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Admitir
que as chances de vitória da direita são grandes não é igual a considerar esta
vitória como inevitável, nem é igual a tratar as coisas como se esta vitória já
tivesse acontecido. Pelo contrário, temos a obrigação de trabalhar para derrotar
a ofensiva de direita. (...) Se formos derrotados, que seja na luta, não
de véspera.
A direita segue dispondo de todos
os meios deixados intocados pela esquerda conciliatória, que nunca tentou a
sério enfrentar as casamatas de poder da classe dominante: o oligopólio da
mídia, um aparato de segurança orientado por uma doutrina antipopular e
“gringodependente”, o oligopólio financeiro (que deste os anos 1990 é a fração
hegemônica da classe dominante) e a alta burocracia do Estado (no executivo,
legislativo e judiciário).
Por Valter
Pomar (da tendência petista Articulação
de Esquerda) – no seu blog, postagem de 05/11/2015 (o título e os destaques
acima são deste blog)
Agradeço
ao coletivo de trabalhadores da Fiocruz o convite para participar deste debate
(https://www.facebook.com/events/1692405764306888/),
para o qual também foram convidados o Cid Benjamin (PSOL), o Valério Arcary
(PSTU) e o Mauro Iasi (PCB).
Considerando
as restrições de tempo e a digamos “correlação de forças” do debate, decidi
apresentar minhas opiniões também por escrito e antecipadamente.
As
questões propostas --pelos organizadores-- para discussão foram as seguintes:
1.Qual
o futuro da esquerda brasileira depois de 13 anos de governos do PT?
2.Como
reorganizar as lutas quando o partido que foi (ou ainda é?) a principal
expressão do movimento dos trabalhadores nos últimos 30 anos se distancia de
suas bases e, segundo seus críticos e uma parte de seus próprios integrantes,
perde cada vez mais sua identidade de classe?
3.Quais
os limites postos à via da institucionalidade eleitoral e no caminho da
organização de base, num contexto de desmobilização?
4.Como
reagir aos ataques da "esquerda" no governo sem ignorar o ascenso de
uma "direita" truculenta nas ruas e no Congresso Nacional?
Minha
argumentação começa exatamente por esta última questão, que eu vejo da seguinte
forma:
1. Está
em curso uma ofensiva de direita (sem aspas);
2. Esta
ofensiva não se limita ao Brasil, estendendo-se a toda a América Latina, como é
possível perceber no desempenho da direita nas eleições colombianas e
argentinas, bem como na campanha eleitoral da Venezuela;
3. No
caso brasileiro, está em curso uma ofensiva simultânea da direita partidária,
da direita social, da alta burocracia de Estado, do grande capital e do
oligopólio da mídia;
4. Não
existe um “comitê central” coordenando esta ofensiva de direita. Além disso, os
diferentes setores citados no ponto anterior adotam frequentemente táticas
também diferentes, que oscilam em torno de duas variantes fundamentais:
a) os que
preferem empurrar o governo Dilma a implementar o programa econômico de Aécio
Neves, desgastando o PT e facilitando assim a eleição, em 2018, de um
presidente do campo tucano;
b) os que
preferem o afastamento da presidenta Dilma, por exemplo via impeachment seguido
imediatamente de novas eleições ou então via impeachment com
Michel Temer assumindo a presidência (possibilidade que explica o
tucaníssimo texto programático divulgado recentemente pelo PMDB).
5. Embora
existam diferenças táticas, há também um amplo consenso estratégico na direita
em torno dos seguintes objetivos:
a)
realinhar o Brasil ao bloco internacional comandado pelos Estados Unidos
(portanto, afastando-o tanto dos BRICS quanto da integração latino-americana);
b)
reduzir os níveis de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora
brasileira (o que inclui desde alterações na legislação trabalhista até
cobrança de serviços públicos, passando por revisão nas políticas de reajuste
do salário mínimo e repressão à movimentos sociais reivindicatórios);
c)
reduzir o acesso dos setores populares às liberdades democráticas em particular
e aos direitos humanos e sociais em geral.
6. Caso
esta ofensiva de direita tenha pleno êxito, não estaríamos apenas de
volta aos governos 100% neoliberais de 1994-2002. Nem estaríamos apenas diante
do desmanche dos direitos inscritos na (em geral conservadora) Constituição
“Cidadã”. Além disto e mais do que isto, sob pelo menos dois aspectos
importantes estaríamos “de volta” à características do Brasil pré-revolução de
1930:
-no que
diz respeito aos direitos trabalhistas;
-no que
diz respeito ao peso do complexo “agroexportador” na economia nacional (e,
portanto, ao lugar do Brasil na “divisão internacional do trabalho”).
7.
Portanto, esta ofensiva de direita – caso plenamente vitoriosa— não teria
apenas implicações táticas; teria principalmente implicações estratégicas, pois
alteraria aspectos importantes do contexto global em que temos atuado há pelo
menos duas décadas. Dito de outro jeito, caso a ofensiva de direita tenha êxito
agora, isto talvez signifique que tenha chegado ao fim a batalha aberta nos
anos 1980 acerca dos rumos de médio prazo do país, batalha que até então não se
concluiu, apesar das vitórias dos neoliberais nos anos 1990.
8. Esta
ofensiva de direita tem grandes chances de sair vitoriosa, por três motivos
fundamentais:
a) há um
cenário internacional favorável;
b) a
direita, mesmo sendo muitas, possui unidade estratégica;
c) a
ofensiva de direita é contra uma esquerda dividida, sendo que em parte da
esquerda prevalece neste momento uma política que ajuda a ofensiva da
direita.
9.
Entretanto, admitir que as chances de vitória da direita são grandes não é
igual a considerar esta vitória como inevitável, nem é igual a tratar as coisas
como se esta vitória já tivesse acontecido. Pelo contrário, é possível e é
necessário derrotar a ofensiva de direita. Aliás, temos a obrigação de
lutar para impedir a vitória da direita. Isto por dois motivos principais:
a) porque
o que resultaria de uma vitória da direita, nestas circunstâncias, não seria um
breve intervalo conservador, mas sim um longo “vale das sombras”;
b) porque
mesmo em caso de derrota, quanto mais forte for nossa resistência agora, menos
difícil será a reorganização posterior.
10. O que
pode ser feito para impedir que a ofensiva de direita tenha êxito?
a) não
está propriamente ao nosso alcance alterar o cenário internacional;
b)
podemos e devemos tentar dividir a direita, mas na atual conjuntura (de
ofensiva deles), divisões na direita não interromperão a ofensiva. Na melhor
das hipóteses, divisões na direita provocarão reorientações táticas na ofensiva
(por este motivo, aliás, comete uma imensa estupidez quem vacila em defender o
afastamento imediato de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados,
na crença de que o central agora seria jogar com as contradições táticas no
campo adversário e não unificar o campo popular);
c) isto
posto, o que está propriamente ao nosso alcance neste momento é unificar
a esquerda, unificar o campo popular.
11.
Unificar em torno do quê? Certamente (mas não apenas) em torno de
barrar a ofensiva de direita, algo que foi feito com êxito no segundo turno de
2014.
12. Em
outubro de 2014, foi a reação em grande medida espontânea dos setores
progressistas, democráticos, populares e de esquerda em todo o Brasil que
impediu a direita de ganhar a presidência da República.
13. O
problema é que a direita perdeu na votação popular, mas ganhou na composição do
ministério e na definição da política econômica. Para os que gostam de
analogias históricas, algo parecido ocorreu na eleição de Vargas em 1950.
14.
Portanto, talvez o principal obstáculo para unificar a esquerda esteja na
atitude que prevalece atualmente no governo Dilma, com destaque para a decisão
de fazer um ajuste fiscal recessivo.
15. O
ajuste fiscal recessivo piora as condições de vida do povo, bloqueia um
posterior crescimento com distribuição de renda e, ademais, tem as seguintes
implicações políticas:
a) dá uma
“chancela de esquerda” para o comportamento profundamente nocivo de vencer a
eleição com um programa e governar com outro (enfraquecendo, portanto, nosso
discurso em defesa da democracia e da legalidade);
b) faz um
governo eleito com apoio de amplos setores da esquerda, perder influência e
autoridade política junto às demais instituições e diante dos poderes "de
fato", nacionais e internacionais;
c) faz um
governo eleito com apoio de amplos setores da esquerda, perder apoio popular ao
ponto de tornar-se de fato minoritário;
d)
confunde, desorganiza e divide as forças de esquerda que participam, apoiam ou
pelo menos pretendiam manter uma postura de relativa “neutralidade” frente ao
governo.
16. Mesmo
que o governo Dilma estivesse cumprindo o programa vitorioso no segundo turno
das eleições presidenciais, haveria setores da esquerda que fariam oposição
(aliás, setores da esquerda brasileira criticam duramente e desde há muito até
mesmo os governos da Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina). Mas, uma vez que
o atual governo Dilma está implementando aspectos fundamentais do programa
derrotado no segundo turno de 2014, mais setores da esquerda foram empurrados
para a oposição, alguns afirmando ser contrários ao impeachment
defendido pela direita, mas em oposição ao conjunto do governo, outros defendendo
o governo, mas declarando-se em oposição à política econômica. Há, também,
setores da esquerda que colocam em primeiro plano a defesa do governo contra
o golpismo da direita, deixando em segundo plano a crítica à política econômica,
sem dar conta de que esta política constitui o principal combustível da
oposição de direita. Finalmente, há setores da esquerda que consideram o ajuste
fiscal necessário ou pelo menos inevitável.
17. Num
resumo: a esquerda brasileira está profundamente dividida. Esta divisão em
certa medida reflete e também inclui no que ocorre na própria classe
trabalhadora e nos setores populares. E vem acompanhada de uma influência
crescente das posições de direita sobre os setores populares.
18. Para
superar esta situação, para fazer com que as posições de esquerda voltem a
influenciar a maioria (absoluta ou relativa) da classe trabalhadora e dos
setores populares, é importante unificar (ao máximo possível) a esquerda
política e social. Falando em tese, há dois cenários em que será mais provável
construir esta unidade:
-caso a
direita tenha êxito em sua ofensiva (hipótese para a qual contribui a política
econômica atualmente adotada pelo governo), isto empurrará parcelas crescentes
da esquerda para uma “unidade na desgraça”;
-caso o
governo Dilma mude de política (hipótese na qual a direita prosseguirá
sua ofensiva, talvez até com mais energia), isto permitirá e estimulará
que parcelas crescentes da esquerda unifiquem-se não apenas contra a direita,
mas principalmente a favor de mudanças.
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