Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência (Foto: Ricardo Stuckert) |
O comportamento da mídia nativa é
o sintoma mais preciso da decadência do Brasil
Por Mino Carta — reproduzido do
site da revista Carta Capital, de 29/01/2016
(recomendado pelo companheiro Geraldo
Guedes, advogado em Brumado-Bahia)
Incomodavam-me,
em outros tempos, os sorrisos do sambista e do futebolista. Edulcorados pela
condescendência de quem se crê habilitado à arrogância. Superior, com um toque
de irônica tolerância. Ou, por outra: um sorriso vaidoso e gabola.
Agora me
pergunto se ainda existem sambistas e futebolistas capazes daquele sorriso.
Foi, aos meus olhos, por muito tempo, o sinal de desforra em relação ao resto
do mundo, a afirmação de uma vantagem tida como indiscutível. Incomodou-me,
explico, considerar que a vantagem do Brasil, enorme, está nos favores
recebidos da natureza e atirados ao lixo pela chamada elite, que desmandou
impunemente.
Quanto ao
sambista e ao futebolista, não estavam ali por acaso. Achavam-se os tais, e os senhores
batiam palmas. Enxergavam neles os melhores intérpretes do País e no Carnaval
uma festa para deslumbrar o mundo.
O Brasil
tinha outros méritos. Escritores, artistas, pensadores, respeitabilíssimos. Até
políticos. Ocorre-me recordar a programação do quarto centenário de São Paulo,
em 1954, representativa de uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de
habitantes e equipada para realizar um evento que durou o ano inteiro sem
perder o brilho.
Lembro
momentos extraordinários, a partir da presença de telas de Caravaggio em
uma exposição do barroco italiano apresentada no Ibirapuera recém-inaugurado,
até um festival de cinema com a participação de delegações dos principais
países produtores.
A passar
pela visita de William Faulkner disposto a trocar ideias com a inteligência
nativa. Não prejudicaram a importância da presença do grande escritor noitadas
em companhia de Errol Flynn encerradas ao menos uma vez pelo desabamento do
primeiro Robin Hood de Hollywood na calçada do Hotel Esplanada.
A
imprensa servia à casa-grande, mas nela militavam profissionais de muita
qualidade, nem sempre para relatar a verdade factual, habilitados, contudo, a
lidar desenvoltos com o vernáculo. Outra São Paulo, outro Brasil.
Este dos
dias de hoje está nos antípodas, é o oposto daquele. A despeito da
irritação que então me causava o sorriso do futebolista e do sambista, agora
lamento a sua falta, tratava-se de titulares de talentos que se perderam.
Vivemos
tempos de incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de
irracionalidade. De decadência moral, de descalabro crescente. Falei em 1954:
foi também o ano do suicídio de Getúlio Vargas,
alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros passos de
uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja, cidadãos conscientes
de sua força, finalmente egressos da senzala.
Segundo a Folha, Lula carrega o triplex nas costas, igual a mochila |
Não cabe,
porém, comparar Carlos Lacerda com
os golpistas atuais, alojados na mídia, grilos falantes dos barões, a serviço
do ódio de classe. Lacerda foi mestre na categoria vilão, excelente de fala e
de escrita.
Os atuais
tribunos de uma pretensa, grotesca aristocracia, são pobres-diabos a naufragar
na mediocridade. Muitos deles, como Lacerda, começaram na vida adulta a se
dizerem de esquerda, tal a única semelhança. Do meu lado, sempre temi quem
parte da esquerda para acabar à direita.
Os
sintomas do desvario reinante multiplicam-se, dia a dia. Alguns me chamam
atenção. Leio, debaixo de títulos retumbantes de primeira página, que o
ex-ministro Gilberto Carvalho admitiu ter recebido certo lobista.
Veicula-se
a notícia como revelação estarrecedora, e só nas pregas do texto informa-se que
Carvalho convidou o visitante a procurar outra freguesia. De todo modo, vale
perguntar: quantos lobistas passam por gabinetes ministeriais ao praticar
simplesmente seu mister? Mesmo porque, como diria aquela personagem de Chico
Anysio, advogado advoga, médico medica, lobista faz lobby.
Outro
indício, ainda mais grave, está na desesperada, obsessiva busca de envolver Lula em alguma
mazela, qualquer uma serve. Tanto esforço é fenômeno único na
história contemporânea de países civilizados e democráticos. Não é difícil
entender que a casa-grande está apavorada com
a possibilidade do retorno de Lula à Presidência em 2018,
mesmo o mundo mineral percebe.
Mas até
onde vai a prepotência insana, ao desenrolar o enredo de um apartamento triplex
à beira-mar que Lula não comprou? A quem interessa a história de um imóvel
anônimo? Que tal falarmos dos iates, dos jatinhos, das fazendas, dos
Rolls-Royce que o ex-presidente não possui?
Este não
é jornalismo. Falta o respeito à verdade factual e tudo é servido sob forma de
acusação em falas e textos elaborados com transparente má-fé. Na forma e no
conteúdo, a mídia nativa age como
partido político.
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