Formatura dos sem-terra em Veterinária (Foto: Leandro Molina) |
“Nosso
compromisso é nunca esquecer que viemos dos assentamentos e acampamentos. Ao
MST: conte com essas médicas e médicos veterinários; com homens e mulheres
dispostos a encarar a luta por um Brasil sem cercas”, discursou uma estudante.
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Por Catiana de Medeiros, de Pelotas (RS) – reproduzido do site do
jornal Brasil de Fato, de 21/12/2015
(sugestão do companheiro Geraldo Guedes,
advogado em Brumado-Bahia)
“Juro, no exercício da profissão de Médico
Veterinário, doar meus conhecimentos em prol da salvação e o bem-estar da vida
animal, respeitando-a tal qual a vida humana e promovendo o convívio leal e
fraterno entre o homem e as demais espécies.” Este foi o juramento feito por 45
trabalhadores rurais sem-terra durante cerimônia de formatura da 1ª Turma
Especial de Medicina Veterinária para assentados da reforma agrária, realizada
na última sexta-feira (18), em Pelotas (RS).
Os formandos, oriundos dos estados do Rio Grande do
Sul, Paraná, Santa Catarina, Ceará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul,
receberam o diploma de Médico Veterinário após oito anos da realização do
primeiro vestibular, que ofereceu 60 vagas, e de enfrentamento às barreiras
impostas por ruralistas e setores conservadores da região de Pelotas que não
queriam que o curso fosse uma conquista dos sem-terra.
A 1ª Turma Especial de Medicina Veterinária teve
como patrono o deputado Adão Pretto (in memoriam) e é uma parceria entre
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade
Federal de Pelotas (Ufpel), onde ocorreram as aulas, através do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Uma segunda turma, que
também iniciou com 60 acadêmicos, está em andamento desde 2013.
Durante a cerimônia de colação de grau, a oradora
da turma, Roseli Canzarolli, afirmou que o ingresso dos sem-terra
na universidade, há cinco anos atrás, representa o rompimento das cercas do
saber e que o diploma conquistado reforça o compromisso que os acadêmicos têm
com a luta do MST e a responsabilidade de atuar na produção agroecológica,
travando o avanço do agronegócio.
Roseli também explicou que a turma não teve
regalias ou vantagens: “Só tivemos o que é nosso por direito e de qualquer
outro estudante”, e relatou o preconceito sofrido e as dificuldades que vieram
com a falta de infraestrutura e de recursos para realizar o curso. Em nome dos
45 formandos, ela ainda ressaltou que jamais esquecerão de suas origens: a
família sem-terra.
“Nosso compromisso é nunca esquecer que viemos dos
assentamentos e acampamentos. Ao MST: conte com essas médicas e médicos
veterinários, mas, principalmente, com homens e mulheres dispostos a encarar a
luta por um Brasil sem cercas”, finalizou Roseli.
Educação aliada à transformação social
Em nome do MST, o coordenador nacional Cedenir de
Oliveira, agradeceu à Ufpel por ter aberto as portas da universidade para
acolher os acadêmicos e da coragem que tiveram de enfrentar, junto ao
Movimento, todas as barreiras que se levantaram contra a realização do curso
para acampados e assentados da reforma agrária. Ele também afirmou que, além de
marchar e ocupar latifúndios, os Sem Terra têm a condição de entrar na
universidade de cabeça erguida. “Essa juventude nos orgulha”, disse.
Para o dirigente do MST, o processo de educação dos
filhos de assentados e acampados tem entre seus objetivos principais mudar os
paradigmas da agricultura, na qual são jogados em torno de 1 bilhão de litros
de veneno por ano, provocando câncer e a morte de mais de 500 mil pessoas.
Segundo Oliveira, para mudar essa
realidade se faz necessária a produção de alimentos sadios, uma prática já
adotada por milhares de trabalhadores Sem Terra em todo o Brasil, mas que
também é fundamental o conhecimento acadêmico e científico para fortalecer esse
modelo saudável de agricultura.
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“Nossa perspectiva é que possamos avançar na
produção de alimentos livres de venenos. E, para isso, contamos com o
conhecimento empírico dos nossos camponeses, mas também precisamos, sim, do
conhecimento científico, que se dá através de cursos como o de Medicina
Veterinária, Agronomia e tantos outros que conquistamos, para que de fato
possamos enfrentar as grandes contradições, produzir com qualidade e abastecer
a sociedade”, argumentou.
Cedenir ainda apontou a importância de romper as cercas
da educação, para além do latifúndio, “para ter pessoas mais dignas, mais
cultas e, consequentemente, mais humanas”. “Não faremos mudanças sociais nesse
país apenas distribuindo economia. Nós precisamos elevar o nível de
conhecimento e de cultura das massas através da educação dos nossos filhos e
das nossas bases. Somente assim transformaremos esse país”, concluiu.
Barreiras
O curso de Medicina Veterinária para assentados da
reforma agrária começou a ser pensado ainda em 2005 pelo MST, quando foi encaminhado
um projeto para a capacitação de jovens em Medicina Veterinária ao Pronera. No
ano de 2007 ocorreu a assinatura do convênio e foi realizado vestibular para o
ingresso de 60 acadêmicos.
Porém, o Ministério Público de Pelotas entrou com
uma ação civil contra a realização do curso e as aulas iniciaram apenas quatro
anos depois, no primeiro semestre de 2011, após longa disputa judicial que
terminou com o parecer favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao Incra
no final de 2010.
As aulas iniciaram em regime de
alternância, ou seja, os estudantes passavam de 80 a 120 dias na universidade e
depois mais dois meses nas suas comunidades, realizando trabalhos acadêmicos e
de pesquisa prática.
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