde a origem se organizou para servir ao mercado mundial, terá agora de organizar-se para si mesmo. O Brasil de poucos terá de ser o Brasil de todos. Se formos incapazes de dar esse salto, nossa existência como Nação soberana e sociedade organizada estará em perigo. Seria mais realista dizer: com a crise atual este risco é crescente.

É essa a origem e o sentido da crise brasileira atual. Por isso, ela é dolorida, profunda, duradoura. Ela não reside na corrupção, fenômeno sempre presente na natureza humana gananciosa. Reside sim, na falta de diretrizes das lideranças que galvanize o povo na construção de um Projeto Nacional e que puna aqueles que o desvirtuam.
Nossa história recente é uma impressionante sequência de promessas frustradas. Muitos brasileiros já se sentem cansados. Para que a desesperança não prospere, apresento à Nação um documento programático, não isento de autocrítica, que visa a redefinir a sua própria inserção na vida política brasileira neste momento crucial.

Temos uma herança a reivindicar. Fomos como próceres e intelectuais do antigo MDB – depois, PMDB –, que participamos da vida pública. O velho PMDB, principal condutor da redemocratização do Brasil, não este que aí está. O velho PMDB, que teve como marco a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, presidida por Ulysses Guimarães. A Constituição então promulgada continha importantes conquistas, avanços e potencialidades. Na área política, entre outras decisões, devolveu aos brasileiros o direito de eleger diretamente o seu presidente, ampliou as possibilidades de participação cidadã, reequilibrou os três poderes do Estado, criou novas instituições de defesa da sociedade e redesenhou o pacto federativo, redistribuindo recursos e atribuições entre União, estados e municípios. Na economia, deu prioridade às empresas brasileiras de capital nacional e manteve a participação do Estado em setores estratégicos. Na área social, defendeu os direitos trabalhistas e definiu um sistema integrado de Seguridade, dotado de orçamento próprio e voltado para garantir amparo aos segmentos sociais mais fragilizados: saúde pública para os doentes, previdência para os que ultrapassaram o período de vida laboral, assistência social para portadores de deficiência e pessoas em situações de risco. Havia um projeto civilizatório por trás de tudo isso.

Todas as conquistas da Constituição de 1988 foram, por inúmeras emendas, derrogadas. Na década de 1990, assistimos a uma contrarreforma conservadora, feita em etapas, que se pareceu a um golpe de Estado estendido no tempo. A Constituição cidadã, escrita à luz do dia, com ampla participação, foi sendo esquartejada por meio de decisões sucessivas, tomadas sempre de forma discreta, negociadas não se sabe como, que a sociedade não acompanhou, nem compreendeu, nem controlou, nem sequer foi chamada a referendar. Na economia, a ideia de um futuro construído por uma coletividade que interage democraticamente, um futuro consciente e desejado, tendo como foco um maior bem-estar para todos, foi substituída pelo futuro opaco que resulta apenas do jogo de mercado, com a cooperação dando lugar a uma competição feroz que só interessa aos mais fortes; o conceito de empresa nacional desapareceu da nossa legislação, e o papel do Estado foi erodido e debilitado. Na área social, com o anunciado “fim da Era Vargas”, os direitos trabalhistas ficaram sob ameaça e o sistema de Seguridade, subordinado à lógica do arrocho fiscal, foi retalhado até tornar-se irreconhecível. Destruiu-se, assim, a Nova República.
Nada disso foi decidido pelos brasileiros de forma livre e consciente. Programas semelhantes foram implantados em muitos países, sempre com o patrocínio e a inspiração do sistema financeiro internacional e as instituições que ele controla, com a conivência de parceiros internos.  Seus aspectos comuns são o desmonte dos mecanismos de solidariedade social, o enfraquecimento dos Estados nacionais e a subordinação crescente de cada economia aos movimentos, cada vez mais voláteis, do grande capital.

Os monumentais fracassos dessas políticas são sempre imputados aos elos mais fracos. Dentro de cada sociedade, o indivíduo é culpado pela sua própria exclusão, como se não vivesse imerso em relações sociais que são decisivas para definir as oportunidades que terá. No sistema internacional, os efeitos da desordem financeira são jogados nas costas dos países periféricos, pois as crises recorrentes teriam origem em ambientes domésticos insuficientemente adaptados ao receituário universal da modernidade. O modelo de economia e de sociedade proposto não pode ser julgado, pois nunca está completamente implantado. A conclusão se repete monotonamente: dobrar a aposta, seguir em frente, produzir mais do mesmo, pois sempre falta fazer novas supostas “reformas”.

Massificado pelos meios de comunicação, esse raciocínio circular provoca um colapso do pensamento. Com o tempo, a sociedade se torna incapaz de definir uma agenda própria de desenvolvimento. Deixam de reconhecer seus problemas e suas potencialidades. Abandona a ideia de ter um projeto comum e civilizatório, um Projeto Nacional. Acostuma-se a viver em crise crônica. Aceitam a tirania das questões de curto prazo. Passam a gravitar em torno de temas artificiais e importados.

Com a porta batendo no batente, fruto da maximização da crise que é política, é econômica, e será social cabe prosseguir na nossa análise. Nosso crescimento econômico despencou. Depois de cinquenta anos de crescimento rápido, completamos duas décadas perdidas seguidas por uma terceira contemplativa e caminhamos, a passos largos, para uma quarta depressiva. Deixamos de ser a oitava e passamos a ser a décima sexta economia industrial do mundo.
A riqueza concentrou-se nas atividades vinculadas ao mercado financeiro. Estas se tornaram muito mais atrativas que os investimentos produtivos, que geram empregos e salários.

A economia desnacionalizou-se ainda mais, com empresas brasileiras sendo transformadas em massa – até mesmo nos setores mais estratégicos – em filiais de multinacionais, que reservam para as matrizes as atividades mais nobres. Os vínculos tênues desse capital estrangeiro com o espaço econômico nacional atrofiam a capacidade de  controlarmos o nosso processo de desenvolvimento.

O mercado de trabalho desorganizou-se, com cerca de mais de 10% dos brasileiros adultos sendo remetidos ao desemprego aberto ou ao subemprego crônico, além de uma grande massa que sempre esteve mantida na informalidade.

A incipiente tentativa de construir um Estado nacional de bem-estar social foi interrompida. O Estado perdeu capacidade de realizar, induzir e coordenar investimentos, tornando-se refém do sistema financeiro. Perdeu também controle territorial, seja no interior do país, como ocorre na extensa periferia da região amazônica, seja dentro das grandes metrópoles.

Diminuiu a participação de estados e municípios na receita fiscal, e os serviços públicos se deterioraram.

A fronteira agrícola foi fechada, estabelecendo-se nas regiões novas uma estrutura de propriedade da terra ainda mais concentrada que aquela que existe nas regiões de ocupação secular. Em vez de solucionar-se, a questão agrária se nacionalizou.

A mobilidade social praticamente acabou. O país das oportunidades – pois já fomos chamados assim – está emparedando, progressivamente, na pobreza, grandes contingentes populacionais. Pioramos a qualidade da escola pública e concentramos em grandes cidades multidões sem alternativa de sobrevivência digna, que só conseguem realizar atividades ocasionais, sazonais, incertas ou ilegais.

Enfim, se é verdade que alguns setores econômicos se modernizaram, principalmente aqueles voltados para o mercado externo, também é verdade que regredimos naquilo que é verdadeiramente importante: estamos mais dependentes e mais desiguais.

Antes de ser econômica, nossa crise é política, ideológica e cultural. O Brasil foi levado a considerar-se um país frágil, pedinte, incapaz, necessitado de buscar salvação fora de si. O futuro da Nação foi hipotecado a agentes que não tem nenhum compromisso conosco, a não ser o de realizar negócios bem lucrativos, sempre com o pé na porta, prontos para ir embora. O tempo histórico da Nação ficou subordinado ao tempo curto do capital financeiro.
O país que em poucas décadas fez a Petrobrás, a Companhia Vale do Rio Doce, a Embrapa, a Fundação Oswaldo Cruz, a Embraer, a Eletrobrás, uma rede de excelentes universidades públicas, o IME e centenas de empresas e instituições desse tipo – que até hoje a sustentam – perdeu a capacidade de fazer, criar e ousar. Há muitos anos só conjugamos os verbos cortar, vender, desnacionalizar, fatiar, desmontar, desfazer.

Compreendemos, na sua essência, a gravidade da crise brasileira. Desejamos propor um novo projeto à Nação. Trata-se agora de constituir o bloco histórico capaz de retomar a construção do Brasil, em bases novas e melhores, o bloco formado prioritariamente pelos grupos sociais que vivem no mundo da produção, do trabalho e da cultura, de um lado, unidos ao povo mais pobre, de outro.

Valorizar a nossa população e o patrimônio social, cultural e natural na Nação, eis os fundamentos desse nosso projeto, que se baseia numa arraigada crença na viabilidade do Brasil. Cinco são os nossos compromissos essenciais.

(a) O compromisso com a democracia. Ele aponta para o aperfeiçoamento do sistema político brasileiro em bases amplamente participativas, com o resgate da dignidade da função pública em todos os níveis. Punição aos corruptos.

(b) O compromisso com a soberania. Ele representa a nossa determinação de dar continuidade ao processo de construção nacional, buscando recuperar para o Brasil um grau suficiente de autonomia decisória. Valorização do nacional.

(c) O compromisso com a solidariedade.  Construir a edificação de uma nação de cidadãos, eliminando-se as chocantes desigualdades na distribuição da riqueza, da renda e do acesso à cultura. Educação do povo e Integração territorial.

(d) O compromisso com o desenvolvimento. Ele expressa a decisão de pôr fim à tirania do capital financeiro e à nossa condição de economia periférica, dizendo que mobilizaremos todos os nossos recursos produtivos e não aceitaremos mais a imposição, interna ou externa, de políticas que frustrem o nosso potencial. Capitalização produtiva e Industrialização

(e) O compromisso com a sustentabilidade. Ele estabelece uma aliança com as gerações futuras, pois se refere à necessidade de buscarmos um novo estilo de desenvolvimento, socialmente justo e ecologicamente viável. Sustentação ecológica.

A expressão mais imediata do nosso descaminho é a ampla predominância, já faz muito tempo, muitos anos, de uma “macroeconomia do curto prazo” que se nutre do próprio fracasso: quanto maior o apelo a ela, maior a crise; quanto maior a crise, maior o apelo. Ela precisa ser substituída por uma economia do desenvolvimento, com uma combinação de políticas monetária e fiscal que nos coloque no rumo do pleno emprego, pois o direito ao trabalho é o suporte da cidadania. Isso exige desde logo cinco medidas conjugadas:
(a) transformação progressiva e ordenada da dívida pública em investimento produtivo, em obras de infra=estrutura e em novas fábricas;
(b) controle da entrada e saída de capitais;
(c) redução da taxa básica de juros para níveis internacionais;
(d) administração do câmbio em um patamar favorável ao equilíbrio das contas externas;
(e)  uma política fiscal e monetária que busque a estabilidade dos preços.

Nos últimos anos, mais de 40% dos recursos da União têm sido usados com encargos de dívidas financeiras, restando bem menos de 5% para investimentos. A desproporção dos gastos com o serviço da dívida, em relação aos demais gastos do Estado, é chocante. No orçamento da União em vigor, um mês de pagamento de juros corresponde mais que o dispêndio anual de todo o Sistema Único de Saúde. Quinze dias correspondem mais que o gasto anual com educação. Dez dias, bem mais que os recursos alocados no Programa Bolsa Família, que unificou quase todos os programas sociais anteriores. Cinco dias de pagamento de juros cobre com sobras o gasto previsto, no ano, para a construção de habitações populares. Um minuto corresponde mais que à alocação anual de recursos com a defesa dos direitos humanos.

Tamanha deformação dos gastos do Estado tem um primeiro efeito paradoxal para quem se preocupa com a saúde das contas brasileiras: provoca um aumento irracional da dívida externa. Pois as obras em curso, muito insuficientes, acabam sendo realizadas com financiamento do Banco Mundial ou do BID. Endividamo-nos em dólar, no exterior, para realizar obras, como em rodovias ou em saneamento, que não exigem nenhuma importação de bens e serviços. Elas poderiam ser completamente financiadas em moeda nacional.

Os recursos para financiar a retomada do desenvolvimento, existem, mas estão presos em uma engrenagem perversa. A permanente busca do superávit primário, tão a gosto do mercado financeiro, conspira contra a Nação, O primeiro efeito desta busca é produzir uma transferência de renda dos pobres (os maiores pagadores de impostos) para os ricos (que detêm os títulos da dívida).
Mas os credores da dívida, principalmente banqueiros, não querem ficar com dinheiro como contrapartida de suas aplicações. Dinheiro não rende juros. Tampouco querem investir em atividades produtivas, pois a alternativa mais confortável, lucrativa e líquida é a própria especulação. Tão logo recebem os recursos do superávit primário, voltam com eles ao Banco Central e compram mais títulos, que rendem mais juros. Como esses títulos têm a mesma liquidez da moeda, sendo negociados diariamente no over, podemos chamá-los de “moeda financeira”.
Nossa economia funciona com dois tipos de moeda: a moeda comum, à qual nós todos temos acesso e que se desvaloriza conforme a taxa de inflação; e a moeda financeira, que rende juros muito acima da inflação. Só os mais ricos e os bancos têm acesso a esta última. Esta anomalia, até onde sabemos, não existe em nenhum outro país. É, de longe, o principal mecanismo de concentração da renda nacional.

Mas há mais: o dinheiro (moeda comum) trocado por títulos (moeda financeira) também não é investido pelo Estado. O Banco Central o esteriliza, diminuindo a circulação dos meios de pagamento. Garante ganhos extraordinários aos aplicadores financeiros, enquanto comprime o crédito, provoca baixo crescimento e aumenta o desemprego na vida real. Fases de recuperação da atividade são logo abortadas. A resultante é uma reiterada tendência ao baixo crescimento quando se observam séries mais longas.

Essa engrenagem precisa mudar. Os R$ trilhões que compõem a atual dívida pública precisam ser usados criteriosamente para financiar obras de infraestrutura, segurança e defesa, agricultura e fábricas, os juros desses títulos devem ser transformados em dispêndio público em educação, saúde, habitação popular e reforma agrária. Milhões de empregos diretos poderão ser criados assim. Com o aumento das compras governamentais e da massa salarial, outros milhões de empregos se seguirão no setor privado. O financiamento disso não é inflacionário, pois não se trata de emissão primária de moeda. Trata-se de dinheiro que foi retirado da sociedade por meio de impostos.
A expansão dos serviços públicos não obedece apenas a um imperativo social. Ao contrário do comércio, dos bancos, das fábricas e da agricultura empresarial, que incorporaram regras “industriais” de divisão do trabalho, com automação dos procedimentos, os serviços não vinculados à produção – como educação, saúde, habitação popular, saneamento e segurança, tipicamente prestados pelo Estado – permanecem intensivos em trabalho. Como a urbanização aumenta a demanda por esses serviços, tanto em termos absolutos como relativos, abrem-se por essa via enormes possibilidades de expansão do emprego. Se em vez de 50 alunos em cada sala de aula tivermos 25, o ensino será de melhor qualidade e dois professores trabalharão no lugar de um. Se quisermos prover saúde pública de qualidade, milhares de profissionais, de todos os níveis, serão requisitados. Espalhar saneamento é melhorar a qualidade de vida e disseminar trabalho. Tudo isso fortalece a Federação.

Para os que acham que isso incharia a máquina do Estado, basta lembrar que o emprego público corresponde a apenas 8,5% do emprego total no Brasil. Nos Estados Unidos ele corresponde a 16%; na França, a 27%.

A segunda medida de uma nova política macroeconômica é o controle sobre a movimentação de capitais. Numa economia, como a nossa, que apresenta contas externas historicamente frágeis, quando os capitais se movimentam sem regulamentação, para dentro e para fora, alteram-se, antes de tudo, as relações de poder. Pois a movimentação sem regras de riqueza financeira impede o controle e até mesmo o cálculo da taxa de câmbio, ameaçando, com esse descontrole, desorganizar o sistema de preços em que se baseia a economia real. Como o mercado de câmbio é excepcionalmente volátil, ultrassensível a movimentos especulativos, o capital financeiro adquire um poder de veto sobre quaisquer decisões que a sociedade queira tomar. Encurralado, o Estado torna-se refém desses movimentos. O poder soberano troca de mãos.
Restabelecidos os controles sobre movimentos externos de capital, tal como existiram no Brasil até 1992, durante mais de sessenta anos – e, portanto, eliminada a possibilidade de uma corrida do real para o dólar –, o Banco Central retomará a capacidade de fixar baixas taxas de juros, reduzindo-as sem dificuldade a um patamar compatível com o equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento econômico. Se o mercado financeiro recusar as taxas menores oferecidas, ameaçando deixar de comprar títulos públicos, o Banco Central comprará os títulos vencidos ou vincendos, injetando liquidez no mercado interbancário. Os bancos terão de aceitar as novas taxas oferecidas, simplesmente porque não terão alternativas melhores para aplicar os recursos em caixa à sua disposição. O controle da movimentação de capitais não exige nenhuma alteração de natureza legal, pois já é atribuição do Banco Central.

Alterar o modus operandi do Banco Central e do Ministério da Fazenda é essencial para reorganizar a ação de todo o Estado brasileiro. Pois, como vimos, para suportar as altas taxas de juros, que realimentam sua própria dívida, o Estado necessita esterilizar vultosos recursos. O orçamento da União é esquartejado na boca do caixa para caber no que sobra depois que o Estado paga uma parte dos juros (outra parte é incorporada ao principal da dívida, que por isso não pára de crescer).
Por isso, o Brasil funciona sem orçamento.  Daí as pedaladas fiscais. Ao longo do ano, estabelece-se um alto grau de arbítrio na definição de quais gastos serão de fato efetuados pelo poder público e quais serão “contingenciados”. Dono da chave do cofre, o Ministério da Fazenda apequena e subordina os demais ministérios, e o Executivo apequena e subordina o Legislativo. Tudo depende de decisões casuísticas, tomadas caso a caso, que não são transparentes nem obedecem a um projeto. Fica aberto o espaço para o fisiologismo e a corrupção.

A arquitetura institucional da política econômica está virada de ponta-cabeça. Tendo o Banco Central como seu operador – pois ele age com autonomia, como um Estado dentro do Estado –, o sistema financeiro subordina a ação de todo o Estado nacional e do setor produtivo. A democracia se frustra, pois o poder real fica fora ao alcance do povo. Na nova arquitetura que propomos, o Banco Central precisará trabalhar de forma intimamente articulada com o Tesouro Nacional, ambos perseguindo metas combinadas não só para a inflação – como hoje –, mas também para o emprego, a utilização da capacidade produtiva e o volume de crédito ofertado à economia real. Essa ação articulada deve assegurar que a economia seja irrigada com os fluxos monetários e financeiros necessários para conduzi-la, com relativa estabilidade de preços, a uma posição cada vez mais próxima do pleno emprego, ou seja, ao nível em que a produção efetivamente realizada coincida com o uso do potencial produtivo existente. Isso lançará o país numa dinâmica de crescimento que abrirá espaços para alterar mais profundamente o modelo em vigor.

Contamos com uma base produtiva moderna, articulada, mas que não está na ponta tecnológica; e com um mercado de consumo que conserva imensa sede de produtos tradicionais. São diferenças marcantes em relação à situação dos países mais ricos – diferença decorrente é claro, do nosso atraso relativo atual. Mas, paradoxalmente, essa desvantagem contém elementos que, vistos no contexto de uma estratégia correta, representam oportunidades relativamente fáceis de desenvolvimento. As mutações na estrutura produtiva podem ser mais velozes e mais radicais no Brasil, onde a força de trabalho está distribuída por segmentos que apresentam os mais distintos níveis de produtividade. Deslocando trabalhadores dos setores mais atrasados para os mais modernos, ou modernizando esses setores atrasados, há grande elevação da produtividade média, com difusão desse ganho para a sociedade como um todo.
Para isso, é essencial retomar investimentos em grande escala em infraestrutura.  Ineficiência e crises em energia, transportes e telecomunicações transformam-se em ineficiência e crises sistêmicas, que atingem todos os empreendimentos. Esses são setores que exigem projetos grandes e de longa maturação, sempre relacionados a um planejamento estratégico. O Brasil é autossuficiente no domínio das técnicas e na capacidade de execução na maior parte dos setores de infraestrutura, desde que se preserve a engenharia nacional. Um planejamento integrado deles é essencial para reforçar sinergias, sem as quais há enorme perda de potencial, e modernizar eixos espaciais de desenvolvimento, que precisam voltar a ter como principal referência a integração do nosso território e a dinamização do mercado interno. O papel do Estado na elaboração dessa visão sistêmica permanece insubstituível.

Só retomaremos um crescimento acelerado se adotarmos uma estratégia que, contrariamente ao que ocorre hoje, torne mais homogêneos os níveis de produtividade e de renda existentes em nossa sociedade. São imensos os ganhos de eficiência disponíveis para ser buscados pela economia brasileira com a modernização de setores e atividades retardatários, melhor organização social da produção e da distribuição, maior difusão de técnicas já conhecidas etc., com forte impacto sobre o nível de emprego. Quanto à renda, quanto mais igualitária for a sua distribuição, maior e mais variada será a demanda, e mais rapidamente o mercado interno alcançará dimensões que permitam ganhos de escala na produção nacional de bens e serviços, o que aumenta também a nossa capacidade de competir nos mercados externos.

Numa palavra: precisamos aumentar na maior velocidade possível a produtividade média do trabalho, reter em nosso espaço econômico a maior parte possível da riqueza criada e distribuir essa riqueza da forma mais equitativa possível. 
Isso significa buscar outro padrão de desenvolvimento, diferente daqueles que conhecemos no passado. Diferentes formas de propriedade e de organização da produção devem existir de forma equilibrada, com generoso espaço para os empreendimentos de porte pequeno e médio, as cooperativas e todas as expressões da economia solidária.
O Estado precisará definir um conjunto de políticas destinado a baratear significativamente os custos da alimentação, da habitação e dos transportes. A mais recente Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada pelo IBGE, mostra que mais de 75% da renda das famílias brasileiras dirigem-se apenas a esses três itens. Além de ser um indicador de baixa qualidade de vida – pois as pessoas apenas moram (mal), se deslocam (mal) e comem (mal) –, é uma informação decisiva para a política econômica, pois explica a atrofia do mercado interno, que poderia ser o mais importante motor do nosso desenvolvimento. Nos três setores o Estado tem muito a fazer, de modo a diminuir o comprometimento da renda familiar com a comida, o aluguel e o transporte, liberando poder de compra para todos os outros bens e serviços, cuja produção seria assim dinamizada.

Na nova pauta de investimentos públicos, destacam-se também aqueles ligados à educação, em todos os níveis, desde a pré-escola até a universidade. O maior patrimônio de uma Nação é seu povo, e o maior patrimônio de um povo são suas capacidades culturais. Ainda temos cerca de 10% de analfabetos adultos no Brasil, e o percentual de analfabetos funcionais – pessoas que sabem assinar o próprio nome e soletrar palavras, mas que não são capazes de escrever uma carta ou ler um artigo de jornal – é muito maior. O Brasil será convocado a realizar um mutirão educacional, e os recursos para isso serão garantidos pelo Estado como prioridade, para incrementar um processo intensivo, sólido e profundo de aprendizagem e difusão do saber. A cultura, as humanidades e os avanços mundiais da ciência e da técnica devem ser difundidos e assimilados, processados internamente e integrados em um acervo nacional de conhecimentos e práticas.

Na última década, o Estado arrecadou cada vez mais, gastou cada vez menos com a sociedade e, mesmo assim, suas contas permanecem desequilibradas. Incapaz de compensar o enorme déficit financeiro, o corte de gastos aparece sempre como insuficiente, recolocando a necessidade de novos cortes mais adiante. As consequências disso sobre a trajetória de uma sociedade periférica e desigual, como a nossa, não podem ser exageradas. Povos sem Estado são facilmente expulsos da História. Os países capturados por essa dinâmica, como o Brasil, terminam por encaixar-se, de forma subordinada, na nova ordem mundial unipolar.
Mas essa ordem não é estável nem permanente. A formação da União Europeia e o fortalecimento da China contêm as sementes de uma nova ordem multipolar. O espaço econômico da União Europeia rivaliza em tamanho com o dos Estados Unidos, e o euro pode vir a questionar a primazia do dólar. As economias do Leste da Ásia, por sua vez, crescem muito rapidamente e formam uma área cada vez mais integrada, com o Estado chinês cumprindo um papel regional cada vez mais relevante. Nos três principais continentes – América do Norte, Europa e Ásia – surgem megaestados regionais, comandando grandes economias, com grande base territorial e populacional.

A América do Sul, o Oriente Médio e a África são as grandes regiões do mundo que ainda não definiram os seus próprios projetos regionais e não constituíram, nem estão em via de constituir, os seus megaestados. Estão marginalizadas. No caso da América do Sul, duas grandes possibilidades estão colocadas. A primeira vem sendo defendida por um número cada vez maior de cidadãos e instituições: a constituição de um projeto sul-americano que garanta a união dos nossos povos e a inserção soberana dos nossos países no sistema internacional. A segunda, que tem na Alca e seus sucedâneos o seu centro de articulação, reforçaria e tornaria quase irreversíveis os processos de fragilização do continente, com sua incorporação formal a uma área regional sob controle direto dos Estados Unidos, a qual poderá vir a ser mais adiante, formalmente, a área do dólar.

Nossa margem de manobra no cenário internacional aumentará significativamente se a América do Sul assumir um projeto próprio.É um continente com grande potencial. A complementaridade das economias é enorme. A Venezuela é o segundo país mais importante do mundo em recursos energéticos, só atrás da Rússia. A Argentina tem uma agricultura fortíssima. Dos dez países mais bem dotados em recursos biológicos, seis estão na Amazônia. Temos gás, petróleo, minérios, capacidade de geração elétrica, água, terras, insolação abundante. Nossos povos podem construir com facilidade uma identidade comum. Um projeto sul-americano é necessário e viável. O Brasil tem um papel central nisso e, sem pretensões de hegemonia, tem grande interesse nessa integração.
Mas é preciso ressaltar que só teremos política externa forte se tivermos controle sobre nossa própria base produtiva, capacidade de defesa, estoques estratégicos de alimentos e matérias-primas essenciais, capacidade de produzir nossas sementes e medicamentos, investimentos pesados e coerentes em capacitação científica e tecnológica, alto grau de cidadania, e assim por diante. Projetos multilaterais que permitam um reposicionamento como o BRICS devem ser incentivados. Esse conjunto de condições é vital para podermos tomar decisões com uma boa margem de autonomia.

A sociedade brasileira está vivendo uma época critica.Sua sobrevivência depende da solução que for encontrada. De forma consciente ou não, seremos cada vez mais chamados a tomar decisões, num ou noutro sentido, que dizem respeito a questões decisivas: afinal, o Brasil tem sentido? Deseja mesmo se autogovernar? Pretende fazer do seu povo o construtor da Nação?
Respondemos: Sim. A ampla predominância do capital internacional e de seus associados internos, no contexto de uma dependência essencialmente financeira, tem impedido a continuidade dos processos de construção nacional. “Nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ser”, disse Celso Furtado, antes de nos deixar. É urgente corrigir nosso rumo. Grandes países periféricos, como os Estados Unidos do século XIX e a China do século XX, já enfrentaram esse tipo de desafio, cada um ao seu jeito, e só obtiveram êxito quando ousaram fazer reformas internas e recusaram o lugar que lhes fora atribuído pela ordem internacional do seu tempo. Pagaram os custos associados a tal decisão. Sofreram pressões. Cometeram erros e aprenderam com eles. Ao fim e ao cabo, conseguiram sair da condição periférica.

As condições essenciais para preparar o salto do Brasil, no século XXI, são de natureza política (com a definição de um projeto próprio e a vontade de levá-lo adiante) e cultural (identidade clara, autoestima elevada).  Aqui reside uma fragilidade a ser combatida. Temos de repor a verdade que vem sendo destruída há mais de vinte anos pela elite venal. Somos um povo belo; mestiço, sincrético, antropofágico, tropical, feliz, tolerante e orgulhoso de ser brasileiro. Amamos o Brasil,.

Estamos no limiar de uma fase histórica nova, em que o povo brasileiro assumirá o comando de sua Nação. Sua elevação plena à condição cidadã é, de longe, o nosso principal desafio. É preciso transformar a eliminação da pobreza e da incultura, sob todas as suas formas e manifestações, em um objetivo explícito ao qual a sociedade subordina os demais. Este objetivo nunca será atingido se for tratado, como hoje, como o resultado presumido de um modelo econômico qualquer.

Sabemos ainda ser um país pobre, com brutais desigualdades. Mas não somos miseráveis e caminhamos para a riqueza.. Ainda temos um parque industrial articulado e quase completo. Uma população jovem, com presença marcante de quadros técnicos e pessoas habituadas à produção moderna. Agricultura capaz de responder a estímulos adequados. Vasto espaço geográfico, recheado de recursos de todo tipo. Capacidade científica. A História está perguntando se a nossa geração vencerá a crise que vivemos e as nossas instituições terão a grandeza de fazer desabrochar a promessa civilizatória contida na sociedade brasileira. Convocamos todos os brasileiros que desejam responder que o façam repetindo o nosso sim.


Roberto Requião é senador, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três vezes, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo.

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