Enquanto
os repórteres e apresentadores das emissoras de TV, bem como os artistas
entrevistados, falam à saciedade de um tal “Carnaval da paz”, nas ruas, fora
dos blocos protegidos por cordas, há uma guerra de cotoveladas e porradas. Até zero
hora desta terça (dia 9), 289 vítimas de agressões físicas tinham sido
atendidas nos circuitos da folia, a maioria com a cara quebrada.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro),
editor deste Blog Evidentemente –
reproduzido do site
diaenoitenoar.com.br, de 09/02/2016
De Salvador-Ba -
O experiente jornalista Hermano Henning, hoje com 70 anos, no SBT, já trabalhou
em vários veículos de comunicação. Durante sua larga temporada na TV Globo foi
corresponde internacional por mais de 10 anos, tendo oportunidade de ter
contatos com cenários de guerra, como o conflito entre Irã e Iraque
e guerras da Angola, do Golfo e das Malvinas, conforme se descreve na
Wikipédia.
Na década de 1980 Henning atuou também em Salvador, na TV Aratu, que
então retransmitia a Globo, acrescentando ao seu vasto currículo de repórter a
experiência de cobrir o Carnaval baiano. E ficou muito impressionado: declarou
que mesmo tendo passado pela dura prova de coberturas de conflitos armados
internacionais, sentiu mais medo ao cobrir o Carnaval de Salvador.
Eu trabalhava na época como repórter na imprensa baiana. Me lembro que,
entre nós, colegas de redação – Vicente de Paula, editor deste site, era um
deles -, o assombro de Henning diante da violência do Carnaval de rua na capital
baiana só vinha amplificar uma verdade já sabida, mas sempre minimizada pela
imprensa.
(Hoje mais ainda, já que a família do prefeito atual é dona da TV de
maior audiência na Bahia, bem como de rádio e jornal).
É pena que os simples mortais tenham tanta dificuldade de filtrar os
noticiários da mídia hegemônica e de contrabalançar o bombardeio das mensagens
publicitárias. É a lógica perversa da manipulação: quando enfatizam a palavra
paz, não tenham dúvidas: há guerra; se falam tanto de paz é para esconder que
há guerra.
Os repórteres e apresentadores das emissoras de TV, bem como os artistas
entrevistados, falam à saciedade em “Carnaval da paz”, abusam da palavra
“maravilhoso”, os cinegrafistas e editores capricham na seleção das imagens.
Cria-se uma narrativa “apropriada” a um discurso previamente estabelecido, uma
“verdade” paralela, que deve ser crível pelo menos para quem está protegido
pelas cordas dos blocos e pelo aconchego dos camarotes.
O
discurso e a realidade
De um lado o discurso, do outro a realidade: a Polícia Militar, nossa
polícia militarizada, faz o chamamento através de seus relações públicas e suas
mensagens – “Neste Carnaval, vá na paz” – e bota milhares de soldados nas ruas
para enfrentar a guerra (“ainda bem!”, exclamam cidadãos e cidadãs
amedrontados).
É a mesma PM militarizada que mata “bandidos” invariavelmente pobres,
pretos e das periferias, a maioria jovens, e que ostenta a consigna “Pacto pela
vida”.
Até que ponto o discurso oficial é assimilado pelo povo? Confesso que
tenho muitas dúvidas. Os de classe média, brancos, mais aquinhoados
financeiramente – os mesmos que estão nos blocos com cordas e nos camarotes –
devem ter uma percepção. Enquanto que os chamados ppp – os mesmos que trabalham
como “cordeiros” e pulam na “pipoca” – devem ter outra.
Vamos tentar ser honestos: quem já teve coragem de cair na gandaia, no
meio da “pipoca”, teve sensação de paz ou de guerra? Eu não posso falar como um
folião porque, na verdade, nunca fui. Mas posso testemunhar que, quando bem
mais jovem, me afoitei entrar um pouquinho na confusão em três ocasiões:
Na Praça Castro Alves tomei uma cotovelada; na Praça Municipal um grupo
de “pivetes” me tomou um boné do Flamengo; e na Rua da Ajuda uma mulher meteu a
mão no meu bolso, pegou minha carteira, ato contínuo eu a abracei e a segurei,
ela imediatamente deixou a carteira cair no chão.
Dou mais um testemunho pessoal: quando eu servia ao Exército, em 1964
(olha aí, posso dizer ironicamente que fui um soldado “revolucionário”), havia
alguns recrutas meus companheiros de turma - dos mais briguentos e violentos –
que saiam, em grupo, para “brincar” o Carnaval.
O “brincar” Carnaval deles era outra coisa. Não era simplesmente pular,
farrear, beber umas e outras e pegar garotas, como se poderia esperar de
rapazes no auge da virilidade. Não. O objetivo prioritário deles era “dar
porrada”. Pouco importava em quem e por que, simplesmente “dar porrada”, era a
diversão predileta do grupo. Pode ser?
PS 1 - Vicente de Paula,
editor deste Dia e Noite no Ar, que
vem cobrindo o assunto, promete que nesta terça à noite publicará matéria com
os dados atualizados e abrangentes da violência do Carnaval 2016. Me falou de
alguns números parciais, como as 289 pessoas agredidas fisicamente e atendidas até
zero hora de hoje, terça-feira.
PS 2 - A foto acima,
capturada de vídeo do site g1.globo.com, mostra o lance em que a cantora
Daniela Mercury interrompe momentaneamente sua apresentação, pelo Bloco
Crocodilo, no domingo, dia 7, circuito Barra/Ondina, para apaziguar uma briga
entre foliões fora das cordas.
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