Manifestantes reúnem-se na avenida Paulista, em ato contra o governo Dilma Rousseff, em dezembro de 2015 (Foto: André Tambucci/Fotos Públicas/blog de Roberto Amaral) |
Por que tanto ódio, se os
governos do PT sequer são reformistas, como tentou ser o trabalhismo janguista
com seu pleito pelas ‘reformas de base’? Ora, o Estado brasileiro de 2016 é o
mesmo herdado em 2003, e ‘os donos do poder’ são os mesmos: o sistema
financeiro, os meios de comunicação de massas vocalizando os interesses do
grande capital, o agronegócio e as fiespes da vida.
Ocorre que - e eis uma tentativa
de resposta - se foram tão complacentes com o grande capital, ousaram os
governos Lula, e Dilma ainda ousa, promover a inclusão social da maioria da
população e buscar ações de desenvolvimento autônomo, nos marcos da
globalização e do capitalismo, evidentemente, mas autônomo em face do
imperialismo.
Por Roberto Amaral – reproduzido do seu blog, de 28/01/2016
É preciso tentar entender os motivos da unanimidade
conservadora contra o PT apesar de seus governos nem reformistas serem.
A direita
latino-americana aceita quase-tudo, até desenvolvimento e democracia, conquanto
não venham acompanhados, seja da emergência das classes populares, como
pretendeu o Brasil de João Goulart e Lula, seja da defesa das soberanias
nacionais dos países da região, como lá atrás intentou o segundo governo
Vargas.
A
história não se repete, sabemos à saciedade, mas em 1954, como em 1964, em
comum com os dias de hoje, organizou-se um concerto entre forças políticas
derrotadas nas urnas, mais setores dominantes do grande capital e a unanimidade
da grande imprensa, unificadas pelo projeto golpista gritado em nome de uma
democracia que em seguida seria posta em frangalhos.
Naqueles
episódios, com o ingrediente perverso da insubordinação militar, o momento
culminante de uma razzia anti-progresso e pró-atraso, alimentada de longa data
por setores majoritários da grande imprensa, um monopólio ideológico
administrado por cartéis empresariais intocáveis.
Essa
unanimidade ideológico-política dos meios de comunicação de massas é, assim, a
mesma dos anos do pretérito. O diferencial, agravando sua periculosidade, é a
concentração de meios facilitando o monopólio anulando qualquer possibilidade
de concorrência, blindando o sistema de eventuais contradições e ‘furos’.
Que
fizeram os governos democráticos – que fez a sociedade, que fez o Congresso,
que fez o Judiciário – para enfrentar esse monstro antidemocrático que age sem
peias, a despeito da ordem constitucional?
As razões
para a crise remontam à concepção de nação, sociedade e Estado que as forças
conservadoras – ao fim e ao cabo nossos efetivos governantes – estabeleceram
como seu projeto de Brasil.
O
desenvolvimento de nossos países pode mesmo ser admitido por esses setores –
sempre que o malsinado Estado financie seus investimentos –, conquanto que
respeitados determinados limites (não os possa tributar, por exemplo), ou
comprometê-los com objetivos nacionais estratégicos, como respeitosos com essa
gente foram os anos de ouro do juscelinismo.
Jamais um
desenvolvimento buscadamente autônomo, como pretenderam o Chile de Allende, com
as consequências sabidas, e a Venezuela, acuada e acossada desde os primeiros
vagidos do bolivarianismo, o qual, seja lá o que de fato for para além de
discurso, perseguiu um caminho próprio de desenvolvimento econômico-social, à
margem dos interesses do Departamento de Estado, do Pentágono e do FMI.
Democracia
até que é admissível, conquanto não se faça acompanhar da ascensão das grandes
massas, pelo que João Goulart se arriscou e perdeu o poder. A propósito, F.
Engels (introdução ao clássico Luta de classes na França, de Marx) observa que
“… a burguesia não admitirá a democracia, sendo mesmo capaz de golpeá-la, se
houver alguma possibilidade de as massas trabalhadoras chegarem ao poder”.
Ora, na
América Latina basta a simples emergência das massas ao cenário politico, sem
mesmo qualquer ameaça de ascensão a fatias mínimas de poder, para justificar os
golpes-de-Estado e as ditaduras.
Além de
promover essa emergência do popular no político, trazendo massas deserdadas
para o consumo e a vida civil, Lula intentou uma política externa independente,
como independente poderia ser, nos termos da globalização de nossas limitações
econômicas e militares. Desvela-se, assim, o ‘segredo’ da esfinge: não basta
respeitar as regras do capitalismo – como respeitaram Getúlio, Jango, Lula, e
Dilma respeita – posto que fundamental é, mantendo intocada a estrutura de
classes, preservar a dependência ao modelo econômico-político-ideológico ditado
pelas grandes potências, EUA à frente.
O Não
contém o Sim. O que não é possível diz o que é desejado, identificar o
adversário é meio caminho andado para a nomeação dos aliados e servidores.
Assim se justifica, por exemplo, tanto a unanimidade da opinião publicada em
favor de Mauricio Macri, a mesma que acompanhou os últimos governos colombianos,
quanto a unanimidade dos grandes meios contra os Kirchner, até ontem, e ainda
hoje contra Rafael Correa e Evo Morales, bem como o ódio visceral ao
‘bolivarianismo’, na contramão dos interesses das empresas brasileiras
instaladas e operando na Venezuela.
São os
fabricantes de opinião contrariando nossos interesses econômicos e erodindo
nosso natural peso regional – onde alimentamos justas expectativas de exercício
de poder – mas, como sempre, fazendo o jogo dos interesses de Wall Street e da
City.
Essa
lógica da dependência – ou de comunhão de interesses entre nossa burguesia e o
poder central, acima dos interesses nacionais – explica também a unanimidade
contra Dilma e contra o que ideologicamente é chamado de ‘lulismo’ ou
‘lulopetismo’, nada obstante suas (suponho que hoje desvanecidas) ilusões
relativamente à ‘conciliação de classes’.
Conciliação
que não deu certo com Vargas e não está dando certo com Dilma, não obstante
suas concessões ao capital financeiro, malgrado o alto, muito alto preço
representado pelo desapontamento das forças populares que a elegeram no final
do segundo turno.
Esse
movimento – que representa dar dois passos atrás contra só um à frente -,
detetado a partir de dezembro de 2014, valeu-lhe a ainda insuperada crise de
popularidade, sem a compensação do arrefecimento da fúria oposicionista ditada
a partir da Avenida Paulista.
Atribui-se
a Lula a afirmação de que os banqueiros jamais teriam obtido tantos lucros
quanto lograram em seu governo. Anedota ou não, o fato objetivo é que segundo o
bem informado Valor, o lucro dos bancos foi de 34,4 bilhões de reais na era
FHC, e de 279,0 bilhões de reais no período Lula, ou seja, oito vezes maior, já
descontada a inflação.
Por que
então essa oposição a Dilma se seu governo, como os dois anteriores de Lula,
não ameaçou nem ameaça qualquer postulado do capitalismo, não ameaça a
propriedade privada, não promoveu a reforma agrária, não ameaça o sistema
financeiro, não promoveu a reforma tributária?
Por que
esse ódio vítreo da imprensa se sequer ousaram os governos Lula-Dilma – ao
contrário do que fizeram todos os países democráticos e desenvolvidos –
regulamentar os meios de comunicação dependentes de concessões, como o rádio e
a tevê?
Por que
essa unanimidade, se os governos do PT (e a estranha coabitação com o PMDB) não
tocaram nas raízes do poder, não ameaçaram as relações de produção fundadas na
preeminência do capital (muitas vezes improdutivo) sobre o trabalho?
Por que
tanto ódio, se os governos do PT sequer são reformistas, como tentou ser o trabalhismo
janguista com seu pleito pelas ‘reformas de base’? Ora, o Estado brasileiro de
2016 é o mesmo herdado em 2003, e ‘os donos do poder’ são os mesmos: o sistema
financeiro, os meios de comunicação de massas vocalizando os interesses do
grande capital, o agronegócio e as fiespes da vida.
Ocorre
que, e eis uma tentativa de resposta, se foram tão complacentes com o grande
capital, ousaram os governos Lula, e Dilma ainda ousa, promover a inclusão
social da maioria da população e buscar ações de desenvolvimento autônomo, nos
marcos da globalização e do capitalismo, evidentemente, mas autônomo em face do
imperialismo.
Assim,
negando o comando do FMI, negando a Alca e concorrendo para o fortalecendo do
Mercosul, esvaziando a OEA e promovendo a Comunidade de Países da América
Latina e Caribe (Celac – nota deste blog Evidentemente: o nome oficial é
Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos), e, audácia das
audácias, tentando constituir-se em bloco de poder estratégico no Hemisfério
Sul, com sua influência na América Latina e a aproximação com a África.
Nada de
novo no castelo de Abranches, nem mesmo a miopia dos que não veem, ou, que, por
comodismo ou pulsão suicida, preferem não ver o que está na linha do horizonte.
Supor que a presidente está a salvo da onda golpista é tão insensato quanto
supor que o projeto da direita se esgotaria no impeachment.
Há ainda
muito caminho a percorrer.
O projeto
da direita é de cerco e de aniquilamento das esquerdas brasileiras. Nesses
termos, o assalto ao mandato da presidente é só um movimento, relevantíssimo
mas só um movimento num cenário de grandes movimentações, a porta pela qual
avançarão todas as tropas.
O projeto
da direita é mais audacioso, pois visa à construção de uma sociedade
socialmente regressiva e politicamente reacionária, com a tomada de todos os
espaços do Estado. Boaventura de Sousa Santos chama a isso – as ditaduras
modernas do século XXI — de ‘democracias’ de baixa intensidade.
O
primeiro passo é a demonização da política. Já foi atingido.
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