Jesus Cristo, na cruz, por Salvador Dali, é um dos quadros mais conhecidos da humanidade (Foto: Correio do Brasil) |
Dizem que
o Natal e a passagem de ano são momentos para reflexões e mudanças
Por Guilherme Boulos – de São
Paulo – reproduzido do jornal digital Correio
do Brasil, de 27/12/2015
É Natal.
Quase um terço da população mundial celebra o nascimento de Jesus Cristo. Só no
Brasil são mais de 160 milhões de cristãos. A data, é verdade, se tornou mais
que tudo um grande evento comercial, mas vale a pena aproveitarmos a ocasião
natalina para uma breve reflexão.
Jesus
Cristo, do modo como nos apresenta a Bíblia, não era um apologeta da ordem e da
tradição. Enfrentou os poderosos de seu tempo e defendeu ideias que a
consciência dominante não podia admitir.
Não por
acaso morreu na cruz, depois de perseguido, preso e torturado. Como gosta de
lembrar Frei Beto, Jesus não morreu de hepatite na cama nem atropelado por um
camelo em alguma esquina de Jerusalém. Morreu como preso político nas mãos do
prefeito Pôncio Pilatos e dos sacerdotes judeus. Isso, as escrituras nos dizem.
Nos falam
também sobre as razões que fizeram de Jesus tão odiado pelos poderosos.
Defendeu a igualdade e os mais pobres, condenando aqueles que se apegavam
demais às riquezas: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do
que um rico entrar no Reino de Deus” (Mateus 19-24).
Defendeu
a divisão dos bens, como signo da igualdade social: “Encheu de bens os
famintos, e despediu vazios os ricos” (Lucas 1, 53). E assim o fez, partilhou o
pão e os peixes entre todos (Marcos 6,41).
Jesus
enfrentou também decididamente os preconceitos, como mostra o caso bíblico da
mulher samaritana (João 4, 1-42). Acolheu os marginalizados (Marcos 7, 31) e
foi misericordioso com as prostitutas (Lucas 7, 36-50). Combateu o ódio e
intolerância.
Natal sem
ódio
Hoje,
mais de dois milênios depois, nosso mundo permanece profundamente desigual. Os
2% mais ricos da população mundial detêm mais da metade de todas as riquezas,
enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 1%. Os donos do poder, via de rega,
continuam atuando para manter esta estrutura de privilégios e reprimir o povo
quando ousa enfrentá-la.
Muitos
dos que hoje se dizem cristãos consideram a desigualdade como fato imutável e a
legitimam pelo discurso hipócrita da meritocracia. Sem falar no ódio e na
intolerância. Defendem o linchamento público de “marginais”, silenciam como
cumplicidade ante a chacina da juventude negra nas periferias, ofendem
homossexuais e toleram a agressão à mulheres.
Jesus dedicou sua vida à igualdade, justiça e paz
entre os povos. Se reaparecesse em 2014, no Brasil, ficaria
espantado com o que dizem e fazem muitos dos cristãos. Seria achincalhado com
palavras inomináveis nas seções de comentários da internet. Seria chamado de
bolivariano na avenida Paulista. Certa comentarista de telejornal o mandaria
levar para casa a mulher adúltera que ele salvou do apedrejamento. E alguém, de
dentro de algum carro no Leblon, gritaria a ele:”Vai pra Cuba, Jesus!”
Um coisa
é certa. O Jesus de que a Bíblia nos conta, se vivesse hoje, estaria ao lado
dos direitos sociais e humanos. Estaria com os sem-teto e os sem-terra, com os
negros, as mulheres violentadas e os homossexuais vítimas de preconceito.
Estaria com os imigrantes haitianos e defendendo – como o papa Francisco – o
fim do vergonhoso embargo à Cuba.
Talvez
fosse preso e torturado, do mesmo modo que milhares de brasileiros que não há
muito lutavam por igualdade e justiça. Seria sem dúvida crucificado, desta vez
não pelas autoridades romanas e os sacerdotes judeus, mas crucificado
moralmente por muitos dos cristãos que, em seu nome insistem em combater tudo
aquilo que ele defendeu.
Dizem que
o Natal e a passagem de ano são momentos para reflexões e mudanças. Assim seja.
Espero que muitos dos que partilham da fé cristã possam aproveitar a
oportunidade natalina para inspirarem-se mais no exemplo de seu mestre.
Guilherme
Castro Boulos é
professor e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST).
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Abraços Militão