FRANCIEL CRUZ: BIOPOLÍTICA DO iPHONE

"O estereótipo do turista japonês venceu e nos tornamos uma legião de zumbis" (Ilustração: Bruno Aziz)

As pessoas estão abdicando de viver as experiências do mundo para somente registrá-las em um aparelho.


Por Franciel Cruz (jornalista baiano) - reproduzido do site de A TARDE.com.br, de 19/10/2015
Há poucos dias, mais precisamente em 18 de setembro, o turista japonês Hideto Ueda, de 66 anos, ao tentar fazer uma selfie no Taj Mahal, na Índia, caiu de uma das escadarias do monumento e morreu. Ao tomar conhecimento da notícia assim, friamente, o idiota da objetividade poderia pensar que se tratou apenas destas banais e cotidianas tragédias. Já o leitor mais ingenuamente romântico apagaria as tintas de trivialidade e diria que ele perdeu a vida por um registro histórico, concedendo algum heroísmo poético ao triste episódio.
O problema é que os jornais, que não se cansam de vender pessimismo, também chamado de realidade, tem ojeriza a quaisquer vestígios de poesia. Assim, em cima do fato,  informaram que este tipo de infortúnio tem sido corriqueiro.  De acordo com o  site Mashable, neste ano da graça de 2015, as selfies já mataram mais do que os perigosos tubarões. Sim, minha cansada e insensível comadre, é provável que não exista poesia alguma no fúnebre acontecimento. Tem coisa pior. Este dilatado e mortífero placar é revelador de algo lamentavelmente extraordinário:  as pessoas estão abdicando de viver as experiências do mundo para somente registrá-las em um aparelho.
A verdade - aquela  que não salva nem liberta - é a seguinte: o estereótipo do turista japonês venceu, nos abduziu, e nos tornamos uma legião de zumbis reféns do (mal) dito compartilhamento de imagens e congelamento de emoções. E isto, creiam, é terrivelmente mais fatal para nossas vidas do que mostram as  estatísticas das mortes provocadas pelas imprudentes selfies. A (des)propósito, uma recente pesquisa sobre 'Hábitos relacionados ao smartphone', realizada pela Opinion Box, apontou que 42% das pessoas preferem ficar sem água e luz do que sem celular.
Alguns maledicentes podem afirmar, não sem razão, que me falta autoridade para resmungar contra os dissabores do progresso porque sou uma tecnoanta. Sim, eu confesso: nunca fui proprietário de nenhuma destas avançadas bugigangas tecnológicas (aliás, nem mesmo de um mísero celular). Talvez eu seja apenas um palhaço das perdidas ilusões que vos aborrece com quinquilharias antiquadas e outras indelicadezas. Então, recorro a meu amigo moderno Pedro Moraes, um subfoucaultiano metido a erudito que me garantiu o seguinte. "Estamos vivendo sob o império da biopolítica do iphone. E isto provoca uma espécie de sujeição pelo fetichismo tecnológico".
Mesmo sem compreender porra de nada do que ele falou, outro dia testemunhei um assalto em um ônibus que me deixou mais chocado do que esta empolada teoria de meu amigo. E não exatamente pelo furto, pois isso é habitual nos buzus, mas pela reação da moça que perdeu o aparelho. Ela chorava copiosamente e, repetia, soluçando: "Minha vida TODA estava dentro do celular", dizia, dando ênfase no toda. O grave, amigos, é que o aparelho roubado era bem pequeno, deste tamaninho aqui, ó, talvez apenas um pouco maior do que a estatura e dimensão de nossas vidas hodiernamente.

Comentários