(Ilustração: Internet) |
Os acordos propostos possuem cláusulas secretas, atropelam o direito dos cidadãos enquanto as multinacionais lavam as mãos, ou seja: neoliberalismo na veia
Por Francisco Parra, Buenos Aires - reproduzido do portal Carta Maior, de 08/10/2015
O mundo está mudando. A consolidação da China como segunda maior economia do mundo e o surgimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ameaça o predomínio geopolítico que os Estados Unidos manteve durante décadas. Pela primeira vez, desde os acordos de Bretton Woods, quando o dólar se consolidou como moeda de referência internacional e foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, um país questiona a liderança do imperialismo estadunidense. Ambas as instituições financeiras ditaram, até agora, as regras de funcionamento comercial dos países, aplicando duras sanções às nações que fujam a essas regras.
Em julho passado, se constituiu formalmente o Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Banco Asiático de Investimentos e Infraestruturas. As duas instituições pretendem ser concorrência direta do FMI e do BM.
Mas os Estados Unidos pretendem manter suas redes de influência sobre o mundo, ou entregá-las às suas empresas multinacionais. Atualmente, o governo estadunidense é o principal articulador dos três tratados comerciais inéditos que afetam os direitos de milhões de pessoas ao redor do mundo, e que passam por cima das democracias e da soberania dos países. O Trans Pacific Partnership (Tratado Trans-Pacífico, ou TPP em sua sigla em inglês) e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), que representam mais de 60% do PIB mundial. No mesmo pacote está o Trade in Services Agreement (TISA), que envolve 50 países e 68% do comércio mundial de serviços. Uma injeção de neoliberalismo inédita na história.
Os três tratados se caracterizaram pelo absoluto hermetismo nas negociações. Cada um tem cláusulas de confidencialidade que obrigam as partes a negociar em segredo. Só as equipes técnicas das delegações tiveram acesso ao que se discutiu – embora o observatório Corporate Europe, onde ocorreram 560 reuniões do TTIP (92%) tenha se realizado com a presença de representantes das grandes multinacionais – e tudo o que se conhece sobre eles foi graças às revelações do Wikileaks.
As outras características dos três acordos são a regulação de normas supranacionais sobre conflitos, o que permitirá às empresas multinacionais cobrar de igual para igual de estados soberanos e à revelia – por enquanto – dos BRICS e de outras alianças contrárias ao imperialismo estadunidense, como PetroCaribe e Mercosul.
Na segunda-feira passada (5/10), após sete anos de negociações, os doze países que assinaram o TPP anunciaram um acordo que deverá ser aceito ou rejeitado em todos os respectivos congressos. “Quando mais de 95% dos nossos clientes potenciais vivem fora das nossas fronteiras, temos que buscar maior iniciativa, pois não podemos permitir que países como China escrevam as regras da economia global”, afirmou o presidente estadunidense Barack Obama.
A assinatura definitiva dos três acordos é esperada para o fim deste ano, ou para 2016, consolidando o legado mais importante da Era Obama.
O Chile tem sido parte ativa na conformação dessa nova ordem, ao ser o membro impulsor do TTP e do TISA. Tudo isso em meio a um absoluto silêncio. As negociações de ambos os acordos se iniciaram durante o governo de Sebastián Piñera e continuaram com Michelle Bachelet, apesar do programa de governo da Nova Maioria prever uma “revisão exaustiva dos seus alcances e implicações” e inclusive advertia sobre possíveis riscos, em setores que poderiam ser afetados e prejudicariam os cidadãos: propriedade intelectual, produtos farmacêuticos, compras públicas, serviços, investimentos e novas normas para o setor financeiro.
Tradução: Victor Farinelli
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