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Comprem e ostentem luxo e riqueza, cristãos
hipócritas! - poderia invectivar Jesus Cristo se aqui voltasse -, mas metam a
mão na consciência e saibam que vim trazer o amor e a espada pela justiça
social.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro)
– editor do Blog Evidentemente –
reproduzido do site Dia e Noite no Ar, de
29/12/2015
É praxe se
dizer que na época de Natal e passagem de ano é o momento de reflexão e
mudança. Na prática, porém, não se vê nem uma coisa nem outra. Muito ao
contrário.
Mesmo porque
os modernos templos do consumo, com aquele burburinho infernal em que se
transmutam os shoppings centers, não são locais adequados para qualquer
reflexão. São locais construídos e ampliados a cada ano para comprar, comprar e
comprar.
E mudança, que
mudança? Se a parcela da população que tem dinheiro pra comprar está tão feliz!
E afinal, na sociedade do deus Mercado, do deus Consumo, é a única parcela que
conta. O resto é o resto. E tome ostentação e intolerância, tão celebradas
pelos monopólios dos meios de comunicação.
Daí que o papa
Francisco, que tem demonstrado ser um homem sensível, tenha se esmerado na
última Missa do Galo em defender a sobriedade e a simplicidade numa “sociedade
frequentemente ébria de consumo e prazeres, de abundância e luxo”.
O Papa pede
aos católicos que cultivem o sentimento de justiça. Eu explicitaria: de justiça
social, de inconformidade diante das injustiças sociais, de rebeldia – esse
sentimento tão próprio da juventude – diante das desigualdades sociais.
Porque é disso
que se trata quando se fala de Jesus: rebeldia. Que diria o “companheiro Jesus”
se aqui voltasse e verificasse que os 2% mais ricos da população mundial detêm
mais da metade de todas as riquezas, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas
1%?
Tais dados são
citados por Guilherme Boulos, coordenador do movimento dos sem-teto em São
Paulo, num artigo que publiquei ontem no meu blog Evidentemente (Natal sem
hipocrisia). Ele acrescenta: “Os donos do poder, via de regra, continuam
atuando para manter esta estrutura de privilégios e reprimir o povo quando ousa
enfrentá-la”.
Boulos cita
também uma reflexão crucial do nosso Frei Betto: Jesus Cristo não morreu de
hepatite numa cama, nem foi atropelado por um camelo numa esquina de Jerusalém.
Ele foi um preso político caído nas mãos do prefeito Pôncio Pilatos e dos
sacerdotes judeus. Foi torturado, condenado a morrer na cruz e executado
juntamente com dois delinquentes “comuns” – a crucificação era uma pena usual
na cultura local da época.
Se Jesus voltasse
hoje por aqui e mantivesse a postura combativa frente às injustiças sociais que
lhe é atribuída nas escrituras seria por certo tachado de comunista, se seu
retorno ocorresse durante a chamada Guerra Fria, no século passado.
Se aparecesse
depois da derrubada das Torres Gêmeas, em 2001, poderia ser catalogado como
terrorista. Mas se a aparição se desse aqui na América Latina, na nossa Pátria
Grande, no decorrer deste início de século 21, não há dúvida: seria
estigmatizado como bolivariano.
Mas, com certeza,
não seria condenado ao suplício da cruz: poderia ser executado com um tiro de
fuzil, como fizeram com Che Guevara na Bolívia em 1967; ou ser emboscado por um
grupo de policiais chefiados por Sérgio Fleury numa rua de São Paulo em 1969,
durante a última ditadura brasileira, como o foi o baiano Carlos Marighella;
Ou ser
assassinado sob torturas infligidas por repressores da ditadura, como o foram
no início da década de 70 – mais dois exemplos dentre milhares - os revolucionários
Carlos Danielli, dirigente do PCdoB, e Mário Alves, jornalista baiano (quando
morreu era dirigente do PCBR).
Homens que,
assim como Jesus, arriscaram a própria vida por ideais cujo pano de fundo era
um só: amor pelas pessoas, pela humanidade, humanistas corajosos que
arremeteram contra os poderosos do seu tempo, sequiosos de justiça, igualdade, liberdade,
fraternidade, solidariedade, paz – talvez hoje possamos abranger tudo isso na
filosofia do “buen vivir” dos indígenas da América Latina, incluindo a busca da
harmonia entre o homem e a natureza.
Então,
ensaiando um pouco de ficção, poderíamos imaginar uma invectiva de Jesus se
aqui voltasse: comprem e ostentem
luxo e riqueza, cristãos hipócritas! Mas metam a mão na consciência e saibam
que vim trazer o amor e a espada pela justiça social.
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