Estudantes da rede pública de ensino fizeram passeatas pedindo melhorias na educação e a participação da comunidade na gestão do ensino (Foto: Correio do Brasil) |
Maria Izabel Noronha: “Essas ocupações provocaram os alunos de tal forma
que eles vão dizer: eu não quero mais sentar em frente à lousa. Eu vou querer
sentar no chão, vou querer outro tipo de aula, e isso vai requerer nova
dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar”.
Por Redação, com ABr – de São
Paulo – reproduzido do jornal digital Correio
do Brasil, de 28/12/2015
O protagonismo dos estudantes
secundaristas no debate sobre mudanças no ensino no Estado de São Paulo marcou
2015. Para Ocimar Munhoz, especialista em sistemas educacionais e professor da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a participação do
movimento estudantil proporcionou um salto no debate sobre a reorganização
escolar.
– Os estudantes entraram em
cena e isso mudou, porque deu visibilidade à questão. Expôs limitações
profundas dessa proposta do governo do Estado – disse o docente. “Foi uma
tentativa, na verdade, de fazer valer outros interesses como racionalização de
custos e a municipalização do que, propriamente, a melhoria da qualidade.”
A proposta de reorganização
escolar, do governo estadual, previa o fechamento de 94 escolas e a
transferência de 311 mil alunos para instituições de ensino na região onde
moram. A reorganização separaria em ciclos alunos com idades entre 6 e 10 anos,
adolescentes de 11 a 14 anos e jovens entre 15 e 17 anos. Estudantes, então,
ocuparam escolas para mostrar a insatisfação com a proposta.
Segundo Munhoz, o projeto passou
a ser debatido na mídia após as ocupações das escolas. Apesar de ampliar as
discussões, faltou iniciativa do governo estadual, na avaliação do professor.
“Tinha que haver um debate, mas não só pela imprensa. Isso não consolidou, de
fato, o debate”, disse.
Histórico
das ocupações
A primeira ocupação, no dia 9 de
novembro, foi a da Escola Estadual Diadema, na grande São Paulo. O movimento
cresceu gradativamente e, cerca de um mês depois, no auge, aproximadamente 200
escolas foram ocupadas. Os alunos também foram às ruas protestar, sendo,
diversas vezes, duramente reprimidos pela Polícia Militar.
Os estudantes argumentavam que a
comunidade escolar não foi ouvida sobre as mudanças. Outra crítica é que as
alterações e transferências, se colocadas em prática, causariam a ruptura da
relação que os alunos desenvolveram com colegas e prejudicariam a logística dos
pais, que muitas vezes pedem aos filhos mais velhos para levar os irmãos mais
novos para a escola. O governo estadual disse que houve queda de 1,3% ao
ano da população em idade escolar no Estado. Desde 1998, a rede estadual perdeu
2 milhões de alunos. Segundo o governo, com a divisão por ciclo, as escolas
estariam mais preparadas para as necessidades de cada etapa de ensino. “Entre
diversos estudos que foram utilizados para a proposta da reorganização, está o
resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo
(Idesp), que mostrou que unidades que atendem alunos de apenas uma faixa etária
têm desempenho melhor”, informou o governo, em nota.
No período das ocupações, os jovens criaram uma rotina de atividades
com o intuito de garantir a conservação das escolas, como mostrou a Agência
Brasil. Os grupos se dividiam entre os responsáveis pela limpeza,
alimentação e até demandas da imprensa. A comunidade colaborou com doações de
alimentos, remédios e produtos de limpeza.
Na Escola Brigadeiro Gavião
Peixoto, uma das maiores do Estado, na região de Perus, com cerca de 4 mil
matriculados, os alunos promoveram aulas voluntárias. Juliana de Oliveira, de
16 anos, estudante do segundo ano do Ensino Médio, conta que docentes de
escolas públicas e particulares se dispuseram a auxiliar na programação das
aulas. “A gente teve aula de história, uma professora veio aqui e deu aula
especial sobre o que está acontecendo na Palestina, é algo bem legal. A gente
não está desocupado. Estamos tendo aulas, palestras e estamos ganhando mais
conhecimento do que antes, porque era comum faltar professor”, disse.
O governo estadual tentou obter
na Justiça a reintegração de posse das unidades ocupadas. No dia 23 de
novembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou, por unanimidade, o
pedido.
No dia 4 de dezembro, o
governador Geraldo Alckmin recuou e revogou o decreto que instituía a
reorganização escolar em todo o Estado. Com a decisão, o secretário de
Educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, deixou o cargo.
Debate em 2016
Para a presidenta do Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo
Noronha, a iniciativa dos alunos estimulou o debate. “Essas ocupações
provocaram os alunos de tal forma que eles vão dizer: eu não quero mais sentar
em frente à lousa. Eu vou querer sentar no chão, vou querer outro tipo de aula,
e isso vai requerer nova dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar.
Estamos falando da necessidade de ter biblioteca, de ter laboratório, para que
os alunos sintam que são convidados a ir e a ficar na escola”.
A Secretaria da Educação do
Estado prometeu um debate mais aprofundado em 2016 sobre a reorganização
escolar. De acordo com a assessoria de imprensa, a metodologia desse debate
ainda não foi definida. Para Ocimar Munhoz, as discussões precisam ser mais
amplas que as feitas anteriormente à decisão da reorganização.
– Essa reorganização foi uma
medida sem um projeto, esse é um primeiro elemento que tenho destacado. Uma
medida que afeta milhares de estudantes, professores, pais, tinha que ter uma
fundamentação – declarou o especialista. A secretaria informou, por sua vez,
que houve diálogo com a comunidade. As audiências ocorreram em setembro e cada
uma das 91 diretorias de ensino definiu um método diferente para essas
reuniões.
Ocimar Munhoz defende que, em
2016, o governo dedique também atenção especial ao Plano Estadual da Educação,
contemplando a carreira dos docentes e as condições das escolas. “A melhoria da
qualidade da escola passa por um conjunto de fatores. Em São Paulo, tem a
valorização da carreira dos professores, que hoje é precária”, disse.
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