Dilma Rousseff em entrevista coletiva no Planalto na terça-feira 15: ela é o alvo, mas não sozinha (Foto: blog do autor) |
O objetivo é não apenas liquidar o atual governo, mas impedir uma
eventual retomada progressista em 2018
A direita que, derrotada em três eleições seguidas, impõe aos vencedores o seu programa, ainda assim não se dá por satisfeita, e jamais dar-se-á por saciada, quaisquer que sejam as concessões. Anotem isso os cedentes e os concedentes.
Por Roberto Amaral (ex-presidente do PSB) – reproduzido de seu blog, de
18/09/2015
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Esse, o claro paradoxo presente no editorial de
primeira página da edição do último dia 13 da Folha de S. Paulo, lembrando os
terríveis artigos do Correio da Manhã contra Jango, às vésperas do golpe: Dilma
deve presidir uma política conservadora, executada por um representante do
sistema financeiro para esse fim indicado, e nem por isso terá o apoio das
forças de direita, que, apesar de tudo, lhe exigem – mediante medidas concretas
de governo – o rompimento com as bases populares que a elegeram e que já
escasseiam em seu apoio, inclusive nas hostes de seu partido. Essas forças (populares)
condicionam o apoio ao rompimento com a política à qual o editorial,
vocalizando os sentimentos dos setores mais atrasados da economia, exige que se
curve a presidente.
A direita que fala por intermédio desse editorial
apresenta, nos termos imperativos de um diktat, as medidas de arrocho que
levarão o País à paralisia econômica e grandes contingentes de assalariados ao
desemprego, à precariedade e à angústia: cortes nos gastos públicos “com
radicalidade sem precedentes”, contenção das despesas com a Previdência, corte
dos subsídios a setores específicos da economia (donde mais desinvestimento,
mais retração), corte dos programas sociais, e ainda desobrigação dos gastos
compulsórios em saúde e educação. A saúde e a educação do andar de baixo, por
suposto.
Nem uma só palavra, porém, acerca do combate à
sonegação de impostos, privilégio do empresariado, que chega à patologia de
algo como 50% do valor devido.
Nem uma só palavra sobre a taxação dos ganhos de
capital.
Nada sobre a tributação progressiva.
À presidente, porém, não são concedidas opções: ou
faz o que o grande capital quer, ou será defenestrada. Diz o editorial:
“Serão imensas, escusado dizer, as resistências da
sociedade a iniciativas desse tipo. O país, contudo, não tem escolha. A
presidente Dilma tão pouco: não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise,
senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo
que ocupa”.
Em bom português: ou dá, ou desce. Mas, de onde vem
a legitimidade do jornal para assim dirigir-se a uma mandatária eleita pelo
voto majoritário de 54 milhões de brasileiros?
O soco no fígado, de qualquer forma, já surtiu seus
efeitos.
Não mais que 24 horas após o ultimato, os ministros da Fazenda e do
Planejamento anunciavam o ‘pacote de cortes’: cortes no PAC, cortes no programa
‘Minha casa, Minha vida’, corte nos subsídios agrícolas, corte das despesas com
o servidor público – que, ao lado dos demais assalariados, é mesmo quem vai
pagar o pato.
Até aqui, nem uma só palavra, um só aceno sobre a
taxação das grandes fortunas e das grandes heranças.
De sua parte, o presidente da Câmara (que já
anunciou o imperial veto à CPMF) aproveita a onda e, diz o Valor, acelera o
projeto de José Serra, senador tucano por São Paulo, que revoga o regime de
partilha no pré-sal, enquanto os ativos da Petrobras, desvalorizados ao final
de uma maquinação especulativa bem urdida, serão vendidos a preço de chuchu.
Como se deu com a Vale, nos tempos da ‘privataria’ presidida por FHC.
A direita que, derrotada em três eleições seguidas,
impõe aos vencedores o seu programa, ainda assim não se dá por satisfeita, e
jamais dar-se-á por saciada, quaisquer que sejam as concessões. Anotem isso os
cedentes e os concedentes.
Olhando o aqui e o agora, a direita mira longe.
Mira a liquidação do atual governo, sim – menos pelos seus erros mas
principalmente pelo que representa – e mira igualmente a eventualidade de uma
retomada progressista em 2018.
Não se trata, apenas, de interromper o atual
ciclo. Não se trata mesmo de finalmente regurgitar o ‘sapo barbudo’, jamais
assimilado, nada obstante as ilusões de conciliação de classe do metalúrgico.
Trata-se de travar o avanço social, mesmo ao risco de, nesta débâcle, derruir a
sociedade democrática construída sob os influxos progressistas e
socialdemocratas da Carta de 1988.
Assim foi em 1954: o combate a um ‘mar de lama’
(por sinal inexistente) foi o pano de fundo que uniu liberais e reacionários no
combate ao governo Vargas, efetivamente demonizado pelo que de fato
representava como proposta de soberania nacional e defesa dos interesses dos
trabalhadores. A história repetir-se-ia em 1964. Desta feita o ‘crime’ eram as
‘reformas de base’ que, ainda hoje, como a reforma agrária, arrepiam a burguesia
atrasada. Naquele então, pensando que defendiam uma Constituição ameaçada, os
liberais de novo se deram as mãos com a direita e acabaram contribuindo, com a
deposição do presidente constitucional, para a implantação de uma ditadura que
revogou a Constituição e suprimiu as liberdades.
Consabidamente, a História não se repete; mas no
Brasil ela toma os ares de recorrente.
O impeachment – a ameaça ostensivamente presente no
referido editorial –, uma vez alcançado (e, se o for, será com o lamentável
concurso de pessoas de bem como Hélio Bicudo, que, não sabendo envelhecer, dá
as mãos antes limpas para o afago de Bolsonaros e Caiados), será o ponto de
partida para a destruição dos partidos de esquerda, a começar pelo PT (mas não
ficando nele), a destruição dos quadros-ícones da esquerda, a começar pela
imagem de Lula, impondo um longo retrocesso ao movimento popular, progressista
e de esquerda, numa quadra de crise política e falência do sistema de partidos.
Iluda-se quem quiser e aposte no ‘quanto pior melhor’ quem tiver vocação
suicida.
A crise e o conflito que se anunciam como
inevitáveis exigem das forças progressistas a reaglutinação de todas as
tendências em torno de uma política de Frente, para a qual são chamados os
liberais e os democratas de um modo geral, com fulcro em apenas dois pontos: a
defesa do mandato da presidente Dilma e a mudança da política econômica, para que o peso do ‘ajuste’ se desloque dos assalariados para o capital financeiro.
É o momento difícil, mas rico, que exige de nossas esquerdas a distinção entre
o essencial e o contingente, a tática e a estratégia, os fins e os meios, os
objetivos e as circunstâncias da luta.
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