Foto Rodrigo Guima/Dar (à esquerda); de costas, Lucas Bruno, do Coletivo Dona Maria, foto da autora |
Sylvia Albuquerque: Explorando o vácuo
deixado pelo PT com os jovens, anarquistas florescem e incluem vertente dos
anarcoexpropriadores
Levantamentos não oficiais realizados por ONGs
indicam a existência de cerca de 280 grupos com proposta anarquista em São
Paulo e região metropolitana.
Por Sylvia Albuquerque
– reproduzido do blog Viomundo – o que você não vê na mídia –
publicado no Viomundo em 24/09/2015
Morador
do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, o jovem Lucas Bruno integra o
coletivo Dona Maria Antifascista.
Aos 22
anos, ele ajuda a compor a cena paulistana dos movimentos anarquistas – que já
existiam antes das jornadas de protestos de junho de 2013 ou foram criados após
os atos que levaram milhares às ruas do Brasil.
Muitos
deles floresceram à sombra do desengajamento do PT com os jovens desde que o
partido ascendeu ao poder em 2002 e tornou-se um partido do status quo.
Atualmente,
esses grupos vivem o que alguns qualificam como “a revolução dentro da
revolução”, em razão da oxigenação das propostas.
Os
coletivos conciliam a defesa das tradicionais lutas dos trabalhadores — aumento
salarial e melhores condições de trabalho — com as necessidades ligadas ao
cotidiano da população, como transporte público, moradia, questões de gênero,
homossexualidade e legalização das drogas.
Levantamentos
não oficiais realizados por ONGs indicam a existência de cerca de 280 grupos
com proposta anarquista em São Paulo e região metropolitana.
A
militância, no entanto, é muito distinta entre si.
A.V., de
19 anos, aceitou falar com a reportagem com a condição de não ser identificada.
Ela
integra grupos anarquistas que utilizam a tática black block. Comparece a
eventos organizados por outros coletivos, como o MPL (Movimento Passe Livre),
para realizar ações de depredação de bancos, lojas com itens de luxo e contra a
polícia.
Estudante
de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo), ela afirma que só as ações de
base não são suficientes como forma de manifestação contra o Estado.
“Temos
por prática cometer alguns furtos, destruir agências bancárias e atacar tudo o
que possa representar o capitalismo que gere nossas vidas com o apoio do
Estado. Faço parte da vertente dos anarcoexpropriadores e estou presente em
encontros organizados por outros movimentos. Nossas ações cresceram muito após
as jornadas de 2013”, afirma.
A
universitária nunca foi detida, mas afirma que alguns de seus colegas respondem
a processos por destruição de patrimônio público. “A mídia só sabe dizer que
somos vândalos, bandidos e criminosos. Mas o que fazemos é uma forma de
repúdio, um protesto contra a violência policial praticada no estado de São
Paulo, um protesto contra um o governo que tem permitido lucros cada vez mais
altos aos bancos, enquanto o povo passa fome”.
Para quem
mora na periferia, como Lucas Bruno, o anarquismo chega por meio de outros
movimentos, fora das estruturas criadas nas universidades. Dessa maneira, o
trabalho de construção de base é mais lento.
“O
anarquismo sempre foi e continua sendo periférico. A nossa dificuldade, de quem
mora nas favelas, é conhecê-lo, ter acesso a sua literatura, por isso eu sempre
digo que o punk é a forma divertida de entrar no anarquismo. Você é atraído
pela música, pelo estilo e depois consegue avançar mais. Eu me tornei punk aos
16 anos, andava de skate aqui no Grajaú, e só anos mais tarde fui saber o que
era anarquismo e entrar em uma biblioteca para pesquisar sobre ele ”, relata o
jovem.
O
coletivo Dona Maria foi criado há pouco mais de um ano por cinco jovens que
fazem oficinas de circo e outras atividades no Grajaú.
O ator
Rafael Presto integra o Dar – Desentorpecendo a Razão, organizador da marcha da
maconha em São Paulo. Ele afirma que dez pessoas coordenam as atividades do
grupo, mas que em dias de marcha conseguem reunir cerca de 20 mil, como ocorreu
este ano.
“As redes
sociais têm nos ajudado a difundir nossos propósitos, por isso investimos nessa
forma de comunicação. Nos consideramos anarquistas e autônomos, mas nos unimos
com outros movimentos e queremos criar uma rede em que um possa apoiar o outro,
mesmo que as militâncias sejam diferentes. Somos jovens e temos o papel de dar
a cara para bater”, diz.
A ação
horizontal, ou seja, sem hierarquia definida entre “líderes” e “comandados”, é
uma das características do anarquismo. Esse jeito de se organizar atrai os
jovens, pelo caráter democrático, por desafiar as instituições vistas como
fossilizadas e conservadores e por replicar algo com o qual eles estão
acostumados, ao experimentar a vida na internet: ação em rede.
A Federação Anarquista Gaúcha é uma das mais antigas do Brasil; autora deste artigo, Sylvia Albuquerque monitora os movimentos sociais |
De onde
vem e para onde vai o anarquismo
O
anarquismo surgiu como uma corrente libertária do movimento socialista
internacional de trabalhadores.
Essa
ideia teve seu auge no Brasil nas primeiras décadas do século XX com grandes
greves gerais com participação dos recém-chegados imigrantes europeus, que
trouxeram suas ideias principalmente da Itália.
Foi o
momento de maior força do anarquismo no país, com a promoção de um sindicalismo
revolucionário que marcou sua atividade no período.
Poucos
brasileiros sabem: o movimento sindical deve muito aos anarquistas, que
combateram corajosamente a exploração da mão-de-obra que acompanhou a
industrialização do Brasil.
Depois
dos anos 30, mesmo existente, o movimento ficou enfraquecido. O governo de
Getúlio Vargas, com suas concessões aos trabalhadores, promoveu um sindicalismo
atrelado ao Estado e anti-revolucionário.
Implantada
em 1964, a ditadura militar abalou ainda mais o movimento, que só voltou a
ganhar fôlego nos anos 80.
Essa
retomada foi iniciada pelo jornal baiano Inimigo do Rei, e culminou
com a reabertura do Centro de Cultura Social (fechado pelos militares após o
decreto do AI-5, em 1968) em São Paulo e a fundação do Círculo de Estudos
Libertários, no Rio de Janeiro.
Militante
anarquista e membro do Instituto de Teoria e História Anarquista, Felipe Corrêa
diz que essa “retomada” nos anos 80 caracterizou uma fase de crescimento que,
entre os fins dos anos 90 e início dos 2000, contou com a formação de distintas
correntes no país. Esses grupos, ao mesmo tempo que resgataram o anarquismo
“clássico”, incorporaram outras vertentes, de acordo com os novos tempos.
Ao falar
da CAB (Coordenação Anarquista Brasileira), Corrêa aponta: “Essa coordenação
nacional foi fundada em 2012, fruto de praticamente 10 anos de articulação. São
nove organizações estaduais e outras em processo de coordenação com trabalho de
base em sindicatos, movimentos de bairro, rurais, estudantis e outros. Há
também trabalhos de propaganda, publicações e educação popular. Hoje, o
anarquismo em geral, tem aproximado muitos jovens, que chegam com novas
demandas, muitos deles sem conhecer a história. São contribuições legítimas que
vão se organizando na medida do possível.”
Anarquista
há 40 anos, o historiador e professor Eduardo Valadares, diz que as agrupações
anarquistas conseguiram recuperar a proposta de liberdade e autonomia em um
momento de conservadorismo da política brasileira, dominada pelo discurso da
direita.
“Vivemos
uma época em que estão confundindo ser de esquerda com dar apoio ao PT. Logo,
apoiam a direita para ser antigoverno. Os anarquistas têm tentado lutar contra
esse discurso conservador e golpista, atuando como proposta de uma verdadeira
esquerda anticapitalista. Por mais que os grupos apresentem propostas plurais,
estão conseguindo avançar, mesmo de maneira lenta. E isso é fundamental”, diz o
historiador.
Para
Valadares, as pessoas se identificam cada vez menos com a estrutura
partidária. “Os partidos chegaram a uma exaustão em suas atuações verticais
[hierárquicas] e o anarquismo é uma resposta quase que óbvia para esse momento.
Ele propõe a quebra dessa lógica [se se organizar a partir] de partido e de
governo”.
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