JOSÉ CRISÓSTOMO: “A RUINDADE ALOPRADA DA OPOSIÇÃO É O MAIOR TRUNFO DO GOVERNO. MAS NÃO CONSOLA O POVÃO APERTADO”

(Foto: Internet)
Professor de Filosofia da UFBa entra no debate da conjuntura e interpela “esse pessoal de pequenas siglas sectário-delirantes”: “Como alguém pode fazer avaliação focada em particular do sistema financeiro e da gorda alta de juros, sem nenhuma referência ao fato de que Dilma forçou e conseguiu (...) baixar os juros brasileiros nominais para um dígito?”

Por José Crisóstomo - Transcrição e edição por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do Blog Evidentemente – publicado em 28/10/2015 (ver observação abaixo)

De meu lado, aqui entre nós, acho esse pessoal de pequenas siglas sectário-delirantes totalmente aloprado e incapaz de ver qualquer coisa na linha de entender a crise por que passa o país. Por esse pessoal, o país naufraga ainda mais.

Veja. Como alguém pode fazer avaliação focada em particular do sistema financeiro e da gorda alta de juros, sem nenhuma referência ao fato de que Dilma forçou e conseguiu, com certa tranquilidade política e até aprovação geral, e com meu aplauso caloroso, baixar os juros brasileiros nominais para um dígito, feito histórico sem precedentes, algo se bem me lembro como 7,5%, e os juros reais pra 2% (!!!), enquanto a própria imprensa capitalista do país admitia que o Brasil entrava agora no patamar normal de juros, de países normais, do resto do mundo?

Esse sim foi um verdadeiro ‘nunca dantes na história desse país’. Foi o fato mais importante e histórico de todo o primeiro mandato de Dilma. Como se pode agora, na hora de discutir a crise e a terrível alta de juros que veio com ela, deixar de fazer referência a esse que é, pelo menos na esfera econômica, seu feito mais extraordinário?

O que não funcionou, então? o que deu errado? o que não criou o ciclo virtuoso em que a queda do investimento financeiro (Brasil deixando finalmente de ser o último peru gordo do planeta, como diria o Delfim Netto) ‘forçaria’ a grana capitalista a virar investimento produtivo, que, respondendo ao generalizado aumento de renda das classes baixas, respondendo a essa demanda aumentada, faria o país finalmente explodir de crescimento, como finalmente um capitalismo de consumo de massa? Por que a taxa de investimento continuou uma merda? O investimento produtivo não veio?

E o que foi feito com a tremenda economia que, contido (!) o crime que agora se denuncia (a espoliação do país pelos financistas-rentistas-parasitas), o tesouro nacional fez, com a queda de 10 pontos percentuais nos juros, desde os tempos mais cruéis do Meirelles? (E você sabe quanto dinheiro um ponto percentual de juros custa, pra cima, ou pode ser economizado, pra baixo!).

E de onde veio a inflação que então, em plena maré de juros baixos, começou a mostrar um avanço insistente e prolongado que não foi tempestivamente enfrentado, debelado? O liberal Levy não teve tempo de causar nenhum efeito à economia (quaisquer medidas levam pelo menos seis meses) e a economia brasileira já mostrava a merda em que estava, no dia seguinte às eleições, por uma combinação perversa de estagnação e inflação. De onde veio isso?

Convenhamos, se esse fiasco não resultasse numa oposição assanhada, o que faria então com que isso resultasse? O que há de absurdo numa oposição assanhada quando a popularidade de Dilma vai lá pra baixo, não entre a burguesia, mas entre as classes pobres da sociedade?

Aliás, o caráter aloprado e desqualificado da oposição fascistoide manifestante ainda é o melhor trunfo político de que Dilma dispõe. Então, ocupemo-nos mesmo de nossas falhas. Votei nesse governo, não votaria nem agora nessa oposição de merda. Mas não dá pra não fazer uma avaliação crítica de outra merda, aquela que o governo andou fazendo, e da qual algumas pessoas surpreendentemente querem mais. Ela tá aí, exposta didaticamente, em termos bem moderados e ponderados, pelo aliado Delfim Netto. (Ou ele agora passou a inimigo neoliberal também?).

É uma pena, porque até o sucesso nas políticas sociais pode ir pro brejo com esse tipo de ‘realização’ econômica, do para-keynesianismo atrapalhado e desorientado. O lamentável é que não dá pra discutir. É o Mal que detonou a economia, não a merda da insistência tonta em medidas atrapalhadas, sob o nome de ‘nova matriz desenvolvimentista’.

Assim não tem jeito. Nós nunca erramos? Não esqueçamos que agora o governo é também um bando de gente interessada em poder, posição, cargo - o tal ‘projeto de poder’.  E a denúncia do ‘imperialismo’ nessa hora soa tão verossímil quanto a de comunismo, chavezuelismo, etc., feita pelo outro lado. É lamentável. Quem está pagando o pato são as massas.

E a crise política é em primeiro lugar o resultado do sentimento instaurado pelo quadro econômico em colapso, entre as classes populares (sic). Não tem governo popular e estável, não tem governo de esquerda ou de direita, que não entre em crise de impopularidade com uma combinação de crescimento negativo e aumento da inflação (uma façanha em qualquer lugar do mundo!). Repito: a ruindade aloprada da oposição é o maior trunfo do governo. Mas não consola o povão apertado.


Recebi do meu amigo Crisóstomo, velho companheiro de militância política, o email transcrito acima na íntegra, escrito após tomar conhecimento, através de matérias deste blog, dos debates enfocando ANÁLISE DE CONJUNTURA: ENTENDER A REALIDADE PARA TRANSFORMÁ-LA. Já houve um primeiro encontro no último dia 22 e um segundo está marcado para 11/novembro, conforme venho noticiando. O texto, como ele diz, é “uma rápida reação, uma pincelada, não um artigo ou ensaio”. 

José Crisóstomo de Souza (foto) é doutor em Filosofia Política pela Unicamp e fez seu pós-doutorado em Filosofia Contemporânea (1993-95) na UC-Berkeley. Atualmente é professor titular de Filosofia do Depto de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea da UFBa.


Comentário do próprio Crisóstomo:

Adoraria qualquer comentário. Espero isso de seu dinâmico e provocativo blog.


Eu acho que o pessoal é, na verdade, menos marxista do que eu ao tentar tratar o problema econômico como essencialmente moral - bons vs maus, Bem vs Mal - e não como um desafio... ‘técnico’, ‘científico’ e político – não só ‘ideológico’ - de fazer política-econômica progressista. De solução, experimentação, tentativa e erro. Com interesses (capazes de comprometer os resultados) de todos os lados (inclusive do lado de faturar uma eleição, pra não deixar o poder e o Estado).

Comentários