(Foto: Pátria Latina) |
Com exceção de Cuba e da Bolívia, todos eles
(governos progressistas da América Latina) acreditaram poder segurar o violino
com a esquerda e tocar com a direita… O que se vê é um concerto desafinado.
Por Frei Betto – no site Pátria Latina – uma voz a serviço da
integração dos povos, de 02/12/2015
A vitória
eleitoral de Macri, novo presidente da Argentina, é mais um passo da América
Latina rumo ao neoconservadorismo. O processo de desmonte das políticas
neoliberais, tão em voga nas décadas de 1980 e 1990, teve início com a eleição
de Chávez na Venezuela, em 1998.
Em seguida,
foram eleitos vários presidentes progressistas: Lula no Brasil, Lugo no
Paraguai, Zelaya em Honduras, Funes em El Salvador, Bachelet no Chile, Morales
na Bolívia e Mujica no Uruguai. Cuba e Nicarágua foram pioneiras nesse
processo.
Esse avanço
neutralizou a proposta da ALCA e favoreceu a criação de instituições de
articulação regional e continental, como Aliança Bolivariana, Unasul, Celac, e
fortaleceu o Mercosul.
No conjunto
da América Latina, as condições sociais melhoraram significativamente, com a
redução da miséria absoluta.
Ser de
esquerda em um mundo dominado pela direita é quase como se manter virgem no
bordel. A ascensão das forças progressistas na América Latina, na virada dos
séculos 20 e 21, despontou como a ocasião de desmontar a tese de Robert Michels
(1911), de que todo partido de esquerda que trafega nas vias da legalidade
burguesa é inevitavelmente cooptado por ela.
Em dois
países a direita enveredou pelo atalho do golpismo, e interrompeu a
possibilidade de reformas pela via democrática: Honduras (2009) e Paraguai
(2012). Nos demais, a direita tem sido beneficiada por erros dos governos
progressistas.
Com exceção
de Cuba e da Bolívia, todos eles acreditaram poder segurar o violino com a
esquerda e tocar com a direita… O que se vê é um concerto desafinado.
Ainda que
políticas sociais tenham sido implementadas com êxito e livrado milhões de
pessoas da miséria, as reformas estruturais, quando feitas (infelizmente não é
o caso do Brasil), não foram suficientes para criar um modelo alternativo ao
neodesenvolvimentismo consumista.
A economia
permaneceu com todas as suas características neocoloniais, de exportação de
produtos primários, agora denominados commodities. Não se criou um mercado
interno sustentável, nem se reduziu a desigualdade social, ainda que tenha
havido aumento do poder aquisitivo dos pobres.
O erro
principal, porém, foi não complementar a inclusão econômica com a inclusão
política. Os benefícios aos mais pobres vieram como iniciativa do Estado e não
como conquista do povo. Não se organizou politicamente o pobretariado. Não se
conscientizou o oprimido. Não se fez da grande massa de eleitores protagonistas
políticos. A exceção é a Bolívia, onde há o mais consistente governo
progressista da América Latina. E o é justamente por priorizar, no arco de
alianças políticas, os movimentos sociais.
A Argentina
pode ser a primeira peça do dominó a tombar. Brasil e Venezuela se destacam no
alvo dos neoliberais.
Em um mundo
que, ameaçado pelo terrorismo, troca a liberdade pela segurança, e cujo poder
financeiro (especulação) se sobrepõe ao industrial (produção), e no qual a
ambição de consumo prevalece sobre o direito à cidadania, os governos
progressistas se omitiram quanto à única via capaz de garantir-lhes
sustentabilidade: formação e organização política de suas bases eleitorais.
Muitos partidos se deixaram contaminar pela corrupção, e não cuidaram da
“alfabetização política”.
Eis que o
sonho ameaça virar pesadelo. A menos que a esquerda perca a vergonha de ser de
esquerda.
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