LUIZ CARLOS AZENHA: NA TRAGÉDIA DE MINAS, O ESTADO BRASILEIRO SUCUMBE AO PODER ECONÔMICO

(Foto: Gustavo Ferreira/Jornalistas Livres)

Bastidores de uma tragédia: Os relações públicas da Samarco dão uma surra no Estado brasileiro, que sucumbe ao poder econômico


O que aconteceu com a Vale, privatizada a preço de banana, é o mesmo que se pretende fazer com a Petrobras: colocar a empresa completamente a serviço dos acionistas, não do Brasil.

Por Luiz Carlos Azenha - reproduzido do blog Viomundo, de 09/11/2015
A mineradora Samarco, joint venture da Vale com a australiana BHP Billiton, teve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões em 2014. Ou seja, limpinhos!
Como se sabe, o Brasil é uma “mãe” para as mineradoras. A Agência Pública fez uma reportagem interessante a respeito, quando Marina Amaral perguntou: Quem lucra com  a Vale?
O “pai” das mineradoras é Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, com a Lei Kandir, isentou de ICMS as exportações de minerais!
O que aconteceu com a Vale, privatizada a preço de banana, é o mesmo que se pretende fazer com a Petrobras: colocar a empresa completamente a serviço dos acionistas, não do Brasil.
O que isso significa?
Auferir lucros a curto prazo, custe o que custar.
A questão-chave está no ritmo da exploração das reservas minerais.
Num país soberano, o ritmo é ditado pelo interesse público. É de interesse da população brasileira, por exemplo, inundar o mercado com o petróleo do pré-sal, derrubando os preços? Claro que não.
Quem lucra, neste caso, são os países consumidores. Os Estados Unidos, por exemplo. Portanto, quando FHC privatizou parcialmente a Petrobras, vendendo ações na bolsa de Nova York, ele transferiu parte da soberania brasileira para investidores estrangeiros. Eles, sim, querem retorno rápido. Querem cavar o oceano às pressas, até esgotar o pré-sal. É a dinâmica do capitalismo!
O Brasil é um país sem memória. Não se lembra, por exemplo, do que aconteceu na serra do Navio, no Amapá. Uma das maiores reservas de manganês do mundo foi esgotada porque interessava aos esforços dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ficamos com o buraco e a destruição ambiental…
Obviamente, não é um problema brasileiro. Fui pessoalmente às famosas minas de diamante de Serra Leoa, na África, que mereceram uma visita da rainha Elizabeth. Investiguei o entorno. O local de onde sairam bilhões de dólares em diamantes não tinha rede de esgoto, nem de distribuição de água.
O mesmo está acontecendo neste exato momento com o coltan, do Congo, um mineral utilizado pela indústria eletroeletrônica. A exploração do coltan financia uma guerra interminável de milicias, que exportam o mineral para a Bélgica praticamente de graça!
Serra Leoa, Congo, Brasil…
Infelizmente, estamos no mesmo nível.
Como denuncia seguidamente o Lúcio Flávio Pinto, o ritmo da exploração do minério de ferro de Carajás é um crime de lesa-Pátria.
Por que haveria de ser diferente nas reservas de Minas Gerais?
A economia do estado, tanto quanto a brasileira, ainda é extremamente dependente da exportação de commodities. À Vale interessa produzir rápido, derrubar o preço a qualquer custo para apresentar lucro no balanço.
Infelizmente, a elite brasileira até hoje se mostrou incapaz de formular um projeto soberano de país. Isso vale para PSDB, PT e todos os outros, como ficou evidente na tragédia de Mariana.
Não podemos culpar a mineradora Samarco pela tragédia antes de uma investigação independente e rigorosa. Mas, será que ela vai acontecer?
Do prefeito de Mariana ao senador tucano Aécio Neves, passando pelo governador petista Fernando Pimentel, todos deram piruetas para salvaguardar a Samarco. Pimentel deu uma entrevista coletiva na sede da mineradora!
Enquanto isso, milhões de metros cúbicos de lama desceram o rio do Carmo e chegaram ao rio Doce.
A Samarco diz que a lama é inerte, ou seja, não oferece risco à saúde.
Numa situação ideal, não caberia à Samarco dizer isso — com reprodução martelada em todos os telejornais da Globo.
O familiar de um desaparecido comentou comigo que, na Globo, as vítimas da tragédia não tinham rosto…
A Vale, afinal, é grande patrocinadora.
Espanta é que os governos federal, estadual e municipal, que em tese deveriam atuar de forma independente — em nome do interesse público — não o façam.
A primeira providência em um país civilizado seria uma análise de emergência na lama, para determinar se ela oferece algum risco à saúde.
Afinal, milhões de brasileiros podem entrar em contato com os rejeitos, seja nas margens dos rios, seja através da água consumida.
Além disso, o tsunami de lama carregou corpos humanos e de animais por uma longa extensão, de centenas de quilômetros.
No entanto, a não ser pelo esforço de relações públicas da Samarco, as pessoas afetadas, como testemunhei pessoalmente, estão totalmente no escuro.
Mais adiante, outras questões importantes vão surgir.
O rio do Carmo foi completamente destruído, de ponta a ponta. Quem vai pagar a conta? O Estado brasileiro ou a Samarco?
A Samarco fez o que se espera de uma empresa privada, que pretende minimizar os impactos sobre si do desastre ambiental que produziu.
De forma competente, acionou seu esquema de relações públicas para deixar no ar a ideia de que o rompimento de duas barragens foi consequência de um terremoto.
Transferiu os desabrigados para hoteis, evitando a ebulição de centenas de pessoas que, conjuntamente, poderiam conjurar contra uma empresa da qual sempre desconfiaram.
Conversei com os sobreviventes de Bento Rodrigues: todos sempre acharam um exagero o crescimento vertical, contínuo, da barragem, para guardar mais e mais lama.
Segundo eles, a Samarco começou a comprar novas áreas de terra porque pretendia construir uma outra barragem, mais próxima do povoado, para dar conta do armazenamento dos rejeitos.
Que a Samarco cuide de seus interesses é parte do jogo.
O espantoso é ver a captura do Estado brasileiro, em todas as esferas, pelo interesse privado.
Basta uma consulta às pessoas comuns, que vivem sob as barragens de rejeitos — que se contam às centenas em Minas — para que elas denunciem: as empresas aumentam indefinidamente as cotas, sem transparência, sem qualquer consulta pública, sem planos de resgate de emergência, sem um básico sinal sonoro para dar o alerta em caso de acidente.
É bem mais barato que construir uma nova barragem, certo? Lembrem-se: estas empresas estão a serviço do lucro de seus acionistas e a maioria deles não mora em Mariana, provavelmente nem mora no Brasil.
Minas Gerais, acossada pela crise econômica, sucumbe à lógica das mineradoras: como denunciou o leitor Reginaldo Proque, está tramitando na Assembleia Legislativa um projeto para simplificar o licenciamento ambiental, de autoria do governo Pimentel.
Em resumo, os desabrigados das margens do rio do Carmo fazem o papel, em carne e osso, da crise de representação da política brasileira.
Ninguém os ouve, nem consulta.
Quando muito, são sobrevoados por helicópteros que “representam” um Estado servil ao poder econômico.

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