(Foto: Jornal GGN) |
Os resultados (da nova lei do Direito de Resposta, de iniciativa do
senador Roberto Requião, do PMDB-PR) já podem ser avaliados nas últimas
semanas. Reduziu-se drasticamente o esgoto vindo dos jornais, a adjetivação sem
sentido, os ataques não-fundamentados. Os editores provavelmente estão exigindo
dos repórteres mais dados para confirmar informações delicadas.
Por Luis Nassif – reproduzido do portal Luis Nassif Online (Jornal GGN), de 22/11/2015
Dizem os porta-vozes da mídia que
a implementação da Lei de Direito de Resposta inviabilizará a liberdade de
imprensa.
Seria o mesmo que a indústria
automobilística afirmar que a obrigatoriedade do air bag e do extintor de
incêndio inviabilizariam a produção de veículos. Ou os fabricantes de
geladeiras sustentarem que a obrigatoriedade de certificados de eficiência
energética inviabilizaria a produção de geladeiras. Ou ainda os laboratórios
farmacêuticos exigirem o fim dos certificados da Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) para a comercialização de remédios.
Houve a mesma grita quando o
Código de Defesa do Consumidor foi implementado no Brasil. Era o país antigo,
de economia fechada e sem direitos do consumidor, reagindo contra os ventos da
modernidade. Alegava-se que cuidados adicionais encareceriam os produtos a
ponto de afastar os consumidores; os custos seriam excessivos etc.
O que ocorreu de lá para cá foi o
aumento gradativo da qualidade dos produtos, empurrados pelas exigências do
consumidor, devidamente amparadas por lei.
É assim que as modernas economias
de mercado se aprimoram. Criam condições de defesa do consumidor - impedindo
concentração de poderes e dando armas de defesa. Estes passam a recorrer aos
novos instrumentos. Como consequência, as empresas se adaptam às novas
exigências, tornando-se melhores.
O pior
produto: a informação
Hoje em
dia o produto de consumo de pior qualidade do mercado são as notícias dos
grandes veículos. Se houvesse uma Lei de Defesa do Consumidor de notícias, em
vez de vítimas de ataques pleiteando direito de resposta, haveria milhares de
leitores reclamando contra manchetes e capas vendendo conteúdos que não se
confirmam. Seria um recall permanente.
A Lei de Direito de Resposta não
impõe multas, não inviabiliza financeiramente os veículos. Apenas os obriga a
serem criteriosos na divulgação dos fatos e cautelosos nos ataques a pessoas.
Ou seja, obriga-os a fazer jornalismo sério. A punição consiste em publicar a
versão do atingido.
Os resultados já podem ser
avaliados nas últimas semanas. Reduziu-se drasticamente o esgoto vindo dos
jornais, a adjetivação sem sentido, os ataques não-fundamentados. Os editores
provavelmente estão exigindo dos repórteres mais dados para confirmar
informações delicadas; provavelmente matérias críticas voltam a ser submetidas
ao Departamento Jurídico.
É esse cuidado – básico em qualquer
jornalismo sério – que, em seu libelo contra a lei, Mirian Leitão taxa de
“autocensura”. Sua opinião é a mesma do vendedor, que critica a área de
qualidade por exigir aprimoramentos no produto final, visando resguardar
a empresa de processos propostos por órgãos de defesa do consumidor. Seu
negócio é vender qualquer coisa.
Construção
da lei
De qualquer forma, há um longo
caminho na formação da jurisprudência. E ela será formada a partir de decisões
de centenas de juízes de primeira instância. Posteriormente, caberá ao STF
(Supremo Tribunal Federal) definir normas e limites, mas a partir da análise
concreta de sentenças proferidas.
A jurisprudência se forma na
análise de casos. E o Judiciário, a partir de agora, deverá se aprofundar nas
características da notícia jornalística.
No início, os julgamentos deverão
se concentrar nas ofensas diretas e mentiras divulgadas.
Mas há diversas maneiras de
contar uma mentira meramente não contando a verdade toda. Uma delas é a
escandalização de fatos irrelevantes. Exemplo maior é o “escândalo” com a
compra de tapioca com cartão corporativo. Contou-se rigorosamente a “verdade”:
Orlando Silva comprou uma tapioca com um cartão corporativo. A partir daí
montou-se uma campanha de difamação que deixou para a opinião pública a imagem
de um servidor público desonesto.
Ou seja, a manipulação das
ênfases é uma das formas mais empregadas de crime de imprensa.
Outro golpe frequente é somar
valores recebidos em longos períodos e divulgar como se fosse um grande
escândalo.
Outro atentado à boa informação é
a combinação com a fonte – em geral ligada às investigações. A fonte
“desconfia” de determinado fato e transmite a desconfiança ao repórter. O
jornal publica a “desconfiança”, mesmo que não tenha nenhuma evidência maior a
respeito. E como a Constituição garante o sigilo de fonte, fica-se nesse
papai-mamãe que estupra a objetividade jornalística.
Esse estratagema tem sido
utilizado abundantemente nas grandes investigações policiais.
Os
méritos da regulação
Nem se pense que esse céu de
brigadeiro da notícia nos últimos dias permanecerá por muito tempo. Não se
recupera a qualidade jornalística em um piscar de olhos. O esgoto jornalístico
é um vício, assim como o exercício da pornografia ou o uso do crack. Mas, ao
contrário dos programas de redução de danos das pessoas físicas, no caso das
jurídicas o único caminho de desintoxicação é a regulação.
No final dos anos 90, diversos
artigos que escrevi na Folha sobre o bom e o mau jornalismo foram encaminhados
aos editores por donos de empresas das mais diversas – do Ruy Mesquita no
Estadão ao Roberto Civita da Abril. Por trás desses cuidados, pairava um
projeto de lei visando enquadrar a mídia. Foi só o projeto de lei ser
abandonado para a mídia brasileira ingressar na era da infâmia.
Sugere-se aos Ministros do STF -
que em breve apreciarão a matéria - que pesquisem a reação dos grupos de mídia
contra a mera indicação etária para os programas, lá pelos idos de 2003.
A Globo colocou na linha de frente diversos colunistas bradando que seria o fim
da liberdade de expressão.
Cada tentativa de regulação, por
mais tímida que seja, provoca gritos, invocando princípios constitucionais de
liberdade de expressão que não se aplicam de maneira restrita à imprensa. É
sempre a falsa ameaça de que regular significará comprometer a liberdade de
expressão, valendo-se, para tanto, do parco conhecimento do Judiciário em
relação ao ofício da imprensa.
Com essa limitação ao seu poder
de denegrir, manipular ou mentir, certamente restará aos grupos de mídia se restringir
ao seu ofício nobre: informar e argumentar de forma civilizada.
Se praticarem corretamente essa
“autocensura” é até possível que os grandes veículos nacionais consigam atingir
níveis de qualidade similares aos dos grandes veículos das economias modernas.
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