“Não se trata meramente de mais uma fase recessiva, de uma crise cíclica
comum do capital, mas de uma nova etapa na história do capitalismo, uma etapa
singular, uma etapa que preambula o final do ciclo total de existência do
capital”.
“Se é verdade que há uma crise no movimento marxista e muito embora
ainda não exista um projeto revolucionário que lhe dê um salto de qualidade (...),
não é verdade que as massas encontram-se inertes...”
Linauro Neto (Foto: Jadson Oliveira) |
Ativista da Oposição Operária (OPOP), agrupamento político que edita a
revista Germinal, o advogado Linauro Neto participou do debate ANÁLISE DE
CONJUNTURA: ENTENDER A REALIDADE PARA TRANSFORMÁ-LA, no último dia 22, no
Sindpec, em Salvador, com a participação de 60 pessoas. Novo encontro, com mais
quatro debatedores, está marcado para 11/novembro.
Transcrição
e edição por Jadson Oliveira
(jornalista/blogueiro) – editor do Blog
Evidentemente – publicado em 27/10/2015
O
texto abaixo, apresentado por Linauro
durante o debate, está disponível no site da Revista Germinal
A CONJUNTURA
E A CRISE DE EXAUSTÃO DO CAPITAL
Qualquer
esforço de leitura da conjuntura deve partir da análise da crise do capital, em
todos os seus aspectos. O grau, o ritmo, a velocidade em que o capital se lança
à caça do lucro e se alça para além de suas possibilidades reais concretas, exaurindo
no rastro dessa trajetória todas as principais premissas e todos os mais
essenciais pressupostos que atuavam ativamente no seu processo de acumulação,
literalmente esgotados.
A
exaustão dos mecanismos básicos da reprodução do capital em escala ampliada, o
embargo dos mecanismos comuns de limpeza dos capitais, aceleram os passos
largos da crise, tornando-a crônica e incontornável.
Ernest
Mandel, Jorge Beinstein, François Chesnais, István Mészáros, Slavoj Žižek,
Andrew Kliman e tantos outros refletiram e refletem sobre as causas, extensão e
efeitos; sobre as consequências da atual crise do capital. Seja “Crise
Sistêmica”, “Crise Estrutural” ou mesmo “Crise de Exaustão”, como propomos, é
uníssono que não se trata meramente de mais uma fase recessiva, de uma crise
cíclica comum do capital, mas de uma nova etapa na história do capitalismo, uma
etapa singular, uma etapa que preambula o final do ciclo total de existência do
capital.
A crise
atual já perdura cerca de 50 anos. Representa uma continuidade não linear de
crise que não foi aplacada pela retomada tímida do crescimento pós-guerra e que
perdura desde a falência do Fordismo/Taylorismo, com a queda tendencial da taxa
de lucro e a destruição das possibilidades de retomada ampliada do crescimento
pelo próprio capital.
Os
mecanismos comuns de limpeza dos capitais, os meios alternativos postos em
prática atualmente – e historicamente – pelo capital, seu Estado, seus governos
e suas forças de reserva, sejam elas: endividamento dos Estados, endividamento dos
trabalhadores, desvalorização da moeda, destruição dos setores mais fracos e
concentração de capital, aumento expressivo e violento da exploração do
trabalho, aumento exponencial do desemprego, investimento nos setores bélicos,
queima da capacidade instalada, busca desesperada por novas tecnologias que
possam eliminar postos de trabalho e aumentar a exploração dos existentes,
criação de bolhas financeiras, corrupção como meio de garantia de um lucro
mínimo e de sobrevida às empresas, aumento da repressão civil e militar sobre
os trabalhadores, controle ideológico e alienação completa das massas; tem-se
revelado medidas que só fazem acrescentar novas e mais insolúveis contradições
ao processo da crise.
Mas, a impossibilidade de reprodução ampliada do capital desnuda a
degradação social e ambiental da sociedade capitalista.
É até icônico como a arte produzida para as massas reflete o mais
profundo sentimento de crise das pessoas consigo mesmo, com o seu trabalho e
com o mundo. Os programas de televisão mais assistidos, os seriados norte-americanos
futuristas, jogos ou filmes mais comuns, falam todos de uma falência do futuro,
de uma completa ausência de esperança ou de projeto, narram o apocalipse, seja
ele nuclear, zumbi ou catastrófico. Encontram-se no zeitgeist, no espírito de um mundo doente e em crise
consigo mesmo.
Países determinam o fechamento de cursos de ciências humanas em prol de
cursos mais aptos á produção cega de novas e novas mercadorias, como no Japão e
na Austrália.
A ilusão da auto-regulamentação dos mercados esvaiu-se como fumaça, bem
advertiu Jorge Beinstein. Agora, os gurus da especulação ocultam-se, mudam de
discurso, procuram outros deuses: os da intervenção estatal, os quais há umas
poucas décadas haviam sido lançados no baú das velhas coisas inúteis. Antes
mesmo do fim de 2008, numerosas revistas especializadas, de todos os
continentes, mostravam a fotografia do lorde Keynes desenterrado para
salvar-nos do desastre.
Falava-se de empresas grandes demais para quebrar, uma medida cautelar
anti-crise, mas que jogou, ironicamente, mais lenha na fogueira da própria
crise do capital. Imprimem-se trilhões de dólares sem criação de nenhum valor.
Elevam-se as dívidas públicas aos céus. Impõe-se a perda do poder aquisitivo, o
endividamento dos trabalhadores, a perda de garantias trabalhistas e o aumento
de tributos. Mas, nada que possa aplacar as contradições internas do processo
da crise, originada, como bem previu Marx, na queda tendencial da taxa de lucro da economia
capitalista.
Em verdade, apenas uma violenta destruição de capitais pode dar alguma
sobrevida ao capital. Mas a que preço? As possibilidades de retomada do
crescimento são escassas, como comprova o curto período de crescimento do
pós-guerra. Embora, não se possa negar que algumas décadas a mais de
exploração, de barbárie e miséria do mundo sejam sempre simpáticas e afeitas às
melhores famílias burguesas.
O único caminho que resta à burguesia, a queima violenta de capitais –
ou mesmo o simples investimento no setor bélico – ainda encontra outras
intempéries. Não se trata mais do período de concorrência entre os capitais,
mas de um período de extrema concentração de capital, o que dificulta qualquer
decisão de auto-destruição. Não fosse o bastante, as indeléveis contradições
que a crise impõe aos trabalhadores levam imediatamente às tensões de classe,
levam ao soerguimento da classe proletária.
É o que a história nos mostra.
O norte da África, Grécia, Turquia, Espanha, França, China, EUA e tantos
outros onde os trabalhadores foram às ruas, ocuparam as praças, expuseram as
suas bandeiras de luta, reivindicaram a ensaiaram novas formas de organização.
Praça Tahrir, Praça del Sol, Praça Taksin, todos os acampamento, as jornadas de
junho de 2013 no Brasil, os conselhos de trabalhadores revolucionários de
Kobane e Rojava.
As Cidades Rebeldes, a internacionalização do movimento por meios
eletrônicos, as assembleias em ocupações com participações virtuais, como no
Occupy Wall Street. Os Anonimous, Wiki Leaks e Black Blocs. O diálogo direto nas
ruas com setores até então isolados das lutas sociais. A ocupação do coração do
capital pelo Occupy Wall Street e a denúncia do partido do “um por cento mais
ricos”. O rechaço quase universal aos partidos institucionais e sindicatos.
Todos esses movimentos refletem a reação à barbárie imposta pelo capital
e sua crise. Vê-se, em diversos momentos, diversos lugares, diversas
maturações, o avanço, o gérmen, o início de uma autonomia política dos
trabalhadores em relação ao Estado burguês. Nas ocupações, nas jornadas, nos
acampamentos, nas praças, nos conselhos de Kobane e Rojava, o exercício da
autogestão, a democracia direta, a formação de comissões, o ataque à
“representatividade burguesa”, de ceder a terceiros os direitos políticos ali
exercidos diretamente.
A discussão aberta, o mais importante, coletiva, dos propósitos e
caminhos da luta em assembleias abertas, formadas pelos próprios manifestantes.
Pois bem, é ridícula a posição dos partidos institucionais da pretensa
esquerda da ordem do capital em negar tais movimentos. A verdadeira questão é
entender a resposta que tais movimentos da classe proletária nos dão, de modo a
refinar a nossa própria atuação, enquanto revolucionários. Os Estados, os
partidos institucionais, por tal motivo, combatem instantaneamente qualquer
avanço nesse sentido, colocando-se sempre ao subjugo das suas divindades
burguesas e pela manutenção eterna do seu domínio, pela perpetuação da
barbárie, pela manutenção ad eternum
da crise burguesa.
São as tensões da luta de classe agravadas pela crise do capital.
Mas, enquanto os corifeus da academia, enquanto os quadros aparelhados à
estrutura de dominação ideológica burguesa buscam entender esses
desdobramentos, eles já nos dão respostas à crise, soluções verdadeiras, tais
como a tomada violenta e administração de cidades rebeldes, tal como em Kobane
e Rojava, com os seus conselhos inaugurando um nível de participação
democrática direta, de autogestão, talvez não visto sequer na Comuna.
Se é verdade que há uma crise no
movimento marxista e muito embora ainda não exista um projeto revolucionário
que lhe dê um salto de qualidade e entregue a força necessária para a
constituição do proletariado enquanto classe face ao capital, não é verdade que
as massas encontram-se inertes, mas sim, movimentam-se com criatividade e
audácia em reação às medidas desesperadas colocadas em marcha pelo capital em
combate à sua própria crise.
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