FÁBIO KONDER COMPARATO: A LAVA JATO DEIXA DE LADO TODA CORRUPÇÃO COMETIDA ANTES DO PT CHEGAR AO PODER
(Foto: Reprodução/Carta Maior) |
“A operação Lava Jato parece ter sido o começo de
uma mudança nessa longa tradição (de impunidade dos corruptos, que existe desde
a chegada dos colonizadores portugueses). Mas é preciso dizer que tal operação
tem sido ostensivamente seletiva, pois deixa de lado todas as ladroíces
cometidas nos governos anteriores ao PT no poder, abusando do vício dos dois
pesos e duas medidas”.
Por Tatiana Carlotti – reproduzido do
portal Carta Maior, de 16/02/2016 (o
título e destaque acima são da edição deste blog)
A
corrupção endêmica e o aparelhamento tucano em SP
Segundo um dos maiores juristas do país, Fábio Konder Comparato, o PSDB
conseguiu aparelhar um sistema de controle sobre a Assembleia Legislativa, as
Polícias, o Judiciário e o MP.
Garantindo que não desistirá de denunciar “a impostura política que
prevalece neste país sob a forma constitucional”, o jurista Fábio Konder
Comparato, uma das maiores autoridades do mundo Jurídico do país, analisa a
fragilidade da democracia brasileira, a corrupção endêmica no país e, também, a
sistemática blindagem dos escândalos que envolvem o tucanato em São Paulo.
Em diálogo com a reportagem Operação Abafa: como os
tucanos se mantêm no poder, o jurista avalia que o PSDB
“conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência
dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande
parte, o Judiciário e o Ministério Público”. Além de “montar igualmente um
esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção”.
Konder Comparato também recupera as origens e as características da
corrupção brasileira, um “mal endêmico” desde os tempos coloniais, denunciando
“o costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma
espécie de patrimônio pessoal”. Vale destacar que, atenta a esse “costume”, a
Carta Maior vem recuperando uma série de escândalos de corrupção que, na
prática, não deram em nada. Leiam também: Tucano bom é tucano solto e A Sociologia da Honestidade de
FHC.
Nesta entrevista, o professor Konder Comparato alerta sobre a
inexistência de uma verdadeira democracia em nosso país: “O povo jamais teve
qualquer espécie de poder político no Brasil”. Um exemplo? A própria
Constituição brasileira que determina ser da competência exclusiva do Congresso
Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. “Somente os mandatários do
povo tem poder para autorizar as manifestações de vontade deste!”, denuncia.
Confiram a entrevista:
Confiram a entrevista:
A corrupção dos órgãos oficiais do Estado de São Paulo
Como é possível avançar no combate à corrupção, apesar do bloqueio e das
manobras sistemáticas que impedem, por exemplo, investigações e CPIs no Estado
de São Paulo?
Fábio Konder Comparato - O PSDB acha-se no governo do Estado há mais de
um quarto de século. Durante esse tempo, conseguiu aparelhar um sistema de
controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia
Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério
Público. O partido conseguiu, além disso, montar igualmente um esquema de
controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção.
A eliminação dessa máquina de poder partidário somente ocorrerá quando
tivermos introduzido em nossa organização constitucional algumas medidas, como
a eleição do chefe do Ministério Público estadual pelos seus pares, e a
autonomia da Polícia Judiciária em relação à chefia do Poder Executivo.
Enquanto tais medidas não existirem, é preciso usar dos poucos recursos
disponíveis pelos cidadãos, como a ação popular e outras ações judiciais, bem
como representações junto ao Ministério Público, ou até mesmo o Conselho
Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília.
Como se percebe, não é um jogo fácil.
A corrupção no Brasil, como um mal endêmico
O sr. vem alertando que a corrupção é um mal endêmico no Brasil. Tivemos
algum avanço?
Konder Comparato - Denomina-se endemia uma doença infecciosa que ocorre habitualmente
e com incidência significativa numa determinada população. Pois bem, falando
simbolicamente, a corrupção dos órgãos públicos no Brasil é uma endemia cujas
primeiras manifestações irromperam já no primeiro século da colonização.
Assinale-se que, quando em 1549 aqui chegou Tomé de Souza, o primeiro
Governador-Geral do Brasil, ele trazia consigo um Ouvidor-Geral, ou seja, chefe
dos serviços de Justiça e Polícia, e um Provedor-Mor, ou seja, o encarregado de
dirigir os assuntos econômicos da colônia. Pois bem, ambos haviam sido acusados
de desviar dinheiro do Tesouro Régio, quando ainda estavam em Portugal. Ao aqui
chegar, o Ouvidor-Geral enviou um ofício enviado ao Rei de Portugal, para
declarar que o quadro geral da colônia configurava “uma pública ladroíce e
grande malícia”.
Note-se que, à época, os administradores para cá enviados pela metrópole
haviam comprado seus cargos públicos, costume já consolidado em Portugal. Aqui
chegando, a fim de amortizar o valor da compra de seus cargos e para compensar
o sacrifício de viver nesta colônia atrasada e distante, tais administradores
procuravam de qualquer maneira ganhar dinheiro. Para tanto, associavam-se aos
senhores de engenho e grandes fazendeiros, participando de seus negócios;
quando não se tornavam, eles próprios, senhores de engenho ou proprietários de
fazendas.
A partir de então, institucionalizou-se a associação permanente dos
potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais, formando o
grupo oligárquico que até hoje comanda este país. Estabeleceu-se desde então o
costume da privatização do dinheiro público, usado pelos oligarcas como uma
espécie de patrimônio pessoal. Ou seja, corruptos são apenas os que se vendem
por dois tostões de mel coado. É o tema do conto de Machado de Assis, Suje-se
gordo!
Sem dúvida, a operação Lava Jato parece ter sido o começo de uma mudança
nessa longa tradição. Mas é preciso dizer que tal operação tem sido
ostensivamente seletiva, pois deixa de lado todas as ladroíces cometidas nos
governos anteriores ao PT no poder, abusando do vício dos dois pesos e duas
medidas.
Democracia inexistente
Quais os entraves e caminhos que ainda precisamos percorrer para que o
poder, efetivamente, “emane do povo”?
Konder Comparato - Para resumir o assunto, o povo jamais teve qualquer espécie de
poder político no Brasil. Fala-se habitualmente em reconquista da democracia
com o término do regime de exceção empresarial-militar instalado em 1964, e o
restabelecimento das eleições. Mas nestas, a vontade popular é sistematicamente
falseada pela influência do poder econômico dos oligarcas e as práticas
ardilosas dos políticos profissionais.
Pior ainda: na nossa política, desde os tempos coloniais temos tido uma
tradição de dissimulação do poder oligárquico por meio de belas instituições
oficiais ocultando a realidade. Nossas Constituições, por exemplo, desde a
primeira de 1824, são peças puramente retóricas, incapazes de enfraquecer e,
menos ainda, de extinguir o regime oligárquico.
A atual “Constituição Cidadã”, por exemplo, declara em seu art. 14 que a
soberania popular é exercida, além do sufrágio eleitoral, pelo plebiscito, o
referendo e a iniciativa popular legislativa. Mais adiante, porém, o art. 49,
inciso XV vem precisar que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional
autorizar referendo e convocar plebiscito”. Ou seja, trocando em miúdos,
somente os mandatários do povo tem poder para autorizar as manifestações de
vontade deste! É, literalmente, a submissão do mandante à autoridade do
mandatário.
E quanto à iniciativa popular, a direção da Câmara dos Deputados já
fixou, desde o início de vigência da Constituição, que os milhares de
assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei de iniciativa
popular devem ser reconhecidas, uma a uma, pelos funcionários daquela Casa do
Congresso Nacional. É exatamente por isso que até hoje nenhum projeto dessa
natureza foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional.
Revoltado contra esse embuste jurídico oficial, tentei atuar. Em 2004,
em nome do Conselho Federal da OAB, apresentei à Comissão de Legislação
Participativa da Câmara dos Deputados um projeto de lei de regulamentação do
art. 14 da Constituição, para eliminar a interpretação de que o Congresso
Nacional tem poderes acima do povo soberano, em matéria de plebiscitos e
referendos. O projeto ainda não foi votado em plenário na Câmara, mas já um
substitutivo apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por
um deputado do PT veio reafirmar, com outras palavras, que somente o Congresso
Nacional tem o poder de autorizar o povo soberano a votar em plebiscitos e
referendos.
Em 2005, apresentei a dois Senadores um anteprojeto de Proposta de
Emenda Constitucional, introduzindo em nosso país o instituto de recall; isto
é, do referendo revocatório de mandatos políticos. O povo elege e pode,
portanto, destituir o representante eleito. Obviamente, após nove anos de
tramitação, a proposta foi desaprovada em plenário.
Mas saibam que não desistirei de denunciar a impostura política que
prevalece neste país sob a forma constitucional.
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