(Foto: Carta Maior) |
A Assembleia Geral da ONU aprovou os nove princípios que visam evitar que as renegociações de dívida sejam interferidas por fundos especulativos.
Por Tomás Lukin, de Nova York, para o Página/12 - reproduzido do portal Carta Maior, de 13/09/2015
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou ontem os nove princípios básicos sobre reestruturações de dívidas soberanas propostos pela Argentina. A histórica sessão foi encabeçada pelos membros do G-77 China, e entregou um apoio contundente à iniciativa: 135 votos a favor, 6 negativos e 42 abstenções. Depois de um ano de deliberações técnicas e árduas negociações diplomáticas, o projeto que restringe o comportamento predatório do sistema financeiro internacional e legitima o direito de reestruturar as dívidas soberanas ganhou novas adesões, minimizando as rejeições. Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha, Israel e Canadá foram o poderoso porém reduzido bloco opositor. “Os princípios aprovados são um passo fundamental para conseguir um mundo libre de abutres, para que ninguém sofra ataques como os que a Argentina recebeu”, comemorou o ministro de Economia argentino, Axel Kicillof, durante uma breve intervenção diante dos representantes de diferentes países. Ele foi acompanhado pelo chanceler Héctor Timerman e pela embaixadora permanente do país na ONU, Marita Perceval, o trio foi a cara visível do projeto. “Alguns nos diziam que este não é o lugar adequado para tomar decisões sobre este tema, embora seja a única instância democrática onde todos os países têm voz e voto. A ONU é o lugar mais adequado para resolver o tema das reestruturações de dívidas soberanas, e colocar um limite aos piratas do Século XXI, que se aproveitam da falta de legislação global para impor suas arbitrariedades e obter lucros extraordinários”, expressou o ministro de Relações Exteriores. O resultado da votação oferece um pontapé inicial para avançar dentro do organismo internacional na discussão de uma lei internacional para enfrentar situações de falência dos Estados, que proteja os credores de boa fé.
A discussão começou aproximadamente às 15h, numa jornada chuvosa que não conseguiu aliviar o calor de Manhattan. O projeto de resolução para abordar os problemas associados às reestruturações de dívidas soberanas ocupou o quarto lugar na agenda do dia. Antes, foi aprovada outra resolução, que determinou que as bandeiras dos países observadores (Palestina e Vaticano) flamearão junto com as demais, na frente do edifício da entidade. Depois de uma contundente apresentação da problemática, realizada pelo representante da África do Sul, que representou o G-77 China, as telas mostraram os 136 votos a favor, acompanhados por uma celebração da delegação argentina e dos países que apoiaram o projeto. A satisfação entre os funcionários argentinos que trabalharam nos nove princípios foi evidente até mesmo quando os diplomatas espanhóis, antes de finalizar o encontro, pediram a palavra para dizer que seu voto na verdade era uma abstenção, que haviam se equivocado – um voto a menos, mas que não diminuiu a celebração, nem a enorme diferença no resultado final.
“Conseguimos uma vitória importantíssima contra o poder do capital financeiro predatório, que acompanhado de sua sofisticada máquina mediática, distribui pobreza e miséria pelo mundo todo, em favor dos lucros de alguns poucos”, expressou a chanceler venezuelana Delcy Rodríguez, que teve uma das intervenções mais eufóricas da jornada. Os respaldos explícitos à iniciativa não se limitaram aos países latinos, como Brasil, Bolívia, Cuba, Paraguai, Chile e Uruguai. Também foram acompanhados com entusiasmo pelos representantes da Rússia, Índia, Islândia e Jamaica. “Os princípios básicos foram desenhados para assegurar sua inclusividade, não são obrigatórios e não favorecem credores nem devedores. Trata-se de gerar uma situação onde todos ganham. A sustentabilidade das dívidas é essencial para o crescimento e as reestruturações são importantes para os países em desenvolvimento, assim como para os desenvolvidos”, indicou o porta-voz da África do Sul, em representação do G-77 China.
A iniciativa reivindica o posicionamento argentino na disputa contra os fundos abutre nas cortes de Justiça estadunidenses, mas não tem implicâncias judiciais diretas. Contudo, poderia beneficiar países que enfrentam problemas de dívida externa e precisam reestruturar seus passivos sem que os credores imponham condições extorsivas, casos como os da Grécia, Porto Rico, Portugal e Ucrânia, entre outros. Apesar disso, a maioria dos países europeus, incluídos os que atravessam crises estruturais devido às dívidas, se abstiveram na votação.
“É verdade que isso tem poucas chances de mudar a situação da Argentina, ou de limitar a atuação do juiz Thomas Griesa (do Tribunal de Nova York, que vem tomando decisões em favor dos especuladores) e dos próprios abutres. Quase todos os países do mundo se opõem a esse tipo de ação especulativa, não se pode ignorar isso”, explicou Kicillof, durante um breve intercâmbio com este diário, logo após gravar uma teleconferência com CFK.
Quando chegou o momento da sua intervenção, os Estados Unidos reforçou seu compromisso com “a estabilidade do sistema financeiro” mas considerou que para melhorar o sistema de reestruturação de dívidas soberanas bastaria introduzir modificações aos contratos dos títulos, novas cláusulas de ação coletiva, capazes de redefinir o sistema e garantir igualdade de condições aos contratos dos títulos. “A linguagem da resolução indica que os países têm o direito de reestruturar suas dívidas, um direito que não existe”, considerou a representante estadunidense, ao explicar sua resistência ao projeto, e também a ausência nas discussões, que o país considerou que deveriam ocorrer no âmbito do FMI ou do G-20.
Durante toda a manhã, a representação da Grã-Bretanha se dedicou a pressionar os embaixadores da União Europeia, em diferentes reuniões bilaterais, para que votassem contra a resolução. Enquanto isso, os diplomatas argentinos receberam a notícia de que os colombianos, geralmente alinhados com os interesses dos Estados Unidos e atualmente em processo de incorporação à OCDE, se decidiram finalmente pela abstenção. Por sua parte, a Alemanha, que chegou a avaliar a mesma postura neutra, voltou atrás, à sua postura negativa original. Não obstante, o G-77 China e a delegação argentina puderam observar com satisfação como Austrália, Irlanda, República Tcheca, Finlândia e Hungria mudaram sua rejeição inicial a uma abstenção, uma guinada que não parece, mas foi uma reviravolta significativa em termos diplomáticos.
Os princípios não são vinculantes, mas interpretam bem o “sentido comum”, violado pelas cortes permeáveis às reclamações dos abutres, em matéria de reestruturações de dívidas soberanas. As discussões na ONU continuarão, com o objetivo de alcançar uma norma jurídica internacional a qual os países deverão aderir. Enquanto retomam os trabalhos, fontes diplomáticas indicaram ao jornal argentino Página/12 que a Bolívia poderia incorporar os protocolos à sua legislação. O embaixador boliviano, Sacha Llorenti, foi o responsável pelo Comitê Especial sobre Processos de Reestruturação da Dívida Soberana, e facilitador do projeto de resolução. “Seria uma boa ideia avançar nesse sentido, não?”, respondeu a equipe econômica, antes de partir ao aeroporto JFK, em Queens.
Tradução: Victor Farinelli
A discussão começou aproximadamente às 15h, numa jornada chuvosa que não conseguiu aliviar o calor de Manhattan. O projeto de resolução para abordar os problemas associados às reestruturações de dívidas soberanas ocupou o quarto lugar na agenda do dia. Antes, foi aprovada outra resolução, que determinou que as bandeiras dos países observadores (Palestina e Vaticano) flamearão junto com as demais, na frente do edifício da entidade. Depois de uma contundente apresentação da problemática, realizada pelo representante da África do Sul, que representou o G-77 China, as telas mostraram os 136 votos a favor, acompanhados por uma celebração da delegação argentina e dos países que apoiaram o projeto. A satisfação entre os funcionários argentinos que trabalharam nos nove princípios foi evidente até mesmo quando os diplomatas espanhóis, antes de finalizar o encontro, pediram a palavra para dizer que seu voto na verdade era uma abstenção, que haviam se equivocado – um voto a menos, mas que não diminuiu a celebração, nem a enorme diferença no resultado final.
“Conseguimos uma vitória importantíssima contra o poder do capital financeiro predatório, que acompanhado de sua sofisticada máquina mediática, distribui pobreza e miséria pelo mundo todo, em favor dos lucros de alguns poucos”, expressou a chanceler venezuelana Delcy Rodríguez, que teve uma das intervenções mais eufóricas da jornada. Os respaldos explícitos à iniciativa não se limitaram aos países latinos, como Brasil, Bolívia, Cuba, Paraguai, Chile e Uruguai. Também foram acompanhados com entusiasmo pelos representantes da Rússia, Índia, Islândia e Jamaica. “Os princípios básicos foram desenhados para assegurar sua inclusividade, não são obrigatórios e não favorecem credores nem devedores. Trata-se de gerar uma situação onde todos ganham. A sustentabilidade das dívidas é essencial para o crescimento e as reestruturações são importantes para os países em desenvolvimento, assim como para os desenvolvidos”, indicou o porta-voz da África do Sul, em representação do G-77 China.
A iniciativa reivindica o posicionamento argentino na disputa contra os fundos abutre nas cortes de Justiça estadunidenses, mas não tem implicâncias judiciais diretas. Contudo, poderia beneficiar países que enfrentam problemas de dívida externa e precisam reestruturar seus passivos sem que os credores imponham condições extorsivas, casos como os da Grécia, Porto Rico, Portugal e Ucrânia, entre outros. Apesar disso, a maioria dos países europeus, incluídos os que atravessam crises estruturais devido às dívidas, se abstiveram na votação.
“É verdade que isso tem poucas chances de mudar a situação da Argentina, ou de limitar a atuação do juiz Thomas Griesa (do Tribunal de Nova York, que vem tomando decisões em favor dos especuladores) e dos próprios abutres. Quase todos os países do mundo se opõem a esse tipo de ação especulativa, não se pode ignorar isso”, explicou Kicillof, durante um breve intercâmbio com este diário, logo após gravar uma teleconferência com CFK.
Quando chegou o momento da sua intervenção, os Estados Unidos reforçou seu compromisso com “a estabilidade do sistema financeiro” mas considerou que para melhorar o sistema de reestruturação de dívidas soberanas bastaria introduzir modificações aos contratos dos títulos, novas cláusulas de ação coletiva, capazes de redefinir o sistema e garantir igualdade de condições aos contratos dos títulos. “A linguagem da resolução indica que os países têm o direito de reestruturar suas dívidas, um direito que não existe”, considerou a representante estadunidense, ao explicar sua resistência ao projeto, e também a ausência nas discussões, que o país considerou que deveriam ocorrer no âmbito do FMI ou do G-20.
Durante toda a manhã, a representação da Grã-Bretanha se dedicou a pressionar os embaixadores da União Europeia, em diferentes reuniões bilaterais, para que votassem contra a resolução. Enquanto isso, os diplomatas argentinos receberam a notícia de que os colombianos, geralmente alinhados com os interesses dos Estados Unidos e atualmente em processo de incorporação à OCDE, se decidiram finalmente pela abstenção. Por sua parte, a Alemanha, que chegou a avaliar a mesma postura neutra, voltou atrás, à sua postura negativa original. Não obstante, o G-77 China e a delegação argentina puderam observar com satisfação como Austrália, Irlanda, República Tcheca, Finlândia e Hungria mudaram sua rejeição inicial a uma abstenção, uma guinada que não parece, mas foi uma reviravolta significativa em termos diplomáticos.
Os princípios não são vinculantes, mas interpretam bem o “sentido comum”, violado pelas cortes permeáveis às reclamações dos abutres, em matéria de reestruturações de dívidas soberanas. As discussões na ONU continuarão, com o objetivo de alcançar uma norma jurídica internacional a qual os países deverão aderir. Enquanto retomam os trabalhos, fontes diplomáticas indicaram ao jornal argentino Página/12 que a Bolívia poderia incorporar os protocolos à sua legislação. O embaixador boliviano, Sacha Llorenti, foi o responsável pelo Comitê Especial sobre Processos de Reestruturação da Dívida Soberana, e facilitador do projeto de resolução. “Seria uma boa ideia avançar nesse sentido, não?”, respondeu a equipe econômica, antes de partir ao aeroporto JFK, em Queens.
Tradução: Victor Farinelli
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