Daniel Scioli e Cristina Kirchner (Foto: Página/12) |
“Assim como o tucano (Aécio
Neves) fez em relação ao Bolsa Família, (Mauricio) Macri também promete manter
alguns programas mais emergenciais”, diz Darío Pignotti, correspondente do
jornal argentino Página/12 no Brasil, explicando o caráter da candidatura
oposicionista: “Macri é uma espécie de udenista argentino”.
Por Felipe Bianchi – reproduzido do site do
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão
de Itararé, de 20/10/2015
No dia 25 de outubro, a Argentina
vai às urnas para eleger seu novo presidente. Mais que contrapor a candidatura
de Daniel Scioli (Frente Para a Vitória) às de Mauricio Macri (Cambiemos) e do
dissidente Sergio Massa (Unidos Por Uma Nova Argentina), o pleito deve definir
se o país dará continuidade ao projeto nacional e popular iniciado no governo
de Néstor Kirchner, em 2003, ou se retomará a cartilha neoliberal.
Apesar do cenário incerto, já que
em caso de segundo turno a tendência é de que a oposição se unifique em torno
de Macri, o jornalista Max Altman considera bastante realista que o triunfo
definitivo de Scioli ocorra já no domingo. “A tendência é que cresça o voto no
candidato de Cristina Kirchner, principalmente, nas províncias do norte e do
sul, que concentram a população mais dependente dos programas do governo”,
aponta.
Segundo Altman, a eleição do
candidato da Frente Para a Vitória garante fôlego aos processos de
transformação em curso no continente, já que a região vive um momento de
ofensiva do conservadorismo. “A força da candidatura endossada por Cristina
reflete a resistência e, principalmente, a resiliência dos setores
progressistas”, comenta o colunista do Opera Mundi. “A vitória de Scioli é um
soco no estômago da direita latino-americana”, diz. “É importante ressaltar que
a importância política da Argentina supera a sua importância econômica”.
Avanços sociais e leis de meios (de comunicação) em risco?
Os programas sociais levados a
cabo por Néstor e Cristina Kirchner ajudaram o país a reduzir a desigualdade de
forma significativa: o índice de 47% da população atingida pela pobreza caiu
para aproximadamente 25%. Há divergência entre institutos de pesquisa, que
mostram oscilações no percentual dos últimos quatro anos. A 'guerra' dos
números se deve, principalmente, à turbulência econômica. A crise argentina foi
agravada por fatores como o declínio da balança comercial e a instabilidade do
câmbio. Há, inclusive, denúncias de sabotagens praticadas por setores
comerciais, com fins de desestabilizar a economia e, consequentemente, a
política.
A duas semanas da eleição, Macri inaugurou estátua de Péron; Para Darío Pignotti, 'é como se Agripino Maia (DEM) louvasse a Vargas e Lula' (Foto: Internet) |
Os avanços sociais não são a
única conquista sob ameaça no caso de um revés – ainda que improvável – do
oficialismo. A Ley de Servícios de Comunicación Audiovisual,
popularmente chamada Ley de Medios, também pode ter seu rumo
determinado pelo pleito, conforme alerta o presidente do Fórum Argentino de
Radiodifusão Comunitária (Farco), Nestor Busso.
Aprovada em 2008 após ampla
mobilização da sociedade, a lei é um importante passo para democratizar o
sistema de comunicação do país, já que tornou ilegal o histórico monopólio do
grupo Clarín ao definir regras democráticas para a ocupação do espectro
radioelétrico [espaço no qual se propagam as ondas do rádio e da televisão],
determinada por concessões públicas de radiodifusão.
(Foto: Internet) |
Os
constantes processos de judicialização da lei – a Suprema Corte levou quatro
anos só para decidir que ela não é inconstitucional, como acusavam os barões da
mídia – têm dificultado a sua implementação. “Houve muitos avanços no campo da
comunicação pública e alguns avanços no campo comunitário, mas ainda há um
longo caminho a percorrer”, avalia Busso.
Quando o assunto é a disputa
eleitoral, no entanto, Busso é taxativo: “Se ganha Macri, a lei corre sério
risco”. Ele explica que, apesar de ser difícil derrubá-la, já que o
oposicionista não teria maioria no Congresso, o atual prefeito de Buenos Aires
trabalharia intensamente para frear a aplicação da lei. “Macri representa o
poder econômico, o neoliberalismo, ou seja, os interesses do Clarín”, salienta
Busso, argumentando que, “por isso, tem forte apoio da grande mídia, assim como
qualquer candidato que faça oposição ao governo”.
Com Scioli, pondera Pignotti, é
provável que ocorra um arrefecimento das hostilidades entre governo e Clarín –
em seu segundo mandato, Cristina Kirchner chegou a romper relações com o grupo.
Apesar do presidenciável ter um perfil mais propenso ao diálogo, “o fato é que
o Clarín fará uma grande festa caso Macri vença”, opina o correspondente do Página
12.
Um dos principais obstáculos para
a Ley de Medios tornar-se realidade concreta, de acordo com
Busso, é o “atrelamento entre o Poder Judiciário e o poder econômico”, que mina
as mudanças previstas na lei através de arrastados processos
judiciais. Apesar da “generosidade da Justiça com o Clarín”, o professor
da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Quilmes, Martín
Becerra, avalia que “não se muda nada apenas aprovando leis se não há políticas
públicas que se somem a elas”. Segundo Becerra, “trata-se de uma estrutura
muito arraigada, difícil de alterar”, exigindo um processo de “maturação
política” – o que só deve ocorrer caso não haja festa no Clarín.
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