(Fotos: reproduzidas de Viomundo) |
Estado hondurenho não reconhece os garífunas como indígenas
Clamor garífuna
Por Dr. Rosinha, especial para o Viomundo - publicado em 31 de outubro de 2015
“En ese tiempo solo llanto se escuchaba en la comunidad de San Juan. Los pájaros se ocultaban, las hojas de los esbeltos cocoteros se entristecieron y las olas del mar resistían a ser escuchadas, como si la naturaleza misma se negara a reaccionar ante el mandato del Divino Creador”
“La Bahía del Puerto del Sol y la masacre de los Garífunas de San Juan” (página 59)
Na minha ignorância, nunca tinha ouvido falar do professor e escritor Victor Virgilio López Garcia, autor de doze livros, entre os quais o que retiro a frase acima. Tampouco tinha ouvido falar do seu povo, os garífunas.
Professor Virgilio, como é conhecido, é hondurenho. Conheci-o em uma recente viagem, a trabalho, a Honduras. Ele vive numa comunidade chamada Tornabe, costa do Atlântico de Honduras.
Em Honduras, fiquei hospedado em um resort, desses que são verdadeiras ilhas de ostentação, com seguranças por todos os lados. Eu estava, portanto, ‘proibido’, por questão de segurança, segundo eles, de sair da ‘ilha’. Apesar dos avisos, não resisti e fui além da fronteira segura da ilha/hotel.
Caminhei pela praia e cheguei a uma comunidade pobre.
Nela, a primeira coisa que encontro é um barco debaixo de uma cobertura de palha de coqueiro e algumas redes coloridas penduradas. Recuado da praia, um cemitério. Cemitério de enterrar gente pobre.
Em seguida, vi na beira da praia algumas choças, sem paredes, também cobertas de palhas de coqueiros. Semelhantes às do nordeste brasileiro. Debaixo delas, algumas mesas rústicas e bancos. Imagino que devem servir de bares aos fins de semana.
Um rapaz caminha entre as choças. Parece procurar alguma coisa. Imagino que, por ser segunda-feira, procura alguma coisa que porventura os visitantes de ontem (domingo) tenham perdido.
Dois homens, negros, pescam de linha. Paro para conversar. Pergunto o nome do local. “Tornabe”, responde um deles. E em seguida me diz: “nós que aqui moramos somos garífunas, temos uma língua própria”.
Curioso, começo a perguntar de onde vieram, se tem cantos e danças próprias. Respondem que foram trazidos da África para serem escravos em San Vicente e que dali fugiram para Honduras, Belize e Guatemala, e que vivem no litoral.
A conversa foi curta, mas o suficiente para despertar minha curiosidade.
No hotel, contei a um funcionário que havia estado em Tornabe e que gostaria de ter mais informações sobre os garífunas. Este funcionário, um descendente dos garífunas, informou-me que, à noite, no hotel, haveria uma apresentação de dança e canto da cultura garífuna. Disse também que em Tornabe vive um homem, professor Virgílio, que é um dos maiores conhecedores da história e da cultura daquele povo.
Na noite seguinte fomos (eu e Luis) a Tornabe procurar o professor Virgilio.
Chegamos e avistamos uma casa com várias pessoas sentadas pelo lado de fora, costume também das nossas cidades do interior, tomando a fresca (que aqui em Honduras é quente) do cair da noite.
Descemos do carro, e o Luis perguntou a todos da roda se sabiam como poderíamos encontrar o professor Virgílio. Uma moça perguntou: “por parte de quem?” Após a nossa autoapresentação, ela se vira, estende o braço e diz: “ele é o professor Virgílio”.
Cumprimentamos a todos e a todas, e, com dificuldade, vimos o Professor levantar-se e, como toda gente humilde e sincera, imediatamente ele nos convidou a entrar. Fomos conduzidos a um escritório/museu, tudo muito simples e, chamou a minha atenção, sem computador.
O professor Virgilio é um homem magro, deve pesar cerca de 60 quilos. Estatura de pouco menos que 1,70 metro. Na boca, arcada dentária completa.
Em um dado momento da conversa, como que dando a resposta a minha observação, apresenta uma foto, pendurada na parede, e diz: “aquela era minha avó, morreu com mais de 80 anos e não faltava nenhum dente”.
Vítima de quatro acidentes vasculares cerebral (AVCs), o professor Virgílio anda com alguma dificuldade e apoiado numa bengala.
Conversamos por mais de uma hora. Contou-nos que foi professor primário e agora está aposentado. Diz que começou a se interessar pelo seu povo ainda jovem, e que quando estudava gostava de escrever e ouvir as histórias dos mais velhos.
Relatou-nos que, aos domingos, tinha um programa de rádio chamado “Clamor Garífuna”, e que, para colocar o programa no ar, fazia algumas pesquisas sobre história, cultura e costumes do povo.
A partir deste programa e destas pesquisas, recebeu o estímulo para escrever o primeiro livro, que na língua garífuna se chamou “Lamunhuga Garifuna”, que significa “clamor garífuna”.
Conversamos por mais de uma hora e deste encontro só lamento uma coisa: não tê-lo gravado.
Na volta de Honduras, li o livro “La Bahía del Puerto del Sol y la masacre de los Garífunas de San Juan”, que conta o massacre do povo garífuna executado a mando do ditador Tiburcio Carías Andino, em 1937.
O ditador ficou no poder por 16 anos. Além de massacrar o povo trabalhador hondurenho, foi um serviçal da United Fruit Company.
A frase que coloco como epígrafe deste artigo descreve poeticamente os sentimentos do autor em relação ao massacre de seu povo, que até hoje clama por justiça. Até hoje, clama pela verdade e pela memória.
Dr. Rosinha, médico pediatra e servidor público, ex-deputado federal (PT-PR).
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