(Foto: Internet) |
Espero estar em Bogotá em março,
quando está previsto um transcendente fato histórico para a América Latina: a
assinatura do acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros das FARC. Já
será um enorme passo. Mas firmar a paz não significa fazer a paz. O duro
certamente será construir a paz depois de tanto sangue e tanta dor.
Por Jadson
Oliveira (jornalista/blogueiro), editor deste Blog Evidentemente – reproduzido do site Dia e Noite no Ar, de 23/02/2016
De Salvador-Bahia - “A Colômbia tem uma terrível
história de violência desde o século passado, a violência nos anos 50 era
monstruosa”. Quem faz tal observação é o respeitado linguista estadunidense
Noam Chomsky, ferrenho crítico da política imperialista de seu país, ao avaliar
como positivo o processo de negociação para um acordo de paz, posto em marcha
desde novembro de 2012, em Cuba, pelas delegações do governo e das FARC (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Espera-se
que o ato formal de assinatura do acordo se dê no próximo dia 23 de março. O
próprio presidente Juan Manuel Santos tem confirmado a data. Mesmo chegando a
tal desfecho, como tudo indica, Chomsky não deixa de frisar que a situação do
país continuará difícil. Mas, claro, sem o conflito armado, um pouco menos
difícil, acrescento eu.
Estou
cheio de expectativa diante desse feito realmente transcendente para a América
Latina, a nossa Pátria Grande, como dizia Simón Bolívar, expressão posta na
ribalta pela pregação do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. (Uso o adjetivo
“transcendente” numa homenagem aos hermanos latino-americanos de fala
espanhola, eles adoram este termo).
Muito
particularmente porque estarei por lá durante o mês em que está previsto tão
“transcendente” fato – isto é, se o imponderável não atrapalhar. Deverei estar,
portanto, em Bogotá (no mês seguinte planejo estar em Lima, as duas capitais
sul-americanas – contando apenas os 10 principais países – que ainda não
visitei desde que, em 2007, ao me aposentar, passei a andar pela América Latina
e um pouco pelo Caribe).
Eu estava
em Caracas em meados de 2012 quando estourou a bomba dando conta da disposição
do presidente Santos de iniciar conversações com os guerrilheiros das FARC, o
grupo insurgente mais forte do país, em atividade desde a década de 60 (o
outro, com poder de fogo bem menor, é o ELN – Exército de Libertação Nacional).
Me recordo
o que relatou o então presidente Chávez: num encontro dos dois chefes de Estado,
Santos fez sinal para ele e cochichou: “Quero falar a sós com você”. A sós, lhe
disse que queria negociar com as FARC e queria a sua ajuda. Chávez acrescentou
que era só isso o que poderia contar, pois sobre a delicada questão ele não
deveria comentar mais nada, o que, aliás, era contra seu hábito de falar muito,
brincou com seu constante bom humor.
Era um
desenrolar surpreendente. Note o contexto: Chávez vivia rompido com o
ultradireitista Álvaro Uribe, que elegeu para sucedê-lo o seu ministro da
Defesa, Juan Manuel Santos, o mesmo que na presidência logo estabeleceu uma
política de boa vizinhança com Chávez e se dispôs a negociar com os
guerrilheiros, sob a oposição furiosa do seu ex-chefe Uribe.
Em
seguida (2014), Santos se reelegeu presidente sustentando a bandeira da busca
da paz. Enfrentou no segundo turno o candidato do mesmo Uribe (hoje senador),
cuja bandeira era o boicote às negociações de paz.
220.000 mortos, 25.000
desaparecidos e 30.000 sequestrados
E depois
de mais de três anos de conversações, com muito vai e vem, alguns desacordos e
muitos acordos, acusações de lado a lado, denúncias, queixas e muita polêmica, parece
que finalmente os sofridos colombianos estão próximos do final feliz.
Já houve
até um festejado aperto de mão entre o presidente Santos e o comandante número
1 das FARC (codinome Timochenko) após o acordo num dos mais intrincados pontos
da agenda em discussão: a reparação às milhares de vítimas do conflito armado
(foto acima de setembro de 2015; entre os dois, o presidente cubano Raúl Castro).
E há uns três meses os homens do Exército e das FARC não trocam tiro.
Já é um
enorme passo chegar até aqui. Mas assinar a paz não significa obter a paz. O
duro certamente será construir a paz depois de quase 70 anos de guerra, desde
que o grande líder popular das forças liberais Jorge Gaitán foi assassinado pelos
adversários conservadores em 1948.
A partir daí o país
vive dominado pela violência e não é à toa a observação, transcrita logo na
abertura do artigo, do grande humanista Noam Chomsky, que chama a atenção para
o papel nefasto dos paramilitares, advertindo: “A Colômbia, mesmo sem o problema da guerrilha, continuará sendo um dos
piores países para os defensores dos direitos humanos, para líderes sindicais e
outros”.
Um
relatório de 2013 do Centro Nacional de Memória Histórica (CNMH) cita 220.000
mortos, mais de 25.000 desaparecidos e quase 30.000 sequestrados durante o
longo conflito. E mais: 5,7 milhões de vítimas de deslocamento forçado. O mesmo
Chomsky informa que é o segundo país no mundo com o maior número de migrantes dentro
do próprio território (o primeiro é o Afeganistão).
Entre as
fileiras da União Patriótica, talvez o partido de esquerda (ou centro-esquerda)
mais influente do país, contam milhares de militantes assassinados – inclusive
candidatos a presidente – durante campanhas eleitorais nas quais forças de
esquerda arriscaram-se a participar do jogo institucional, legal.
Os
governos, inclusive o de Uribe e o atual de Santos, sempre estiveram vinculados
estreitamente ao império dos Estados Unidos, que mantém bases militares no país
e despejou bilhões de dólares através do chamado Plano Colômbia, renovado há
poucos dias depois de 15 anos de vigência, sempre sob a alegação do suposto
combate ao narcotráfico.
Pelo
visto, mesmo com o acordo de paz a ser firmado e apesar do poder de mobilização
dos movimentos sociais das cidades e das zonas rurais, os colombianos e seu
grande e rico país – sem contar o Brasil, é o mais populoso da América do Sul
com 48 milhões de habitantes – terão que ainda sangrar muito para continuar
enchendo as burras das insaciáveis corporações multinacionais.
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