A ELEIÇÃO DE MACRI: PARADOXOS E CENÁRIOS FUTUROS – POR CARLOS ACUÑA

Mauricio Macri, presidente eleito da Argentina (Foto: DyN/Página/12)
O cenário sugere a possibilidade de que esta vitória (de Macri) constitua o primeiro passo duma verdadeira revolução conservadora porque brindaria às classes economicamente dominantes traduzir seu poder econômico em hegemonia à maneira de Gramsci.
Por Carlos H. Acuña (*) – no jornal argentino Página/12, edição impressa de 27/11/2015
Em meio à primeira vitória eleitoral dum partido conservador na história democrática argentina (um “partido pró-mercado e pró-negócios”, Macri dixit em ArgenLeaks), há dois grandes paradoxos cujo reconhecimento ajuda a pensar futuros possíveis para a política em nossa sociedade.
A primeira é que o kirchnerismo, colocando Macri sistemática e estrategicamente como seu “sparring” preferido, apontou por mais duma década a construir o cenário eleitoral de 22 de novembro, no qual dois grandes blocos de agregação política reordenassem o sistema partidário para, produzido o reordenamento, ficar como uma força eleitoralmente dominante e progressista. A “transversalidade” era, obviamente, uma ferramenta chave nesta construção.
No entanto, e recordando a história do escorpião e a tartaruga, se fechou em si mesmo, debilitando importantes laços com setores não peronistas assim como dentro do próprio peronismo. O paradoso é que o kirchnerismo conseguiu seu objetivo de colocar  Macri como sua “contra-opção”, ainda que ao subir ao ringue o fez com pés de barro (por diversas razões, que vão desde a complicação de condições internacionais, órgãos jornalísticos com sistemática e destrutiva manipulação pública, limitações institucionais no momento de selecionar candidatos, até seu próprio modo de operar muitas vezes rígido e intolerante; cada um destacará diversa relevância a seu gosto).
Neste contexto, a consideração de futuros cenários políticos demanda reconhecer a possibilidade de que se dê um segundo paradoso a partir desta vitória eleitoral: que Macri –inesperadamente vitorioso no ringue no qual em grande medida o kirchnerismo o colocou como principal concorrente – recupere a lógica de construção política “transversal” e não só aponte para governar através de acordos ou da divisão de opositores, mas também da incorporação de aliados e até de alguns opositores, num novo “movimento partidário” que persiga sustentar-se no governo não por meio de vitórias no segundo turno, mas no primeiro.
Peronistas e radicais (do partido União Cívica Radical – UCR) que já se incorporaram ao partido de Macri neste sentido deixariam de ser figuras excepcionais e localistas para se tornarem um padrão desafiante ao resto dos partidos (como em seu momento resultou a “transversalidade” de Néstor). Para isto Macri necessitaria muito pragmatismo e jogo de cintura (e, à maneira de Maquiavel, “buona fortuna”, sobretudo no manejo da questão econômica no primeiro ano de governo), atributos que – como me fizeram notar dois amigos há uns dias – talvez esta nova geração conservadora tenha, dado que não os tolhem muitas das restrições e preconceitos que, por exemplo, se cruzavam na UCeDé (União do Centro Democrático, partido conservador criado na Argentina em 1982).
Conclusão: é verdade que o governo do PRO (Proposta Republicana – partido de Macri) pode confirmar a suspeita generalizada entre os vencidos e atuar como mero agente dos ricos, do capital concentrado e do pensamento da direita mais recalcitrante que pulula na sociedade.
Mas também existe outro cenário potencial e paradoxal: aquele em que o PRO maneje com uma “transversalidade” que aponte a retomar o rearmado partidário que tentou o kirchnerismo, ainda que agora a partir do lado conservador da balança. Com certeza, este cenário é o que mais se aproximaria duma “revolução conservadora”, tanto por seu caráter de origem eleitoralmente democrática, como porque seria o mais próximo da possibilidade de que as classes proprietárias – como nunca aconteceu nos últimos 100 anos na Argentina –, contem com a capacidade de projetar de maneira crível para a maioria, que seus interesses coincidem com os do conjunto social.
Em definitivo, este cenário sugere a possibilidade de que esta vitória constitua o primeiro passo duma verdadeira revolução conservadora porque brindaria às classes economicamente dominantes traduzir seu poder econômico em hegemonia à maneira de Gramsci. Por certo sabemos que o futuro quase nunca está escrito: os conservadores no governo poderiam se mostrar pouco pragmáticos e se confirmar como meros agentes de interesses estreitos, egoístas e minoritários; ou os grupos populares ameaçados pelo novo governo poderiam mostrar, como tantas vezes na história argentina, a capacidade de resistir, vetar políticas e desmantelar estratégias de construção de hegemonia.
Mais além disso, se a primeira lei de ferro da política argentina era “em eleições livres ganha o peronismo” e a rompeu Alfonsín em 1983, o que sucedeu neste domingo (22/novembro) rompe a segunda lei de ferro da política argentina, esta que dizia “na Argentina está fora do possível que forças conservadoras possam aceder ao governo com legitimidade democrática própria”. Isto o domingo deixou de ser impossível, o que já constitui uma revolução política. Se ademais desemboca numa revolução conservadora está por se ver (ainda que a partir do domingo tampouco é impossível).
Ainda que celebre o fortalecimento democrático que representa cada reiteração de eleições transparentes e pacíficas, que domingo de merda, não?
(*)Unsam-UBA/Conicet (Universidade Nacional de San Martín-Universidade de Buenos Aires/Conselho Nacional de Investigações Científicas eTécnicas).

Tradução: Jadson Oliveira

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